Tribunal
da Justiça de São Paulo
TACrimSP
- RT-643 - MAIO DE 1989
CRIME
CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
– Desobediência – Descaracterização
– Médico que deixa de atender a requisição
judicial de informações sobre o estado
de saúde de réu em processo crime sob
invocação de sigilo profissional –
Admissibilidade – Requisição que,
no referente a tratamento médico a que está
ou foi submetida determinada pessoa, somente é
permitida à autoridade judiciária cuidando-se
de crimes relacionados com prestação de
socorro médico ou de moléstia de comunicação
compulsória, quando dispensado o sigilo –
Circunstâncias não verificadas na espécie
– Irrelevância de ter o interessado anuído
ao fornecimento se tal anuência não constava
do ofício respectivo, lícito, portanto,
ao facultativo supô-la inexistente – Informes
que, ademais, poderiam ser obtidos através de
inspeção médica na própria
comarca ou em hospital da rede penitenciária
– “Habeas corpus” preventivo concedido,
com determinação de que não seja
requisitado ou instaurado inquérito policial
pelo fato descrito.
Existem
restrições ao poder ou faculdade da autoridade
judiciária de requisitar informações
no que se refere a tratamento médico a que está
ou foi submetida determinada pessoa, seja no pertinente
à espécie de enfermidade, seja quanto
ao diagnóstico ou à terapia aplicada.
O sigilo
profissional a que está sujeito o médico
só pode ser dispensado para fornecimento de informes
ou elementos para instrução de processos
crimes que visem à apuração de
infrações criminais relacionadas com a
prestação de socorro médico ou
moléstia de comunicação compulsória.
Assim,
não caracteriza crime de desobediência
a conduta do facultativo que deixa de atender a requisição
judicial de informações sobre o estado
de saúde de réu em processo crime sob
a invocação de sigilo profissional uma
vez não necessária a providência
à instrução de processo crime,
podendo, ademais, as informações respectivas,
devidamente atualizadas, ser obtidas através
de inspeção médica na própria
comarca ou em hospital da rede penitenciária.
Irrelevante o fato de ter o interessado anuído
ao seu fornecimento se tal anuência não
constava do ofício respectivo, lícito,
portanto, ao médico supô-la inexistente.
HC
180.586-1 – 5.ª C. – j. 17.5.89
– rel. Juiz Walter Swensson.
ACÓRDÃO
– Vistos, relatados e discutidos estes autos de
habeas corpus 180.586-1, da comarca de Ubatuba, em que
é impetrante o Bel. Rui Carlos Machado Alvim,
sendo paciente Maria Elisa Moreira: Acordam, em 5.ª
Câmara do Tribunal de Alçada Criminal,
por votação unânime, conceder a
ordem, com determinação.
O Procurador
do Estado Dr. Rui Carlos Machado Alvim impetrou a presente
ordem de habeas corpus em favor da médica sanitarista
Maria Elisa Moreira.
A paciente
exerce a função de chefe da Seção
Técnica da Unidade Integrada de Saúde
de Taubaté (posto de saúde).
Recebeu
do MM. Juiz da comarca de Ubatuba um oficio solicitando
informações a respeito do estado de saúde
de réu em processo crime tramitando por aquela
comarca e se ele estaria padecendo de Síndrome
da Deficiência Imunológica Adquirida (AIDS
ou SIDA).
Incontinenti, respondeu, alegando a inviabilidade ética
e legal de transmitir-lhe aqueles dados, ponderando
que sua atitude embasava-se em orientação
colhida junto ao Departamento Jurídico do Conselho
Regional de Medicina e em dispositivos do Código
de Ética Médica.
O MM.
Juiz da comarca de Ubatuba reiterou a requisição,
enfatizando tratar-se do réu preso em presídio
comum naquela cidade, ameaçando-a da pena de
desobediência pelo desatendimento.
Respondeu-lhe
a paciente que, por razões de ordem moral, ética
e legal, estava impedida de cumprir o requisitado.
Impetra,
por isso, em favor da paciente o presente habeas corpus
preventivo, por carecer a autoridade coatora de justificação
para requisitar a abertura de inquérito policial
contra o paciente. Pede a concessão de liminar.
Indeferido
o pedido de liminar, foram requisitadas informações
ao MM. Juiz da comarca de Ubatuba.
Prestados
os esclarecimentos requisitados, manifestou-se a d.
Procuradoria-Geral da Justiça pela degeneração
da ordem. É o relatório.
Informou
o MM. Juiz da comarca de Ubatuba que, durante interrogatório
judicial, o acusado Carlos Newton Carvalho de Abreu
Bolina afirmou ser portador do vírus da AIDS
e ter-se submetido a exames médicos no Posto
de Saúde de Taubaté.
Foi,
então, determinado que se oficiasse ao posto
de saúde, para confirmação ou não
da versão oferecida pelo preso.
Posteriormente,
o próprio acusado, através de seu defensor,
requereu fosse reiterado o ofício, e, diante
da inexistência de resposta, nos autos, pediu
que a informação fosse prestada “sob
pena de desobediência”.
Posteriormente,
a paciente oficiou àquele Juízo, explicando
estar impedida de fornecer informações
a respeito por razões de ordem moral, ética
e legal.
Observe-se,
porém, que do ofício expedido a 13.3.89
(fls. 23) pelo Juízo de Direito da comarca de
Ubatuba não constou que a reiteração
da requisição fora provocada por requerimento
do próprio interessado, representando por seu
defensor.
Como
tal circunstância (a da anuência do acusado
ao fornecimento das informações) não
foi comunicada à paciente, é evidente
que não poderá ser levada em consideração
para o desfecho da presente impetração.
É,
pois, de considerar-se que a paciente tinha razões
para supor que a requisição havia sido
feita independentemente da anuência, concordância
ou autorização do interessado.
Colocada
a questão em tais termos, a ordem é de
ser concedida.
É
que existem restrições ao poder ou faculdade
da autoridade judiciária em requisitar informações
no que se refere ao tratamento médico a que está
ou foi submetida determinada pessoa, seja no que se
refere à espécie de enfermidade, seja
quanto ao diagnóstico ou à terapia aplicada.
Tais
informações podem ser requisitadas em
se cuidando de crimes relacionados com a prestação
de socorro médico ou de moléstia de comunicação
compulsória.
Mas,
na hipótese sob exame, as informações
requisitadas não seriam utilizadas para a instrução
de processo criminal, nem para eventual apuração
de infrações penais, mas o foram para
conhecer-se as condições de saúde
de preso recolhido no Presídio de Ubatuba.
Como
se vê, o MM. Juiz de Ubatuba requisitou da médica-chefe
do Posto de Saúde de Taubaté informações
a respeito do que constava naquela unidade sanitária,
relativas a réu recolhido ao Presídio
de Ubatuba.
Para
obtenção do informe desejado bastaria
determinar fosse o preso submetido à inspeção
médica, seja em Ubatuba ou em hospital penitenciário.
Verifica-se,
pois, que não só a providência requisitada
não era necessária à instrução
de processo crime como, também, as informações
a respeito da saúde do preso, devidamente atualizadas,
poderiam ser obtidas através de inspeção
médica na própria comarca de Ubatuba ou
em hospital da rede penitenciária.
O sigilo
profissional a que está sujeito o médico
só pode ser dispensado para fornecimento de informes
ou elementos para instrução de processos
crimes que visem à apuração de
infrações criminais praticadas por médicos,
omissão de socorro ou moléstia de comunicação
compulsória.
Não
sendo nenhuma dessas a hipótese dos autos, estava
a paciente obrigada ao sigilo profissional. Recuando-se,
pois, a quebrá-lo, não cometeu, nem mesmo
em tese, o delito de desobediência.
É,
pois, de conceder-se a ordem para determinar-se que
contra a paciente não seja requisitado ou instaurado
inquérito policial pela prática do fato
descrito na impetração e informações.
Isso
posto, concede-se a ordem impetrada para determinar-se
que contra a paciente Maria Elisa Moreira não
seja requisitado ou instaurado inquérito policial
pelo fato descrito na impetração e nas
informações, remetendo-se cópia
deste acórdão e das informações
de fls. 49-52 ao Dr. Delegado de Polícia de Ubatuba.
Participaram
do julgamento, além do infra-assinado, os Srs.
Juízes Paulo Franco e Heitor Prado. São
Paulo, 17 de maio de 1989 – WALTER SWENSSON, pres.
e relator. |