INTRODUÇÃO
O
atendimento ao indivíduo idoso apresenta características
muito peculiares que, se não bem conhecidas e
respeitadas, podem diminuir bastante a quantidade
de informações obtidas do paciente. É essencial
que se tenha consciência de quais enfermidades
têm maior prevalência na idade avançada e principalmente
da concomitância entre elas, sejam doenças crônicas
adquiridas na juventude, sejam problemas recém-surgidos.
Ao
atender o paciente idoso deve-se ter em mente
alguns princípios básicos e essenciais;
a)
o envelhecimento é um processo biológico diferente
de qualquer doença. Confundi-los é um erro conceitual
grave, que contribui para o conceito popular errôneo,
mas infelizmente, muito difundido de que todo
velho é necessariamente doente. Todos os esforços
devem ser empregados no sentido de diferenciar
o que se deve atribuir a uma doença específica
e o que é conseqüência normal da idade. A grande
dificuldade reside no fato de que freqüentemente
esta distinção é muito complicada para ser feita
e acaba exigindo um bom grau de minuciosidade
na anamnese e no exame físico ou mesmo confirmação
laboratorial;
b)
o envelhecimento exerce efeito importante sobre
os mecanismos fisiológicos, como será oportunamente
visto nos demais capítulos, de forma que o comportamento
orgânico e as manifestações clínicas podem ser
muito diferentes do que se espera habitualmente
para um adulto jovem. As doenças podem se apresentar
de forma diferente e, freqüentemente, bem mais
complicada;
c)
o célebre conceito de que todo quadro clínico
do doente tem explicação por uma única afecção
ou no máximo por um número restrito delas deve
ser visto com prudência no idoso; ao contrário,
deve-se admitir a possibilidade diagnósticos múltiplos
com mais facilidade neste grupo etário, que caracteristicamente
apresenta com freqüência vários diagnósticos associados,
cujas sintomatologias simultâneas podem confundir
o examinador;
d)
queixas numerosas e mal caracterizadas são um
fenômeno muito freqüente nestes indivíduos e a
sua aparente falta de significado pode ser totalmente
falsa. Ao contrário do treinamento acadêmico que
mostra a doença através de exemplos com quadros
clínicos floridos, dificilmente o idoso surge
com uma apresentação clássica. Deixar de levar
em consideração qualquer queixa por ser vaga ou
incaracterística pode induzir o examinador a erros
graves e de conseqüências sérias, especialmente
porque o idoso tem importante redução de suas
reservas funcionais e por ter resposta muito ruim
a uma medida terapêutica pelo simples fato de
ter sido introduzido com atraso;
e)
a farmacologia das drogas, que será abordada em
detalhes no capítulo específico, pode estar muito
modificada no organismo envelhecido, o que torna
obrigatório cuidado muito grande na escolha de
medicamentos a serem administrados e na titulação
da dose ideal.
Conhecer
e respeitar esses princípios torna muito mais
eficiente a propedêutica deste indivíduos, embora
ela esteja também sujeita a limitação pela pouca
capacidade freqüente de comunicação que os doentes
dessa faixa etária apresentam, determinada por
distúrbios auditivos, dificuldades da fala, alterações
mentais etc. As queixas numerosas, advindas de
diversos aparelhos, mesclam eventos que são conseqüência
normal da idade, como por exemplo, presbiopia
ou presbiacusia, com enfermidades reais, podendo
tornar impossível a determinação da origem de
cada uma delas, o que pode acarretar ainda maior
complexidade no trabalho do examinador.
Técnica
de Análise
Para
contornar as dificuldades antes expostas deve-se
adotar algumas atitudes: falar devagar, olhando
para o paciente de forma que a expressão do rosto
e a leitura labial auxiliem a compreensão, principalmente
nos deficientes auditivos; deve-se pronunciar
bem as palavras e estar atento para ruídos ambientais
que interfiram na conversa; não se deve ter escrúpulos
em gesticular ou perguntar se o tom de voz é suficientemente
alto, já que por duas vezes o idoso portador de
surdez sente um certo constrangimento de confessar
sua dificuldade para compreender o que lhe é dito.
Freqüentemente, o próprio paciente não consegue
fornecer dados necessários, situação em que se
deve recorrer a uma terceira pessoa, de preferência
alguém que habitualmente permanece mais tempo
com o examinado.
A
divisão formal da história clínica em queixa e
duração, história da moléstia atual e a seguir
o interrogatório sobre os diversos aparelhos nem
sempre é a forma mais prática de abordar o geronte.
Muitas vezes, é mais produtivo começar diretamente
pelo último para que se consiga obter as informações
de forma mais ordenada e completa. Não é raro,
também, que a queixa principal do paciente não
esteja relacionada ao problema e mereça abordagem
prioritária. Não se pode tampouco omitir a história
medicamentosa pregressa, útil como forma de concluir
a respeito de afecções anteriores ou pela própria
responsável por uma boa parte das queixas. Deve-se
ter em mente, também, que certos medicamentos
são por vezes desconsiderados como tal por idosos
e seus familiares, fazendo com que os itens importantes
não sejam relatados.
SINTOMAS
Dar-se-á
ênfase aqui apenas àqueles sintomas que adquirem
um significado particular com o passar dos anos
ou que se tornam muito mais freqüentes nesta fase
da vida.
FADIGA
A
fadiga é uma queixa extremamente comum no idoso.
Caracteriza-se por incapacidade de mobilizar energia
necessária para as atividades habituais, associada
à necessidade de descansar ou dormir. Ela pode,
até certo ponto, ser considerada como ocorrência
normal do envelhecimento, porém deve-se estar
atento porque pode ser muito sutil o momento em
que passa a ser indicativa de uma doença orgânica
ou psíquica. Deve-se suspeitar da segunda situação
quando a fadiga não se relaciona a atividade física
ou quando o indivíduo já acorda cansado, indisposto,
deprimido e chega até a melhorar durante o dia.
Quando
tem significado patológico, a fadiga pode estar
vinculada a diferentes estados clínicos, como
infecções agudas ou insidiosas, carências nutricionais,
que podem evoluir para quadros de desnutrição
de intensidade e manifestações variadas, presença
de neoplasias, descompensação de doenças cardíacas
artropatias. Nesta última situação, a principal
queixa pode ser a fadiga, como sensação subjetiva
conseqüente à dificuldade de mobilizar as articulações
atingidas (eventualmente esta sensação pode sobrepujar
a dor, que o paciente por vezes pode não referir).
Este sintoma pode surgir também na insuficiência
respiratória; nas enfermidades neuromusculares,
como, por exemplo, miopatias e miastenia; nos
desequilíbrios hidreletrolíticos, como desidratação,
alterações iônicas diversas, alcalose ou acidose;
na insuficiência renal; em doenças endocrinológicas,
como diabetes mellitus, hipotiroidismo,
insuficiência supra-renal etc. Não se pode esquecer
as razões de ordem psicológica, em particular
os quadros depressivos, orgânicos ou reacionais,
aos quais o idoso é particularmente sujeito, como
poderá ser visto com maiores detalhes no capítulo
correspondente.
PERDA
DE PESO
A
perda de peso exige avaliação criteriosa. Sabe-se
que, em decorrência do envelhecimento, ocorrem
alterações na proporção entre o tecido gorduroso
e o tecido muscular no organismo, além da redução
da massa óssea. Entre os 25 e os 50 anos, a curva
ponderal humana costuma apresentar acréscimo de
peso, atribuído ao aumento do tecido gorduroso
que ocorre nessa fase. A partir daí, o peso corpóreo
tende a se reduzir, devido à diminuição de peso
das estruturas ósseas, aliada a uma atrofia global
da musculatura esquelética. Sendo assim, só se
valoriza a perda de peso quando é acentuada e
principalmente quando há grandes perdas em curto
espaço de tempo. Tal situação sugere a presença
de enfermidade específica, como, por exemplo,
neoplasia, quadro infeccioso grave, descompensação
diabética, hipertireoidismo etc.
CEFALÉIA
A
cefaléia é também uma queixa freqüente, cujas
causas no idoso pertencem a um espectro particular
de afecções. A localização da dor pode ser uma
boa indicação de sua etiologia: em região occipital,
é bastante sugestiva de contratura muscular, provocada
por vícios posturais, que levam a estiramento
muscular e ligamentar, ou por espondilartrose
cervical.
Embora
se trate de uma doença in freqüente, vale a pena
citar a cefaléia temporal persistente que ocorre
na artrite de células gigantes, pelo fato de ser
uma afecção característica do idoso. Por outro
lado, a enxaqueca e a cefaléia relacionada às
sinusopatias, bastante comuns em pessoas jovens,
decaem bastante de freqüência no geronte.
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