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Portaria
2.391
Ministério
Implanta Política Perversa em Saúde Mental
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Jornal
do Cremerj - Órgão Informativo do Conselho
Regional de Medicina
do Estado do RJ Ano XIX Nº 189 Junho/06
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Ainda
que a Portaria 2.391, de 26 de dezembro de 2002,
vise “regulamentar” a Lei 10.216,
de 6 de abril de 2001, não é da
competência de um Ministro de Estado regulamentar
leis, pois isto compete ao Presidente da Republica.
Além deste vicio de origem, a Portaria
infringe normas legais e até constitucionais
pois:
1)
A Lei 10.216 determina apenas que as internações
involuntárias sejam com comunicadas ao
Ministério Público (§1°
do artigo 8°) mas não a uma inexistente
Comissão Revisora das Internações
Psiquiátricas, instância sem finalidade,
pois o Ministério Público tem plenos
poderes para se assessorar de modo técnico-científico
para seu desempenho na matéria. Aliás,
o artigo 11 da citada Portaria trata especificamente
dessa possibilidade;
2)
Além disto, a composição
de tal comissão revisora é por demais
estranha: a) o que é um “clínico
geral com habilitação em psiquiatria?
b) como uma comissão formada em sua maioria
por profissionais não médicos, ainda
que sejam da área de saúde mental,
pode decidir sobre internação hospitalar?
Esta determinação contraria o artigo
6° da Lei 10.216;
3)
Por fim, mas não menos importante, a Portaria,
no parágrafo único do artigo 5º,
faz “tabula rasa do sigilo profissional
e da confidenciabilidade, já que em inúmeros
itens expõe a identificação
de vários dados dos pacientes, todos sujeitos
a segredo médico.
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Lúcia
Abelha
De
todos os problemas da reforma que envolvem questões
éticas, com certeza o mais polêmico,
e que perpassa todos os outros, é a internação
involuntária. Esta modalidade de internação,
comum a outras especialidades da medicina, principalmente
em casos de emergência, adquire na psiquiatria
uma feição muitas vezes violenta,
arbitrária e indefensável; outras
vezes se mostra a única alternativa de
proteção ao paciente ou aos que
o rodeiam.
A
autonomia do paciente não pode ser desconsiderada.
A internação forçada fere
essa autonomia na medida em que não respeita
sua vontade. Entretanto, o paciente psicótico
em crise poderia estar tomando decisões
baseado em uma falsa consciência da realidade
e, portanto, impedido de agir autonomamente. Caberia
então ao médico e ao responsável
pelo paciente decidirem, neste momento, a intervenção
adequada e autorizá-la.
Apesar
de tentar proteger os pacientes de possíveis
abusos em relação a internações
desnecessárias, a portaria 2391 apresenta
problemas de exeqüibilidade no que diz respeito
à formação da comissão
revisora de internações, quando
estabelece a necessidade de um representante do
Ministério Público na comissão.
Como as internações involuntárias
têm um prazo de 7 dias para serem revistas
pela comissão estadual, terão que
ser formadas comissões a nível municipal
e, em grandes municípios distritais. Para
que estas comissões efetivamente funcionassem,
de forma responsável, o SUS teria que disponibilizar
profissionais médicos e de áreas
correlatas exclusivamente para esta finalidade.
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Marcos
Gebara
Para
as elites, a “Reforma Psiquiátrica”
já foi feita há muito tempo. A
“desospitalização”
decorreu simplesmente da pressão econômica,
visto que as diárias das clínicas
particulares são dispendiosas e os pacientes
podem continuar seus tratamentos nos consultórios,
desde que medicados adequadamente, incluindo-se
psicoterapias e terapias adicionais, quando
indicadas. O resultado é a reintegração
social, a volta ao trabalho ou ao estudo e o
cuidado das famílias que, recebendo os
pacientes em condições favoráveis,
preferem tê-los em suas casas, custeando
somente a medicação e as consultas.
Mantendo-se o tratamento de forma regular e
ininterrupta, caem muito as chances de recaídas,
elevando-se a “qualidade de vida”.
No
Serviço Público, que atende as classes
mais pobres, constatamos uma realidade inteiramente
oposta. Filas quilométricas nos ambulatórios,
instalações totalmente inadequadas,
hospitais obsoletos e alternativas insuficientes
para os mesmos, falta de medicamentos, nenhum
acesso a modernos recursos tecnológicos,
ações incoordenadas entre as equipes
profissionais, baixo comprometimento como usuário,
desorganização, desperdício
de recursos humanos e financeiros e muitas outras
mazelas. O resultado é um alto índice
de recaídas, hospitalizações
repetidas e prolongadas, a rejeição
pelas famílias, a incapacitação
e a cronificação das doenças,
caindo vertiginosamente a “qualidade de
vida”. No final das contas, o custo para
a sociedade vai ser muito mais alto. Não
é possível promover a desospitalização
apenas por decreto.
Quanto
à Portaria em tela, podemos constatar as
boas intenções de quem a escreveu.
No entanto, é mandatório e fundamental
que seja executada com base em critérios
puramente técnicos e não políticos,
pois se os profissionais encarregados de constituir
as comissões revisoras das internações
psiquiátricas involuntárias não
forem altamente qualificados para o exercício
da função, desmoronar-se-á
todo o esforço empreendido. Talvez, antes
de preocupar-se em regulamentar e fiscalizar as
internações, deveriam as autoridades
proporcionar melhores condições
de atendimento no sentido de minimiza-las.
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Ivan
de Araújo Moura Fé, Presidente do
CRM-CE
A
medicina é uma profissão a serviço
da saúde do ser humano e da coletividade,
devendo ser exercida sem qualquer discriminação,
segundo a clássica definição
contida no Código de Ética Medica.
O
tratamento das pessoas acometidas de transtornos
mentais deve ter por princípio básico
o respeito aos direitos humanos, com a adoção
das medidas terapêuticas indispensáveis
à recuperação dos pacientes
e sua participação ativa e harmoniosa
no meio familiar e social.
Ocorre
que, em certos casos, em decorrência da
gravidade do quadro clínico apresentado
surge a necessidade de internar um paciente, ainda
que este não concorde com tal providência.
A impossibilidade de obter o consentimento para
o tratamento cria uma situação excepcional.
Diante de tais circunstâncias, é
compreensível que a sociedade queira estabelecer
mecanismos que assegurem o acompanhamento e o
controle das internações psiquiátricas
involuntárias, com a garantia do tratamento
adequado, mas evitando-se qualquer abuso contra
pacientes.
Tais
mecanismos devem levarem consideração
a dignidade dos doentes assim como dos profissionais
de saúde mental. A criação
da Comissão de Revisão das Internações,
nos termos adotados pelo Conselho Federal de Medicina,
é medida que está em consonância
com os princípios da ética médica
e com a Lei 10.216/2001, que dispõe sobre
a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona
o modelo assistencial em saúde mental.
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