O símbolo da medicina: tradição e heresia
Joffre
M. de Rezende
O
valor de um símbolo não está em seu desenho,
mas no que ele representa.
Dois
símbolos têm sido usados ultimamente em conexão
com a medicina: o símbolo de Asclépio, representado
por um bastão tosco com uma serpente em volta,
e o símbolo de Hermes, chamado caduceu,
que consiste em um bastão mais bem trabalhado,
com duas serpentes dispostas em espirais ascendentes,
simétricas e opostas, e com duas asas na sua
extremidade superior.
Ambos os símbolos têm sua
origem na mitologia grega; o de Asclépio,
deus da medicina, é o símbolo da tradição
médica; o de Hermes, deus do comércio, dos
viajantes e das estradas, introduzido tardiamente
na simbologia médica, constitui a heresia
(fig.1).
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Figura
1 |
Símbolo
de
Asclépio |
Símbolo
de
Hermes |
Em várias esculturas
gregas e romanas e em descrições de textos
clássicos, Asclépio é sempre representado
segurando um bastão com uma serpente em volta.
[3][4]
Não é nosso objetivo no
momento discutir o significado do bastão e
da serpente e sim analisar as razões pelas
quais o símbolo de Hermes tem sido usado em
substituição ao de Asclépio.
Hermes, na mitologia grega,
é considerado um deus desonesto e trapaceiro,
astuto e mentiroso, deidade do lucro e protetor
dos ladrões. [5][6][7][8][9][10][11] Seu primeiro
ato, logo após o seu nascimento, foi roubar
parte do gado de seu irmão Apolo, negando
a autoria do furto. Foi preciso a intervenção
de Zeus, que o obrigou a confessar o roubo.
Para se reconciliar com Apolo, Hermes presenteou-o
com a lira, que havia inventado esticando
sobre o casco de uma tartaruga cordas fabricadas
com tripas de boi. Inventou a seguir a flauta
que também deu de presente a Apolo.
Apolo, em retribuição,
deu-lhe o caduceu.Caduceus,
em latim, é a tradução do grego kherykeion,
bastão dos arautos, que servia de salvo-conduto,
conferindo imunidade ao seu portador, quando
em missão de paz. O primitivo caduceu não
tinha asas na extremidade superior, as quais
foram acrescentadas posteriormente.[12][14][15]
Hermes tinha a capacidade
de deslocar-se com a velocidade do pensamento
e por isso tornou-se o mensageiro dos deuses
do Olimpo e o deus dos viajantes e das estradas.
Como o comércio na antiguidade era do tipo
ambulante e se fazia especialmente através
dos viajantes, Hermes foi consagrado como
o deus do comércio. Outra tarefa a ele atribuída
foi a de transportar os mortos à sua morada
subterrânea (Hades).[5][7][9]
Com a conquista da Grécia
pelos romanos, estes assimilaram os deuses
da mitologia grega, trocando-lhes os nomes:
Asclépio passou a chamar-se Esculápio e Hermes,
Mercúrio.
Segundo os filólogos, a
denominação de Mercúrio dada a Hermes
pelos romanos provém de merx, mercadoria,
negócio.[13] O metal hydrárgyros dos
gregos passou a chamar-se mercúrio
por sua mobilidade, que o torna escorregadio
e de difícil preensão.[11] O planeta Mercúrio,
por sua vez, deve seu nome ao fato de ser
o mais veloz do sistema planetário.
O caduceu é, de longa data,
o símbolo do comércio e dos viajantes, sendo
por isso utilizado em emblemas de associações
comerciais, escolas de comércio, escritórios
de contabilidade e estações de estradas de
ferro.
Surge, então, a questão
principal do tema que estamos abordando. Por
que o símbolo do deus do comércio passou a
ser usado também como símbolo da medicina?
Mais de um fato histórico
concorreu para que tal ocorresse.
No intercâmbio da civilização
grega com a egípcia, o deus Thoth da mitologia
egípcia foi assimilado a Hermes e, desse sincretismo,
resultou a denominação de Hermes egípcio ou
Hermes Trismegistos (três vezes grande), dada
ao deus Thoth, considerado o deus do conhecimento,
da palavra e da magia. No panteão egípcio,
o deus da medicina correspondente a Asclepius
é Imhotep.[16]
Na antigüidade e, posteriormente,
na Idade Média, desenvolveu-se uma literatura
esotérica chamada hermética, em alusão
a Hermes Trismegistos. Esta literatura versa
sobre ciências ocultas, astrologia e alquimia,
e não tem qualquer relação com o Hermes tradicional
da mitologia grega. O sincretismo entre Hermes
da mitologia grega com Hermes Trismegistus
resultou no emprego do caduceu como símbolo
deste último, tendo sido adotado como símbolo
da alquimia. Segundo Schouten, da alquimia
o caduceu teria passado para a farmácia e
desta para a medicina.[17]
Um segundo fato a que se
atribui a confusão entre o bastão de Asclépio
e o caduceu de Hermes se deve à iniciativa
de um editor suíço de grande prestígio, Johan
Froebe, no século XVI, ter adotado para a
sua editora um logotipo inspirado no caduceu
de Hermes e o ter utilizado no frontespício
de obras clássicas de medicina, como as de
Hipócrates e Aetius de Amida. Outros editores
na Inglaterra e, posteriormente, nos Estados
Unidos, utilizaram emblemas semelhantes, contribuindo
para a difusão do caduceu.[12]
Admite-se que a intenção
dos editores tenha sido a de usar um símbolo
identificado com a transmissão de mensagens,
já que Hermes era o mensageiro do Olimpo.
Com a invenção da imprensa por Gutenberg,
a informação passou a ser transmitida por
meio da palavra impressa, e eles, os editores,
seriam os mensageiros dos autores. Outra hipótese
é de que o caduceu tenha sido usado equivocadamente
como símbolo de Hermes Trimegistos, o Hermes
egípicio ou Thoth, deus da palavra e do conhecimento,
a quem também se atribuía a invenção da escrita.
Em antigas prensas utilizadas para impressão
tipográfica encontra-se o caduceu de Hermes
como figura decorativa..
Outro
fato que certamente colaborou para estabelecer
a confusão entre os dois símbolos é o de se
conferir o mesmo nome de caduceu ao
bastão de Asclépio, criando-se uma nomenclatura
binária infundada de caduceu comercial
e caduceu médico.
Este
erro vem desde o século XIX e persiste até
os dias de hoje.
Em
1901, o exército francês fundou um jornal
de cirurgia e de medicina chamado Le caducée,
no qual estão estampadas duas figuras estilizadas
do símbolo de Asclépio, com uma única serpente.[12]
O
terreno estava, assim, preparado para que
ocorresse a maior heresia na história do símbolo
da medicina, que foi a adoção pelo Exército
norte-americano, do caduceu de Hermes, como
insígnia do seu departamento médico.
As
justificativas e argumentos para essa adoção
são falhas, inconsistentes, e denotam, no
mínimo, ingenuidade ou ignorância dos que
detinham o poder para promover a mudança.
As informações que se seguem sobre este episódio
foram colhidas em grande parte no livro de
Walter Friedlander, The golden wand of
medicine.[12]
O
caduceu fora usado, entre 1851 e 1887, como
emblema no uniforme de trabalho do pessoal
de apoio nos hospitais militares dos Estados
Unidos para indicar a condição de não combatente.
Em 1887 este emblema foi substituído por uma
cruz vermelha idêntica a da Cruz Vermelha
Internacional fundada na Suíça em 1864.
Os
oficiais médicos usavam nas dragonas as letras
M.S. (Medical Staff). Em 1872, as letras
M.S. foram substituídas por M.D. (Medical
Department).
O
Departamento Médico, contudo, possuía o seu
próprio brazão de armas com o bastão de Asclépios,
desde 1818.[15]
Em
março de 1902, os oficiais médicos passaram
a usar um emblema inspirado na cruz dos cavaleiros
de São João, ou cruz de Malta, cujo simbolismo
em heráldica é o de proteção, altruísmo e
honorabilidade.
Em
20 de março de 1902, o capitão Frederick P.
Reynolds, Comandante da Companhia de Instrução
do Hospital Geral em Washington propôs substituir
a cruz de Malta pelo caduceu.
O
general G. Sternberg, chefe do Departamento
Médico, deu o seguinte despacho: "A atual
insígnia foi adotada após cuidadoso estudo
e é atualmente reconhecida como própria desta
corporação. A alteração proposta, portanto,
não é aprovada". Em 14 de junho do mesmo
ano, o capitão Reynolds endereçou nova carta
ao Chefe do Departamento, refazendo sua proposta
com novos argumentos. Em certo trecho de sua
carta diz o seguinte: "Desejo particularmente
chamar a atenção para a conveniência de mudar
a insígnia da cruz para o caduceu e de adotar
o marrom como a cor da corporação, em lugar
do verde agora em uso. O caduceu foi durante
anos a insígnia de nossa corporação e está
inalienavelmente associado às coisas médicas.
Está sendo usado por várias potências estrangeiras,
especialmente a Inglaterra. Como figura, deve-se
reconhecer que o caduceu é muito mais gracioso
e significativo do que o atual emblema"
(cruz de Malta). "O verde não tem lugar
na medicina".
Nesse
ínterim, houve mudança na Chefia do Departamento
Médico e esta segunda carta foi recebida pelo
General W. H. Forwood, quem, não somente aprovou
a proposta como providenciou a confecção da
nova insígnia. O desenho elaborado tem sete
curvaturas das serpentes, o que também revela
desconhecimento do caduceu tradicional, que
contém, no máximo, 5 espirais.[12] (fig. 2).
|
Fig.
2.
Insígnia do Army Medical Department
- U.S.A.
|
Os
argumentos usados pelo Cap. Reynolds revelam,
no mínimo, ignorância. O caduceu jamais fora
a insígnia da corporação, mas do pessoal de
apoio (steward) dos hospitais. O bastão
de Asclépio e não o caduceu é que está historicamente
associado à medicina. Tanto na Inglaterra, como
na França e na Alemanha, os serviços médicos
das forças armadas utilizavam o bastão de Asclépio
em seus emblemas e não o caduceu de Hermes.
Finalmente, a cor verde tem
sido usada em conexão com a medicina; tanto
assim que no Brasil o anel de médico tem, incrustada,
uma pedra verde - esmeralda ou imitação.
O argumento de ordem subjetiva
de que a figura do caduceu é mais estética do
que a cruz de Malta ou o bastão de Asclépio
é irrelevante, porquanto não diz respeito ao
significado de tais símbolos.
Deste modo, o caduceu foi
implantado e se mantém até hoje como insígnia
do Departamento Médico do Exército norte-americano,
o que contribuiu sobremaneira, sobretudo após
a Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918),
para a sua difusão, dentro e fora dos Estados
Unidos, como símbolo da medicina.
A Marinha norte-americana
adotou igualmente o caduceu como emblema de
seu corpo médico, ao contrário da Força Aérea,
que mantém em seu emblema o bastão de Asclépio.
Os Serviços de Saúde Pública
dos Estados Unidos, por sua vez, adotaram um
antigo emblema do Serviço Médico da Marinha,
no qual o caduceu se cruza com uma âncora e
cujo simbolismo anterior era o do comércio marítimo.[12]
O primeiro comentário desfavorável
à decisão do U.S. Medical Department
apareceu sob a forma de editorial em final de
julho de 1902 na publicação Medical News.
Desde então, de tempos em tempos, surgem artigos
na imprensa médica, ora justificando, ora condenando
o uso do caduceu como símbolo da medicina.
Fielding Garrison, notável
historiador da medicina nos Estados Unidos e
também Tenente-Coronel do Corpo Médico no período
de 1917 a 1935, procurou defender a posteriori
a adoção do caduceu pelo Departamento Médico
a que servia. Inicialmente, alegou que se tratava
de um símbolo administrativo para caracterizar
os militares não combatentes, reconhecendo que
o símbolo autêntico da medicina era o bastão
de Asclépio. Posteriormente, procurou justificar
o uso do caduceu como símbolo médico com base
nos achados arqueológicos da civilização mesopotâmica.
Nas escavações realizadas
em Lagash fora encontrado um vaso talhado em
pedra sabão, de cor verde, dedicado pelo governador
Gudea ao deus Niginshzida, ligado à medicina.
Neste vaso há duas serpentes dispostas de maneira
semelhante a do caduceu de Hermes. Garrison
refere-se à figura como caduceu babilônico,
que teria precedido o caduceu da civilização
grega.[18]
A verdade é que toda a nossa
cultura baseia-se na civilização grega. Todos
os aspectos conceituais, técnicos e éticos da
profissão médica, tiveram seu berço na Grécia
com a escola hipocrática. Foi na Grécia que
a medicina deixou de ser mágico-sacerdotal para
apoiar-se na observação clínica e no raciocínio
lógico. O símbolo mítico de Asclépio, o bastão
com uma única serpente, representa a medicina
grega em suas origens e nenhum outro símbolo,
muito menos o caduceu de Hermes, deverá substituí-lo.
Em 1932, S. L.Tyson escreveu
um artigo na revista Scientific Monthly,
no qual dizia que o errôneo símbolo era o
emblema do deus dos ladrões e não do médico
imortal.[7] Em resposta, Garrison voltou
a afirmar que o caduceu fora adotado no Departamento
Médico do exército como símbolo dos não combatentes
e considerou a questão como "uma fútil
controvérsia".[12]
Em material informativo recente
de divulgação pela Internet, do Army Medical
Department, encontra-se a seguinte explicação
para a adoção do caduceu de Hermes como símbolo
da medicina: "Rooted in mythology, the
caduceus has historically been the emblem of
physicians symbolizing knowledge, wisdom, promptness,
and skill." [19]
Parece evidente a confusão
entre Hermes da mitologia grega tradicional
com Hermes Trismegistos, o deus Thot da mitologia
egípcia.
A Associação Médica Americana
manteve o símbolo de Asclépio em seu emblema,
assim como a maioria das sociedades médicas
regionais norte-americanas de caráter científico
ou profissional. De 25 associações médicas estaduais
que utilizam a serpente em seus respectivos
emblemas, 23 usam o bastão de Asclépio. São
elas as dos Estados de Alabama, Califórnia,
Flórida, Geórgia, Idaho, Illinois, Kansas, Kentucky,
Massachussets, Michigan, Mississipi, Missouri,
Nebraska, New Hampshire, New Mexico, New York,
North Dakota, Oklahoma, Oregon, Pennsylvania,
Utah, Wisconsin e Wyoming. O caduceu é usado
pelas associações dos Estados de Maine e West
Virginia.[19]
A Organização Mundial de
Saúde, fundada em 1948, como não poderia deixar
de ser, adotou o símbolo de Asclépio. A Associação
Médica Mundial, reunida em Havana em 1956, adotou
um modelo padronizado do símbolo de Asclépio
para uso dos médicos civis (fig.3).
|
Fig.
3. Emblema adotado pela
Associação Médica Mundial
para uso dos médicos civis;
a serpente tem duas curvaturas
à esquerda e uma à direita
|
As
organizações médicas de caráter profissional
e de âmbito nacional de vários países, que possuem
emblema com serpente, adotam, em sua grande
maioria, o símbolo de Asclépio, a começar pela
Associação Médica Americana, já citada. Entre
as associações que assim procedem citaremos
as do Brasil, Canadá, Costa Rica, Inglaterra,
França, Alemanha, Suécia, Dinamarca, Itália,
Portugal, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia,
países do sudeste asiático, China e Taiwan..[19]
Sociedades de história da
medicina, sociedades científicas de especialidades
médicas, faculdades de medicina, revistas médicas
e até empresas de seguro-saúde como a aliança
Blue Cross-Blue Shield utilizam o símbolo
de Asclépio.
É óbvio que todo símbolo
pode ser estilizado, porém não pode ser substituído
por outro. Como estilizações originais do símbolo
de Asclépio podemos citar os seguintes exemplos:
-
o
da Associação Paulista de Medicina e o da
Academia Brasileira de Medicina Militar,
em que o bastão toma a configuração de uma
espada;
-
o
da Escola Paulista de Medicina, em que o
bastão é o próprio tronco de uma árvore;
-
o
da Sociedade Espanhola de Medicina do Trabalho,
em que o bastão assume a forma de uma chave
inglesacomo instrumento de trabalho.
Algumas poucas organizações médicas de âmbito
nacional utilizam o caduceu de Hermes em seus
emblemas, ou em sua forma original, ou modificado,
tais como as da Korea, Hong Kong e Ilha de Malta.[19]
O caduceu de Hermes, estilizado,
foi também adotado pelo Serviço Médico da Royal
Air Force, da Inglaterra, divergindo do
Serviço Médico do Exército, que mantém seu clássico
emblema com o símbolo de Asclépio desde 1898,
tendo comemorado o seu centenário em 1998.[19]
Variantes do caduceu têm
sido igualmente utilizados, resultantes de duas
alterações introduzidas no modelo original:
a primeira delas consiste em eliminar uma das
serpentes, mantendo as asas, tal como nos emblemas
da American Gastroenterological Association
e da Facoltà di Medicina e Chirurgia de
Florença; a segunda, conservando as duas serpentes
e eliminando as asas, como nos emblemas da Società
Italiana di Medicina Interna e da empresa
de seguro-saúde Golden Cross.
Nos Estados Unidos, onde
é mais difundido o caduceu de Hermes como pretenso
símbolo da medicina, o mesmo é usado em algumas
poucas Universidades e sociedades médicas, sendo
mais comum o seu emprego em hospitais e instituições
públicas e privadas ligadas à saúde.
Segundo um levantamento realizado
até 1980, o caduceu é usado principalmente pelas
empresas que vendem serviços médicos ou gerenciam
planos de saúde naquele país, chegando a 76%
de quantas utilizam a serpente em seus emblemas.[12]
No dizer de Geelhoed, o caduceu
tornou-se um símbolo condizente com a medicina
atual, se considerarmos que os aspectos econômicos
da saúde tornaram-se mais importantes que os
seus aspectos humanos.[10] Com a intermediação
dos serviços médicos por empresas de fins lucrativos,
a medicina tornou-se objeto de comércio por
parte de terceiros. O médico passou a ser apenas
um prestador de serviços e o paciente
um consumidor, sujeitos ambos a normas
contratuais previamente estabelecidas. Neste
sentido, estaria justificado o uso, por essas
empresas, do caduceu de Hermes, símbolo do comércio.
Para os que desejarem preservar
os ideais da tradição médica, no entanto, só
há um símbolo aceitável, que é o de Asclépio.
Como sugeriu Tyson, o símbolo
de Hermes poderia ser usado, no máximo, em carros
funerários, já que uma das atribuições de Hermes
era a de conduzir os mortos à sua morada subterrânea.[7]
Fora disso, o caduceu de Hermes, como símbolo
médico, é uma heresia.
No Brasil, prevalece no meio
médico o símbolo de Asclépio. A Associação Médica
Brasileira, assim como as sociedades estaduais
a ela filiadas que possuem emblema com a serpente,
utilizam o símbolo correto do deus da medicina.
Assistimos, porém, a disseminação
do caduceu de Hermes entre nós, através dos
meios de comunicação: televisão, jornais, impressos,
anúncios, adesivos, desenhos em objetos e utensílios
destinados a médicos e estudantes de medicina.
Conforme ressaltou o Prof. Alcino Lázaro da
Silva, "a mídia brasileira, por engano,
por falácia, por má-interpretação, por má-informação
ou por má-fé passou a usar o símbolo do comércio
como ilustração quando se refere a notícias
médicas".[20]
Também os softwares
destinados a hospitais e consultórios médicos,
importados dos Estados Unidos, ou neles inspirados,
muito têm contribuído para a propagação do caduceu,
ao utilizá-lo como identificador de sua destinação.
Lamentavelmente, o caduceu
como símbolo da medicina já pode ser encontrado
em nosso País em revistas e sociedades médicas
de fundação mais recente, e até mesmo em impressos
de algumas universidades.
Cremos ser necessária uma
campanha de esclarecimento, sobretudo nas Faculdades
de Medicina, junto aos estudantes do curso de
graduação, no sentido alertá-los sobre o único
e verdadeiro símbolo da medicina: o bastão de
Asclépio com uma só serpente. O caduceu de Hermes,
símbolo do comércio, deve ser visto como um
símbolo degradante dos nobres ideais da medicina.
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