PARECER
JURÍDICO SOBRE A NÃO PRORROGAÇÃO
DA AUTORIZAÇÃO DE INTERNAÇÃO
HOSPITALAR - AIH PELO MÉDICO SUPERVISOR OU AUDITOR
DO SUS.
INTERESSADO:
Hospitais e Clínicas de Psiquiatria filiados
à Federação Brasileira de Hospitais.
ASSUNTO:
Representação assinada por médicos
e diretores técnicos de hospitais e clínicas
de psiquiatria consigna que Médicos da Equipe
de Supervisão ou Auditoria do SUS têm negado,
sem qualquer justificativa técnica, a renovação
da Autorização de Internação
Hospitalar - AIH ensejando alta hospitalar, contrariando
laudo do Médico Assistente fundamentado nas condições
biopsicossociais do paciente portador de transtorno
mental.
QUESTÕES:
Se é defeso aos Médicos Supervisores ou
Auditores do SUS não renovar a Autorização
de Internação Hospitalar - AIH, que permite
a permanência do paciente, ensejando a alta hospitalar
contra-indicada no laudo do Médico Assistente
do paciente que justifica a necessidade de continuação
do tratamento, deve-se o Médico Auditor do SUS
fundamentar o ato que não autorizou a prorrogação
da internação.
FUNDAMENTAÇÃO
Inicialmente,
impõe-se reconhecer que em 09/04/2001 foi publicada
a Lei 10.216/2001, que veio a dispor, especificamente,
sobre a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais, redirecionando o
modelo assistencial em saúde mental.
Em razão
do princípio da especialidade, todo e qualquer
procedimento voltado ao atendimento a pacientes portadores
de transtornos mentais deverá estar em consonância
com a Lei 10.216/2001, que funciona como elemento norteador,
informativo e interpretativo das demais normas que disciplinam
a matéria.
O dispositivo
legal mencionado, estabelece três modalidades
de internação psiquiátrica: voluntária;
involuntária; e compulsória (por determinação
judicial). Em todas as modalidades de internação,
esta deverá ser fundamentada em laudo médico
circunstanciado, nos termos do art. 6º, da Lei
10.216/2001.
O
parágrafo único do Art. 7º e parágrafo
2º do Art. 8º da lei 10.216 de 6 de abril
de 2001 determinam que cabe exclusivamente ao Médico
Assistente responsável pelo tratamento do paciente
dar alta hospitalar dos pacientes internados voluntariamente
ou involuntariamente, nos seguintes termos:
“Art.
7º A pessoa que solicita voluntariamente
sua internação, ou que a consente, deve
assinar, no momento da admissão, uma declaração
de que optou por esse regime de tratamento.
Parágrafo único. O término
da internação voluntária dar-se-á
por solicitação escrita do paciente ou
por determinação do médico assistente.
Art.
8º A internação
voluntária ou involuntária somente será
autorizada por médico devidamente registrado
no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde
se localize o estabelecimento.
§ 1º A internação
psiquiátrica involuntária deverá,
no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao
Ministério Público Estadual pelo responsável
técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido,
devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da
respectiva alta.
§ 2º O término da internação
involuntária dar-se-á por solicitação
escrita do familiar, ou responsável legal, ou
quando estabelecido pelo especialista responsável
pelo tratamento.”
Na internação
voluntária, a alta médica poderá
ocorrer por solicitação escrita do paciente
ou por determinação do médico assistente.
Em caso
de internação involuntária, somente
a solicitação, por escrito, do responsável
legal ou determinação por parte do médico
assistente.
As instituições
hospitalares (hospitais, clínicas, casas de saúde
e outras) para funcionarem em todo território
nacional devem observar o disposto no artigo nº
28 do Decreto Federal nº 20.931 de 1932 que determina
a obrigatoriedade de um médico diretor técnico
ser responsável pelo funcionamento do estabelecimento.
Fica caracterizado, portanto, que a atividade exercida
em hospitais está, totalmente subordinada aos
comandos normativos emanados pelo Conselho Profissional,
na esfera Federal e Estadual, principalmente o Código
de Ética Médica.
A
responsabilidade do Médico Diretor Técnico
de estabelecimento de saúde implica na obrigação
de supervisão e coordenação de
todos os serviços técnicos conforme o
Art. 11 da Resolução CFM nº 997/80
que diz:
“Art.
11 - O Diretor Técnico Médico,
principal responsável pelo funcionamento dos
estabelecimentos de saúde, terá obrigatoriamente
sob sua responsabilidade a supervisão e coordenação
de todos os serviços técnicos do estabelecimento,
que a ele ficam subordinados hierarquicamente.”
O Art. 5º da resolução CFM
nº 1.598/00 que Normatiza o atendimento
médico a pacientes portadores de transtorno mental
atribui ao médico assistente a responsabilidade
pela continuidade dos programas terapêuticos,
nos seguintes termos:
“Art.
5º - Os médicos que
atuam em estabelecimentos de assistência psiquiátrica
são responsáveis pela indicação,
aplicação e continuidade dos programas
terapêuticos e reabilitadores em seu âmbito
de competência. É de competência
exclusiva dos médicos a realização
de diagnósticos médicos, indicação
de conduta terapêutica, as admissões e
altas dos pacientes sob sua responsabilidade.”
O Art. 7º e 8º da resolução
CFM nº 1.614/2001 tratam da auditoria e a vedação
ao Médico Supervisor ou Auditor do SUS de negar
solicitação do Médico Assistente
do paciente, salvo em situação de indiscutível
conveniência quando deve fundamentar por escrito
o fato ao médico assistente, nos seguintes termos:
“Art.
7º - O médico, na função
de auditor, tem o direito de acessar, in loco, toda
a documentação necessária, sendo-lhe
vedada a retirada dos prontuários ou cópias
da instituição, podendo, se necessário,
examinar o paciente, desde que devidamente autorizado
pelo mesmo, quando possível, ou por
seu representante legal.
Parágrafo 1º -
Havendo identificação de indícios
de irregularidades no atendimento do paciente, cuja
comprovação necessite de análise
do prontuário médico, é permitida
a retirada de cópias exclusivamente para fins
de instrução da auditoria.
Parágrafo 2º -
O médico assistente deve ser antecipadamente
cientificado quando da necessidade do exame do paciente,
sendo-lhe facultado estar presente durante o exame.
Parágrafo 3º -
O médico, na função de auditor,
só poderá acompanhar procedimentos no
paciente com autorização do mesmo, ou
representante legal e/ou do seu médico assistente.
Art.
8º - É vedado ao médico,
na função de auditor, autorizar, vetar,
bem como modificar, procedimentos propedêuticos
e/ou terapêuticos solicitados, salvo em situação
de indiscutível conveniência para o paciente,
devendo, neste caso, fundamentar e comunicar por escrito
o fato ao médico assistente.”
A
Resolução CREMERJ nº 182 de 2002
determina que as condutas médicas adotadas pelo
médico responsável pelo paciente devem
ser respeitadas pelo auditor, nos seguintes termos:
“Dispõe
sobre auditoria médica e contestação
de procedimentos médicos (Glosa).
O CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO, no uso das atribuições que lhe
são conferidas pela Lei n. 3.268, de 30 de setembro
de 1957, regulamentada pelo decreto n. 44.0454, de 19
de julho de 1958, e
CONSIDERANDO que o trabalho médico não
pode ser explorado por terceiros com objetivo de lucro,
conforme artigo 10 do Código de Ética
Médica;
CONSIDERANDO que nenhuma disposição estatutária
ou regimental de qualquer instituição
poderá limitar a escolha, por parte do médico
dos meios a serem postos em prática para o estabelecimento
do diagnóstico e para execução
do tratamento do paciente, conforme Artigo 16 do Código
de Ética Médica;
CONSIDERANDO que a relação entre os médicos
deve basear-se no respeito mútuo e na liberdade
profissional visando, sempre, o bem-estar do paciente,
conforme artigo 18 do Código de Ética
Médica;
CONSIDERANDO que é vedado ao médico praticar
ou indicar Atos Médicos desnecessários
ou proibidos pela legislação do País,
conforme Artigo 42 do Código de Ética
Médica;
CONSIDERANDO que é vedado ao médico prescrever
ou realizar procedimentos sem exame direto do paciente,
conforme Artigo 62 do Código de Ética
Médica;
CONSIDERANDO que é vedado ao médico alterar
prescrição ou tratamento de paciente,
salvo em situação de emergência
ou de indiscutível conveniência para o
paciente, devendo comunicar o fato ao médico
responsável, conforme Artigo 81 do Código
de Ética Médica;
CONSIDERANDO que é vedado ao médico deixar
de atuar com absoluta isenção, não
podendo ultrapassar os limites de suas atribuições
e competência, conforme Artigo 118 do Código
de Ética Médica;
CONSIDERANDO que a Autoridade Médica é
caracterizada como Ato Médico por poder interferir
diretamente na investigação e no tratamento
do paciente;
CONSIDERANDO que a preocupação com a redução
dos custos por parte das empresas ou instituições
contratadoras do trabalho médico, não
deve prejudicar a melhor qualidade técnico-ética
da assistência médica dos seus usuários;
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em Sessão
Plenária do Corpo de Conselheiros realizada em
26 de junho de 2002.
RESOLVE:
Art.
1º - A Auditoria Médica,
por se constituir em Ato Médico, só pode
ser executada pelo médico, devidamente registrado
no CREMERJ.
Parágrafo único.
Caso a Auditoria Médica seja realizada por Empresa
de Auditoria, esta deverá estar devidamente registrada
no CREMERJ, sendo o seu Responsável Técnico
o responsável pelos atos realizados.
Art.
2º As condutas médicas adotadas
pelo médico responsável pelo paciente
devem ser respeitadas pelo auditor e, em caso de contestação
resultante de auditoria, os procedimentos deverão
ser discutidos entre o médico responsável
e o auditor.
§ 1º Caso ocorra contestação
do procedimento do médico responsável,
pelo auditor médico, a mesma deverá estar
respaldada por critérios técnicos, sendo
apresentado relatório, assinado e carimbado pelo
auditor médico ao médico responsável,
para ciência, conforme anexo a esta resolução.
§ 2º O mesmo procedimento
será efetuado em caso de contestação,
quanto à requisição de exames complementares
ou de recomendação de transferência
do paciente feita pelo auditor médico.
§ 3º Em caso de alta do paciente
sem tempo hábil para a realização
da auditoria, as contestações, quando
houver, deverão ser feitas, obrigatoriamente,
em conjunto com o médico responsável,
podendo ser anexadas ao prontuário, em relatório
devidamente assinado e carimbado, conforme anexo a esta
resolução.
§ 4º Referindo-se a contestação
a consultas médicas, o médico assistente,
deverá ser cientificado por escrito, sobre o
motivo da contestação, e o médico
por ela responsável.
Art.
3º O auditor médico não
poderá determinar a alta do paciente, contra
a indicação do médico assistente.
Art.
4º Os contratos de credenciamentos
de prestação de serviços médicos
devem respeitar o Código de Ética Médica
e nunca comprometer a boa prática médica,
sendo vedado ao médico contratado submeter-se
a contratos de sua atividade profissional que violem
a boa prática da medicina ou o Código
de Ética Médica.
Art.
5º A Auditoria médica
realizada pelas empresas contratadoras do trabalho médico
deve ser estabelecida de forma continuada nas unidades
contratadas e deve visar, sempre, a melhor prática
da Medicina.
Art.
6º Esta Resolução,
bem como seu anexo, entram em vigor na data de sua publicação,
revogadas as disposições em contrário,
particularmente a Resolução CREMERJ n.
159/2000.”
A
rotina de prorrogação de AIH por auditores
médicos do SUS segue a normatização
preconizada no parágrafo 2º do Art. 2º
da Portaria SAS/MS nº 111, de 3 de abril de 2001,
nos seguintes termos:
“A
autorização para emissão de AIH-5
deverá ser solicitada pelo Diretor Clínico,
mediante laudo médico a cada 30 (trinta) dias,
a ser encaminhada ao órgão Gestor, para
avaliação por especialista na área,
que autorizará ou não, a continuidade
da internação”.
O
processo Consulta Protocolo nº 13.426/02 que aborda
“Questões relativas à Auditoria
Médica - Contestação e Determinação
de Alta, ressalta:
“Entendemos
que é vedado ao médico alterar prescrição
ou tratamento de paciente, salvo em situação
de emergência ou de indiscutível conveniência
para este paciente, devendo comunicar o fato ao médico
responsável, conforme o Artigo 81 do Código
de Ética médica.
Entendemos,
também, que é vedado ao médico
deixar de atuar com absoluta isenção,
não podendo ultrapassar os limites de suas atribuições
e competência (Artigo 118 do Código de
Ética Médica).
Por
absoluta lógica esta Casa considera que a Auditoria
médica é caracterizada como Ato Médico
por poder interferir diretamente na investigação
e no tratamento do paciente e que a preocupação
com a redução dos custos, por parte das
empresas ou instituições contratadoras
do trabalho médico, não pode tirar do
médico tal autonomia”.
A
Secretaria de Direito Econômico do Ministério
da Justiça baixou a portaria nº 7 de 3 de
setembro de 2003, publicada no DOU de 4 de setembro
de 2003, que no seu Art. 1º caracteriza a interrupção
de internação hospitalar como prática
abusiva sujeitas a multas que vão até
R$ 3 milhões de reais, verbis:
“Art.
1º Considerar abusiva, nos termos do
artigo 39, inciso V da Lei nº 8.078, de 11 de setembro
de 1990, a interrupção da internação
hospitalar em leito clínico, cirúrgico
ou em centro de terapia intensiva ou similar, por motivos
alheios às prescrições médicas.
CONCLUSÃO
1.
A lei 10.216 de 6 de abril de 2001 sobrepõe-se
e revoga os termos da portaria SAS/MS nº 111, de
3 de abril de 2001 que trata da rotina de prorrogação
da internação, pois determina a competência
exclusiva da Alta Hospitalar ao Médico Assistente
do paciente;
2.
As Resoluções do Conselho Federal de Medicina
e do CREMERJ indicam o mesmo sentido, exigindo no caso
de contestação da indicação
do médico assistente pelo Médico Auditor
deve apresentar ao Médico Assistente uma justificativa
fundamentada;
3.
A negativa de prorrogação da Autorização
da Internação Hospitalar pelo Médico
Auditor do SUS caracteriza interrupção
da internação hospitalar considerada prática
abusiva pela Secretaria de Defesa Econômica do
Ministério da Justiça, portanto, passível
de denúncia ao Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor, além de ferir o direito fundamental
do paciente à saúde, garantido pela Constituição
da República;
4.
A negativa do Médico Auditor do SUS de autorizar
a prorrogação da Autorização
da Internação Hospitalar, solicitada de
forma fundamentada pelo Médico Assistente, implica
em descumprimento ao que determinam as Resoluções
CREMERJ nº 182 de 2002, CFM nº 1.614/2001,
CFM nº 1.598/00 e ao Artigo 45 do Código
de Ética Médica, sendo, portanto, passível
de apuração de falta ética;
5.
Em razão das responsabilidades ética,
profissional e civil inerentes ao exercício da
medicina e, em especial, o cuidado ministrado a pacientes
portadores de transtorno mental, aos quais o Poder Legislativo
pretendeu, inclusive, dar atenção especial,
entendemos ser cabível mandado de segurança
em face do Médico Auditor que, como autoridade
pública, infringir as normas de conduta acima
especificadas.
É
o parecer, em 6 (seis) laudas.
Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 2003.
RAPHAEL
DODD MILITO
ADVOGADO – OAB/RJ 100.949
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