Uma
noção nos ajudará a compreender
este ponto capital da articulação de uma
doença, ou de um acidente, na vida de um indivíduo:
os "benefícios"* da doença.
São de duas categorias:
1
- OS BENEFÍCIOS SECUNDÁRIOS
Começaremos
por eles, visto que são os mais evidentes, os
mais fáceis de compreender e reconhecidos por
todo mundo. Resultam das conseqüências da
doença, sem intervir diretamente em sua gênese.
Ao contrário, podem favorecer a instalação
na doença e tornarem-se fator de perenização.
-
Uns são francamente conscientes e conhecidos
do doente. Seremos breves, em virtude de sua evidência:
a criança cuja dor de cabeça sobrevém
providencialmente no dia de fazer uma redação,
o adulto que se alegra de parar o trabalho que lhe ocasiona
uma gastrite; os exemplos são numerosos.
É
preciso saber, contudo, que o beneficio secundário
consciente, que pode surgir como motivação
ou causa do prolongamento de certas doenças,
funciona em geral como uma tela que mascara os benefícios
ou as necessidades mais profundas.
Esses
benefícios secundários conscientes são
a compensação social dá doença.
São institucionalizados, admitidos, com a condição,
todavia, de que o doente adote seu status de doente.
Os
outros são inconscientes:
-
subtrair-se a relações frustrantes que
colocam o doente diante de exigências excessivas
(dificuldades alimentares da criança, uretrite
dos impotentes etc.);
-
permitir a introversão, retraindo-se em relação
às amizades e concentrando-se em suas sensações
e emoções, que adquirem uma importância
fora do comum;
-
fugir pela fantasia e pelo pensamento mágico:
o adulto normal deve ficar no mundo lógico e
racional. O doente é autorizado a sonhar, devanear
e ter alguma coisa da percepção do mundo
infantil;
-
ser reconhecido como doente pelo médico, seus
próximos ou pelo círculo familiar, desfrutar
de uma posição particular; tornar-se importante
e protegido.
Todas
essas satisfações são, em parte,
devidas à regressão que já detalhamos.
Mas é preciso não esquecer o que lhe está
intimamente ligado, o que é seguramente uma das
vantagens principais da doença e o que faz com
que se busque por vezes prolongá-la:
-
a dependência, a passividade, a maternalidade.
Quando
esses diversos benefícios são mais importantes
no contexto do doente do que os que encontra no seu
funcionamento saudável, vê-se constituir
uma "neurose de compensação":
o indivíduo não podendo ser mais que um
doente. Muito próxima dessa situação
está a "sinistrose", fixação
neurótica na deficiência, real ou fictícia,
causada por um acidente. Seria por demais simplista
imaginar que o paciente procura unicamente uma compensação
material (benefício secundário consciente);
ele necessita, igualmente, da compensação
moral, que lhe outorga seu estado de "sinistrado".
2
- OS BENEFÍCIOS PRIMÁRIOS
Desempenham
um papel no desencadeamento da própria doença
ou do acidente, como causa ou fator favorecedor. Considerá-los
já supõe uma teoria da personalidade,
do funcionamento mental e dos vínculos entre
psique e soma, como assinalamos a propósito dos
distúrbios psicossomáticos. Sua evidência
não pode ser feita de modo direto, mas podem
ser deduzidos de pesquisas como as de Otto, citadas
no capítulo introdutório, ou percebidos
por métodos de estudo próprios à
psicossomática.
O
termo "benefício" é criticável,
na medida em que dá a entender que o doente obterá
vantagem de sua doença. Neste sentido, é
mais apropriado aos benefícios secundários.
No caso dos benefícios primários, é
preciso entendê-los como ocasionando uma saída,
uma certa solução a uma situação
de tensão interna insuportável. Isto não
quer dizer que a saída oferecida seja a melhor,
que não envolva risco, ou que não existam
melhores.
Isto
significa, porém, que um determinado indivíduo,
numa dada situação, levando em conta o
conjunto de seus determinantes genéticos, biológicos
e psicológicos, não pôde elaborar
uma resposta melhor. A doença é, então,
a procura quase sempre infeliz de um novo equilíbrio,
num sentido semelhante àquele entendido pela
medicina hipocrática.
3
- OS DIFERENTES NÍVEIS DE COMPREENSÃO
DA DOENÇA
Procura
de um novo equilíbrio, sintoma tendo valor de
compromisso, resposta somática a uma situação
traumática, se a doença pode ter estas
funções, é porque ela pode desempenhar
o papel de uma reação de defesa do organismo
em dificuldade.
Reação
perigosa que, por sua própria ação
patogênica, pode contribuir para desorganizar
mais ainda o doente. Necessita, portanto, um tratamento
específico, que leve em conta o terreno sobre
o qual ela acontece e o papel que pode desempenhar.
Isso com uma dupla finalidade:
-
tratar melhor o doente, considerando todos os fatores
que possam ter um papel patogênico;
-
apreciar, igualmente, o alcance exato da doença
na vida e na história do doente, assim como seu
valor na economia psíquica e no relacionamento
deste.
Não
insistiremos sobre os diferentes níveis de expressão
e de organização que a doença traduz
nesses casos. Já falamos sobre eles a propósito
da psicossomática e na última parte desse
capítulo retornaremos ao assunto. Diremos, esquematicamente,
que os níveis se estendem desde a expressão
simbólica de um conflito, do tipo encontrado
na histeria, ao da doença que traduz uma desorganização
importante do aparelho psíquico, as tensões
só se podendo descarregar através de uma
descarga maciça no corpo, como nas doenças
psicossomáticas graves.
As
formas intermediárias são, naturalmente,
múltiplas. A doença desempenha, então,
o papel de um sintoma, isto é, de uma formação
de compromisso, exprimindo a satisfação
de certos desejos ao mesmo tempo que pune o indivíduo.
Benefícios primários e secundários
são difíceis de separar, e se esses fatores
psíquicos não desempenham forçosamente
um papel determinante no desencadear dos distúrbios,
constituem um fator favorecedor e agravante. Temos enfatizado,
com freqüência, o quanto a doença
e o acidente, pela ameaça corporal que fazem
pesar, permanentemente, sobre nós, tornam-se
meios de expressão adequados para a angústia
de castração. Toda situação
suscetível de avivar esta angústia, por
exemplo, um êxito vivido num clima de forte rivalidade
e a satisfação de desejos amorosos com
forte conotação edipiana, poderá
favorecer sua expressão e, ao mesmo tempo, seu
exorcismo, por um ataque ao corpo. A doença ou
o acidente exprimem a culpa do paciente e contribuem,
assim, para apaziguá-la. Evitam a experiência
de uma angústia psíquica mais difícil
de controlar e fonte de uma tensão que o indivíduo,
naquele momento da vida, não consegue suportar
e elaborar.
4
- O PAPEL DO MÉDICO
Enfatizamos,
uma vez ainda, o possível papel tranqüilizador
e reorganizador do médico. Por sua ação
e suas atitudes, ele pode, com efeito, aliviar o doente
de sua tensão, acalmar suas apreensões
e permitir-lhe reorganizar-se após o relaxamento
que constitui a regressão e o abandono aos cuidados
médicos. Pode, ao contrário, por sua inépcia
e sua indiferença, fazer o paciente aumentar
sua angústia e desorganizar-se ainda mais. A
qualidade da relação estabelecida nesta
situação é determinante. É
preciso dizer também o quanto as palavras utilizadas
pelo médico podem ser portadoras de sentido e
de uma rica ressonância afetiva. A nominação
da doença, que irá introduzir significado
àquilo que atinge o doente, é um fator
capaz de atenuar a angústia e favorecer uma reorganização
psíquica. O que é dito e falado é
sempre menos apavorante do que o não dito, cujos
laços com o mundo fantástico e imaginário
são múltiplos e incontroláveis.
Reintroduzir um sentido ao nomear a doença ou,
pelo menos ao associar o paciente às tentativas
feitas para controlá-la, limita o peso desse
imaginário e pode evitar que, frente à
doença, o doente só possa ver a expressão
de uma fatalidade, a realização de uma
ameaça antiga e sempre temida, ligada, de fato,
às angústias infantis sempre presentes
no seu inconsciente.
O
médico deve adaptar sua linguagem à do
paciente. Não é por acaso que, nesse caso,
é o corpo essencialmente que fala. Assim também,
seja qual for a compreensão que possa ter da
situação psicológica do paciente,
deverá considerar que este caminho não
está aberto ao doente. Deve evitar toda revelação
prematura e toda interpretação selvagem
sobre a natureza de suas dificuldades. Nesse momento
pode ser terapêutico "utilizar" a doença
para conduzir o paciente a aceitar uma certa regressão
e dependência e, nessa oportunidade, permitir-lhe
remanejar o conjunto de seus laços intrapsíquicos
e interpessoais.
IV
- O DOENTE E SEU GRUPO SOCIAL
Faremos
referência aos desenvolvimentos que fizemos na
1ª Parte (Cap. 1) relativos ao sistema familiar.
Lembremos que uma família funciona como um sistema,
com leis que regulam as trocas no interior desse sistema
e que, em função dessas leis, dos problemas
e dos desejos de cada um dos membros, o sistema familiar
chega a encontrar um equilíbrio de funcionamento,
que a doença de um dos membros pode perturbar.
Esquematicamente,
dois modelos de evolução podem ser apresentados:
-
Se o sistema familiar for flexível e aberto,
ele se adaptara, à custa de algumas modificações,
à nova situação criada pela doença.
-
Se o sistema for, contrariamente, rígido e fechado,
a nova situação será percebida
como uma ameaça a seu equilíbrio, e dois
tipos de soluções serão possíveis:
a rejeição do doente ou sua utilização,
tornando-se a doença, então, parte integrante
do sistema e necessária à sua manutenção.
1-
A REJEIÇÃO DO DOENTE
A
rejeição do doente pode ser expressa diretamente
ou por intermédio de formações
reativas, como solicitude excessiva, superproteção,
ansiedade exagerada etc. O conjunto de gestos e atitudes
em relação ao doente reflete, assim, em
negativo, a agressividade subjacente e o temor, caso
esta encontre a mínima ocasião de se exprimir,
de se tornar incontrolável. A descoberta de um
"bode expiatório", que pode ser o médico,
pode representar uma solução, constituindo
um compromisso aceitável. É preciso compreender
bem que uma tal atitude reflete, mais comumente, a fragilidade
do sistema e não a maldade intrínseca
do círculo familiar. Nesses casos, quando consegue,
o médico será mais eficaz se desempenhar
um papel de apoio e conforto, capaz de acalmar a família,
tranqüilizando-a, do que se assumir uma atitude
condenatória.
2
- A UTILIZAÇÃO DO DOENTE E DE SUA DOENÇA
A
utilização do doente e de sua doença
pelo sistema familiar parece uma resposta mais satisfatória
à primeira vista, mas não é menos
perigosa por suas possíveis conseqüências.
O sistema familiar guarda sua rigidez inicial e se contenta
em incorporar o novo distúrbio, em torno do qual
se reorganiza. Este distúrbio corre, então,
o risco de se tornar necessário ao nono equilíbrio
e constituir, por sua vez, um fator patogênico.
Este
será comumente o caso nas doenças crônicas,
que provocam "deficiências" mais ou
menos duradouras.
As
reações do círculo social adquirem,
então, uma grande importância. Delas dependerá,
em grande parte, o modo pelo qual a deficiência
será vivenciada pelo doente. Este pode servir
de "pára-raios", cristalizando o conjunto
de transtornos da família. Culpa e agressividade
podem ser expressos, neste caso, por meio de contra-investimentos
reparadores. Um neo-equilíbrio familiar pode
assim instaurar-se, podendo obstruir os esforços
de melhora e explicando certas atitudes familiares paradoxais:
agressividade súbita em relação
ao doente ou depressão, quando sobrevém
uma melhora ou a cura. Este comportamento é particularmente
freqüente e típico quando a deficiência
é um distúrbio mental.
3
- AS INTER-RELAÇÕES DA DOENÇA E
DA SOCIEDADE
Não
nos é possível, no limitado espaço
deste livro, abordar as inter-relações
da doença e da sociedade. Mas é preciso
saber que a expressão da doença, sua evolução
e sua aceitação pelo círculo sócio-profissional
estão intimamente ligados à estrutura
da sociedade.
Estamos
convencidos de que uma situação sócio-econômica
difícil, que condições de trabalho
estafantes, que uma vida familiar perturbada, são
fatores patológicos, que aumentam o consumo médico.
Sendo este uma das únicas portas abertas ao desabafo,
o "doente" escolherá inconscientemente
a linguagem necessária para se dirigir ao médico:
falará de doença.
O sistema de benefício de invalidez, cuja utilidade
não contestamos, pode colocar problemas difíceis
em certas estruturas psicológicas. A procura
de uma reparação pecuniária de
um prejuízo, quase sempre real, mas que, na realidade,
oculta uma outra ferida, uma incompletude e uma frustração
mais antigas, pode-se tornar mais importante que o desejo
de recuperação.
As
inter-relações que descrevemos no sistema
familiar podem ser reencontradas no círculo social
e profissional, que pode ter igualmente interesse em
que o doente permaneça doente, mude de posição
ou, ao contrário, pode desejar curá-lo
muito rapidamente, sendo sua ausência sentida
como insuportável.
Inversamente,
as dificuldades que provêm da realidade externa,
sócio-profissional, podem constituir bodes expiatórios,
evacuando as tensões internas, como era o caso
precedente do "deficiente". Desaparecidas
essas dificuldades, poderão eclodir reações
julgadas paradoxais: fragmentação da família,
cuia unidade só estava preservada dos conflitos
pela sua projeção para o exterior, ou
reação depressiva de um dos membros.
Trata-se,
portanto, de alguns esboços de reflexão,
porque, por mais que estejamos conscientes da importância
dos fatores sociais na apreensão do fenômeno
doença, eles não se adequam ao enquadramento
voluntariamente atribuído a esse trabalho.
V
- INSERÇÃO E SIGNIFICADO DA DOENÇA
NA VIDA DO INDIVIDUO
1
– APRESENTAÇÃO
Analisamos,
nos capítulos precedentes, as maneiras pelas
quais um indivíduo pode reagir à eclosão
e à instalação de uma doença,
segundo o caráter transitório ou durável
desta, suas implicações prognósticas
e o valor simbólico das funções
corporais ou dos órgãos atingidos. Enfatizamos,
também, quanto qualquer doença determina
uma reorganização dos vínculos
entre o indivíduo e seu grupo social, um remanejamento
da imagem do próprio corpo e uma atualização
de conflitos afetivos que haviam permanecido até
então em estado latente. O modo como uma doença
é vivenciada, sua ressonância psicológica
e também socioprofissional dependem, então,
intimamente, de parâmetros ligados à doença
em questão e às características
de personalidade do paciente, bem como da organização
de suas capacidades defensivas.
Seria,
porém, errôneo considerar a perda da saúde
como um simples reencontro entre um ou muitos agentes
patogênicos, externos ou internos, figuráveis
ou não, por um lado, e, de outro, um indivíduo
totalmente estranho ao acontecimento mórbido
que vai viver e sofrer como uma vítima inocente.
Certamente que tal concepção "positivista"
da doença se inscreve em contraposição
a uma concepção "idealista",
até "moral", em que a doença
é como um justo castigo de faltas reais ou imaginárias,
ou como uma prova que permite ao homem mais bem se afirmar
e sair reforçado. Tudo o que foi longamente desenvolvido
na 1ª Parte desta obra e, notadamente no capítulo
consagrado à patologia psicossomática,
deve indicar, portanto, que os dois parceiros desse
encontro não são jamais totalmente estranhos
um ao outro:agentes patogênicos e indivíduos
podem, com efeito, cruzar-se até mesmo coexistir,
sem que jamais haja um encontro verdadeiro,nem a influência
nefasta dos primeiros sobre os segundos; predisposições
hereditárias ou adquiridas podem permanecer muito
tempo em estado latente; transtornos do funcionamento
celular ou de certos sistemas vitais podem existir em
estado embrionário sem romper a homeostasia do
organismo (proliferações limitadas, reatividade
neurormonal particular etc.). Numerosos fatores podem
intervir para aumentar a receptividade do organismo
à ação patogênica do meio
ou para restaurar suas capacidades habituais de defesa.
Entre esses fatores, o equilíbrio psicológico,
a carga emocional, a qualidade das relações
afetivas desempenham um papel primordial ao lado dos
fatores propriamente físicos, bioquímicos
ou infecciosos.
Se
certos acontecimentos que atingem a vida psíquica
podem ter um papel traumático, não é
apenas em razão de seu valor absoluto, mas em
virtude do impacto singular que causam sobre uma dada
personalidade em função de seu grau de
organização e da história anterior
do indivíduo, no seio da qual esses acontecimentos
têm um lugar sobrepredeterminado, isto é,
já circunscrito pelos acasos das relações
afetivas anteriores. É por entrarem em ressonância
com toda a história de um indivíduo que
as situações de perda objetal ou de ferida
narcísica podem ter um papel desorganizador,
indo de um simples abalo emocional a uma doença
invalidante, podendo conduzir à morte; por esta
mesma razão, o conjunto da história de
um indivíduo dará a uma doença
e aos distúrbios que a caracterizam um sentido
particular, seja este secundário, ligado ao "vivido"
da doença, ou primário, participando da
patogenia dos distúrbios e da "escolha"
dos sintomas.
Quisemos,
nessa parte do texto, ilustrar as considerações
mais teóricas que o leitor pode encontrar nos
outros capítulos por uma série de exemplos
clínicos, seguidos cada um de um breve comentário.
Este último permite destacar alguns ensinamentos
essenciais possíveis de serem retirados de cada
caso particular.
É
evidente que nem a descrição clínica,
nem as interpretações sugeridas paralelamente
pretendem esgotar o assunto. Muitas outras leituras
podem ser propostas a partir das mesmas descrições
de base, e a análise dos dados não poderia
constituir, de modo algum, uma explicação
unívoca e definitiva do desdobramento etiopatogênico
dos processos mórbidos.
Mas
se a "verdade" do comentário merece
ser relativizada, seria arbitrário querer tirar-lhe
todo caráter "científico": cada
caso relatado remete, com efeito, a uma série
de casos semelhantes que podem conduzir a reflexões
análogas; os "comentários" não
são, portanto, construídos em função
de casos particulares e empregados para preencher aquela
finalidade, mas buscam dar conta da maneira mais coerente
possível, dos mecanismos de alcance geral.
O
campo da patologia recoberto pelas vinte observações
que se seguem apresenta lacunas consideráveis.
Não deve ser interpretado como uma definição
dos limites que impomos a um "enfoque psicossomático".
Lamentamos, em particular, não relatarmos observações
em crianças, reduzir a uma simples chamada o
problema das afecções proliferativas,
não abordar a difícil questão da
ajuda aos moribundos ou omitir especialidades como a
neurologia, a hematologia, a oftalmologia, a otorrinolaringologia,
a traumatologia e muitas outras. Para tal, seria necessário
um espaço bem maior, que faria perder de vista
o objetivo inicial desse capítulo, que é
o de oferecer uma ilustração viva das
noções teóricas da obra, assim
como uma fonte de reflexão à disposição
de cada leitor.
Propomos,
com efeito, a título indicativo, que tais observações
possam servir de instrumento de trabalha no quadro do
ensino ou da formação psicológica
de estudantes de medicina, ou de outras categorias de
profissionais da saúde, seja por intermédio
de "estudos dirigidos" ou por meio de outros
sistemas de troca mais informais. Com essa finalidade,
os comentários devem ser utilizados como um esboço
que pode orientar uma reflexão ou ajudar a concluir
uma discussão e não como o conteúdo
de uma "lição" a ser transmitida
aos "alunos" de modo "magistral".
Veremos,
agora, através de cada um desses casos, o quanto
a realidade clínica é mais complexa do
que a descrição esquemática que
fizemos, com objetivo didático, nos outros capítulos.
Enfatizamos, sobretudo, como as personalidades dos doentes,
seus mecanismos de defesa habituais, a natureza de seus
distúrbios são, por vezes, difíceis
de classificar numa categoria precisa, mesmo se permitem
entrever o predomínio de algumas grandes características.
Acima
de tudo, será possível perceber o quanto
as reações de um mesmo indivíduo
à adversidade, às transformações
ou aos problemas de toda espécie podem variar
segundo os momentos de sua vida. Isso diz respeito,
por sua vez, à alternância de distúrbios
propriamente "psíquicos", comportamentais
e somáticos, mais ou menos reversíveis
e invalidantes, e a alternância de "doenças"
diversas num mesmo indivíduo, questão
que não pode ser fechada ao se conferir uma existência
autônoma a cada uma dessas doenças, e que
remete à própria natureza desse "encontro"
entre o indivíduo e os variados agentes patogênicos,
assinalado anteriormente.
A
história de um indivíduo merece, portanto,
em todos os casos, ser considerada como um todo e como
uma seqüência lógica, mesmo se nos
deparamos, numa primeira etapa, com elos desaparecidos:
esta coesão de conjunto não implica que
haja uma ligação material entre os diferentes
estados mórbidos, mas que estes podem ter causas
comuns e, entre estas, a organização psíquica,
o estilo de vida e as relações afetivas
particulares de um indivíduo podem desempenhar
um papel essencial.
Não
se encontrará, por fim, entre essas observações,
casos puramente "psiquiátricos" (neuroses,
psicoses ou distúrbios isolados do comportamento,
por exemplo): inserir tais casos clínicos em
nosso conjunto nos desviaria de nosso objetivo inicial,
que é fornecer elementos úteis para a
prática médica cotidiana e não
fazer um tratado de psiquiatria ou de psicopatologia.