Tribunal
de Justiça de São Paulo
Jurisprudência
Geral Civil - TJSP - RT-771 - Janeiro de 2002 - 89ª
ANO
RESPONSABILIDADE
CIVIL – Hospital – Estabelecimento que se
enquadra como fornecedor de serviço – Responsabilidade
objetiva pelo acidente de consumo que só é
afastada se demonstrar que o defeito inexiste ou o que
a culpa é do consumidor ou de terceiro –
Inteligência do art. 14, § 3.º, da Lei
8.078/90.
Ementa
Oficial: Considerando que o hospital se enquadra na
categoria de fornecedor de serviço, devem ser
consideradas, para o fim de definição
de sua responsabilidade objetiva pelo fato do serviço,
as diretrizes traçadas pelo Código de
Defesa do Consumidor, a saber: de um lado, a aptidão
ou idoneidade do produto ou serviço geram a responsabilidade
pelo chamado vício, caso em que o fornecedor
só arca com as conseqüências jurídicas
do fornecimento de um produto ou de um serviço
imperfeito; de outro lado, a falta de segurança
do produto ou serviço acarreta, por sua vez,
a responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto/serviço
(acidente de consumo), especificamente no que diz respeito
aos danos produzidos, caso em que a imperfeição
do serviço recebe o nome de defeito. Tratando-se
de defeito, a responsabilidade do fornecedor do serviço
é objetiva, só sendo afastada se e quando
demonstrar (e a prova fica a seu cargo) que tendo prestado
o serviço, o defeito inexistiu, ou, então,
que foi do consumidor ou de terceiro a culpa exclusiva
pelo defeito (art. 14, § 3.º, do CDC).
Ap
c/ Rev 70.286-4/6 – 6.ª Câm. –
j. 29.04.1999 – rel. Des. Antonio Carlos Marcato.
ACÓRDÃO
– Vistos, relatados e discutidos estes autos de
ApCiv 70.286-4/6, da Comarca de São Paulo, em
que são apelantes e reciprocamente apelados Hospital
Cristo Rei S/A e Jaconias do Nascimento: Acordam, em
6.ª Câm. de Direito Privado do TJSP, por
v.u., negar provimento aos recursos, de conformidade
com o relatório e voto do relator, que ficam
fazendo parte do acórdão.
O julgamento
teve a participação dos Desembargadores
Mohamed Amaro e Ernani de Paiva.
São
Paulo, 29 de abril de 1999 – ANTONIO CARLOS MARCATO,
pres. e relator, com a seguinte declaração
de voto:
1.
Julgada procedente ação indenizatória
proposta por paciente que sofreu acidente no hospital
réu, com a condenação deste ao
pagamento de pensão mensal vitalícia,
bem como indenização por danos materiais
e morais, mais as verbas da sucumbência, ambas
as partes apelaram.
Conforme
já registrado no relatório, em suas razões
recursais o hospital réu apregoa a incorreção
e a contradição intrínseca do julgamento
ora hostilizado, pois, enquanto o próprio autor
pautou sua pretensão indenizatória na
suposta culpa dele, réu, a r. sentença
veio fundada no reconhecimento de sua responsabilidade
objetiva. E, de qualquer modo, o conjunto probatório
não autorizava a conclusão de que ele,
réu, seja responsável, a qualquer título,
pelo acidente sofrido pelo autor.
Este,
por sua vez, em seu apelo postula a elevação
do quantum fixado a título de indenização
moral, requerendo valor correspondente a 1.000 salários
mínimos.
2.
Segundo consta da petição inicial, em
09.04.1991 o autor foi internado na UTI do hospital
réu, com diagnóstico de insuficiência
coronária aguda. No dia 16 daquele mês
foi-lhe aplicada uma injeção no braço
esquerdo, passando ele a sentir, imediatamente após
a aplicação, dor e inchaço naquele
membro; não obstante, teve alta hospitalar no
dia 29 e, reinternado no dia 7 de maio com gangrena
manifesta na mão e no antebraço esquerdos,
veio a sofrer amputação no dia 11.
Em
conseqüência, passou a sofrer uma série
de reveses (separação conjugal, desemprego),
razão pela qual postulou em juízo a condenação
da ré ao pagamento de indenizações
por danos materiais e morais, argumentando com a responsabilidade
contratual e extracontratual do hospital réu.
Ofertada
contestação e apresentados laudos inconclusivos
quanto ao nexo causal entre a aplicação
da injeção contendo o anticoagulante Liquemine
e a lesão que evoluiu para gangrena, o réu
posteriormente trouxe aos autos a informação
de que o Laboratório Roche, fabricante do medicamento
mencionado, havia constatado que o mesmo poderia acarretar,
em raras ocasiões, os sintomas e as seqüelas
sofridos pelo autor.
Encerrada
a instrução, sobreveio a r. sentença
ora hostilizada, reconhecendo a responsabilidade civil
do réu e condenando-o ao pagamento das verbas
ora questionadas pelas partes.
3.
A situação reconstituída nos autos
caracteriza fato do serviço, também denominado
acidente de consumo, pois está relacionada diretamente
à segurança fornecida pelo hospital réu.
No
que se refere à responsabilidade do fornecedor
de serviço (e o hospital enquadra-se, sem dúvida
alguma, nessa categoria), o Código de Defesa
do Consumidor apresenta uma clara divisão: de
um lado, a aptidão ou idoneidade do produto ou
do serviço geram a responsabilidade pelo chamado
vício, caso em que o fornecedor só arca
com as conseqüências jurídicas do
fornecimento de um produto ou de um serviço imperfeito;
a falta de segurança do produto ou serviço
acarreta, por outro lado, a responsabilidade do fornecedor
pelo fato do produto/serviço (acidente de consumo),
especificamente no que diz respeito aos danos produzidos,
caso em que a imperfeição do serviço
recebe o nome de defeito.
Tratando-se
de defeito, a responsabilidade do fornecedor do serviço
é objetiva, valendo transcrever, pela sua pertinência,
a seguinte observação de Sílvio
Luís Ferreira da Rocha:
“O
Código de Defesa do Consumidor reduziu o rol
dos fatos a serem comprovados pela vítima. A
vítima deve apenas provar o dano e o nexo de
causalidade dentre o dano e o produto defeituoso. Presume-se
o defeito do produto, competindo ao fornecedor o ônus
de provar sua inexistência, ex vi do disposto
no art. 12, § 3.º, II, do citado diploma legal”
(Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato
do produto no direito brasileiro, Ed. RT, 1992,
p. 90).
Volvendo
ao presente caso, é bem de ver que o autor fundou
sua pretensão indenizatória não
apenas na responsabilidade subjetiva do réu (com
lastro na suposta culpa dos médicos que dele
cuidaram), mas também na contratual, objetiva,
revelando-se incontroversa para a demonstração
dessa responsabilidade a circunstância de haver
ele ingressado no hospital sem qualquer problema que
afetasse o seu membro superior esquerdo e ter sofrido,
em conseqüência do serviço prestado
(mais exatamente do defeito do serviço), a amputação
parcial já aludida.
Claro
está que a responsabilidade do ora apelante teria
sido afastada se e quando demonstrasse (e a prova estaria
a seu cargo) que tendo prestado o serviço, o
defeito inexistiu, ou, então, que foi do consumidor
ou de terceiro a culpa exclusiva pelo defeito (art.
14, § 3.º, do CDC). No entanto, apesar de
os laudos periciais serem inconclusivos, o réu
não conseguiu, de um lado, demonstrar a inexistência
do defeito, nada havendo nos autos, de outro, a indicar
a culpa exclusiva do autor ou de terceiro no resultado
lesivo, valendo anotar-se apenas, por pertinente, que
sempre poderá o hospital voltar-se contra o fabricante
e/ou fornecedor do medicamento, pelas vias próprias,
buscando o reembolso do que tiver despendido como a
vítima.
4.
Sabido que a indenização por dano patrimonial
não exclui aquela devida por danos morais –
e sendo ainda indiscutível, à luz dos
incisos V e X do art. 5.º da CF, o direito de a
vítima ver-se indenizada por danos material e
moral, cumulativamente (tal como expresso, por sinal,
no enunciado da Súm. 37 do E. STJ)-, mostra-se
correta a condenação do réu ao
pagamento de indenização a esse último
título, na medida em que a amputação
do antebraço do autor causou-lhe sofrimentos
físicos e morais, afetando sua harmonia psíquica
e até mesmo sua vida conjugal.
Tendo
em vista a condição pessoal do autor e
a gravidade dos danos sofridos, revela-se adequada a
indenização estabelecida pelo ilustre
sentenciante, nada havendo a ser alterado nesse particular.
5.
Ante o exposto, nega-se provimento aos recursos.
|