6
- O MOVIMENTO DA ANTIPSIQUIATRIA NO BRASIL.
A
Primeira Onda da Antipsiquiatria.
Sob
a roupagem da Psiquiatria Social, chegou ao país
na década de 60 e foi absorvido nas normas do
antigo INPS sem, entretanto, expressar restrição
à atuação dos hospitais de psiquiatria
já que os mesmos praticavam uma moderna psiquiatria
com os recursos disponíveis e as colônias
públicas não tinham mais expressão
terapêutica e, esvaziadas, apenas abrigavam os
doentes, sem outra preocupação.
Estas
normas do INPS davam ênfase a atendimento extra-hospitalar,
como realmente deve ser, porque absurdo pensar atender
milhões de doentes mentais somente em hospitais
de psiquiatria já que a imensa maioria necessita
apenas de um bom atendimento ambulatorial.
A
Segunda Onda da Antipsiquiatria.
Foi
denominada de Movimento da Luta Antimanicomial
reforçado pela Declaração
de Caracas que foi elaborada com apoio de uma
organização italiana denominada de “Istituto
Mario Negri” visando, especificamente,
introduzir no Brasil o modelo Basaglia implantado em
Trieste na Itália, a fim de dar sobrevida nos
organismos internacionais de saúde como a OPAS
e a OMS, ao modelo de assistência na comunidade
de doentes mentais graves que na prática se mostrou
altamente ineficaz para estes doentes graves que necessitam
da assistência da psiquiatria hospitalar.
7. A
LEI 10.216 DE 2001 E OS HOSPITAIS DE PSIQUIATRIA
7.1
A PROPOSTA DE EXTINÇÃO DOS HOSPITAIS DE
PSIQUIATRIA.
No ano
de 1989 foi apresentado na Câmara Federal um projeto
de lei nº 3657-A de autoria do deputado Paulo Delgado
propondo explicitamente a extinção dos
hospitais de psiquiatria com justificativa na legislação
italiana idealizada por Franco Basaglia incorporada
na referida Declaração de Caracas que,
posteriormente, a própria OMS não reconheceu
como documento oficial.
7.2
A REJEIÇÃO DO PROJETO DE LEI DE EXTINÇÃO
DOS HOSPITAIS DE PSIQUIATRIA.
O
projeto de lei apresentado em setembro de 1989 foi rapidamente
aprovado, em 14 de dezembro de 1990 quando se discutia
o famoso "orçamento dos anões"
na Câmara dos Deputados, encaminhado para o Senado
Federal passou a ser efetivamente discutido, razão
pela qual o primeiro Relator Senador Bisol chegou a
elaborar um substitutivo que não agradou os antimanicomiais.
Como
a pressão dos professores de psiquiatria, de
psiquiatras, de familiares, de diretores de hospitais
foi enorme pela rejeição do projeto de
lei, e mesmo encastelados na Coordenação
de Saúde Mental do Ministério da Saúde
não conseguiram força suficiente para
se opor à rejeição do projeto,
manobraram e colocaram o projeto na gaveta.
Já
no governo FHC, os antimanicomiais defensores da extinção
dos hospitais sentiram-se mais fortes politicamente
e dentro do próprio Ministério da Saúde
que passou a apoiá-los abertamente, assim trataram
de arrumar um relator médico do partido do governo,
Senador Lúcio Alcântara, para fazer valer
o projeto originário da Câmara Federal.
Apesar
da forte maquinação política a
reação dos que defendiam a rejeição
do projeto de lei foi ainda maior, e em dezembro
de 1995, na Comissão de Assuntos Sociais do Senado
Federal o projeto de lei de Paulo Delgado foi
rejeitado de forma acachapante sendo aprovado o substitutivo
do Senador Lucídio Portela por 23 votos a 4,
depois, em 27 de março de 2001, voltou para a
Câmara Federal quando foi considerado
prejudicado o projeto original devido a aprovação
no plenário da Câmara Federal do substitutivo
do Senado Federal.
7.3
A USURPAÇÃO DA AUTORIA DA LEI 10.216 DE
2001.
Estranhamente,
aprovado o projeto substitutivo do Senado Federal que
tratava dos direitos dos doentes mentais, o
site oficial do Ministério da Saúde e
a TV Câmara passaram a divulgar para todo o país
que tinha sido aprovada a extinção dos
hospitais de psiquiatria situação que
perdura até hoje.
Como
se sabe a propaganda enganosa e mentirosa é crime
e seus responsáveis deveriam ser processados
e, na hipótese, punidos.
O
cotejamento dos textos do projeto de lei de Paulo Delgado
e do substitutivo do Senador Lucídio
Portela contemplado quase na integralidade
na Lei 10.216 de 2001 permite, facilmente, constatar-se
a diferença abissal entre o projeto original
que foi rejeitado e o projeto substitutivo aprovado
pelo Congresso Nacional, pois vejamos:
|
Projeto
de Lei nº 3.657/89
de 1989, autoria Paulo Delgado
|
Lei
10.216 de 2001 |
Ementa |
“Dispõe
sobre a extinção progressiva dos
manicômios e sua substituição
por outros recursos assistenciais e regulamenta
a internação psiquiátrica
compulsória. |
“Dispõe
sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona
o modelo assistencial em saúde mental. |
Artigos |
Art.
1º Fica proibido em todo o território
nacional, a construção de novos
hospitais psiquiátricos públicos
e a contratação ou financiamento,
pelo setor governamental de novos leitos em hospital
psiquiátrico.
§1º Nas regiões onde não
houver estrutura ambulatorial adequada, a implantação
do disposto no caput deste artigo se fará
de maneira gradativa, sem colapso para o atendimento.
§2º Qualquer exceção,
determinada por necessidade regional, deverá
ser objeto da Lei estadual.
|
Art.
1º - Os direitos e a proteção
das pessoas acometidas de transtornos mentais,
de que trata esta Lei, são assegurados
sem qualquer forma de discriminação
quanto à raça, cor, sexo, orientação
sexual, religiosa, opção política,
nacionalidade, idade, família, recursos
econômicos e ao grau de gravidade ou tempo
de evolução de seu transtorno, ou
qualquer outra. |
|
Art.
2º As administrações
regionais de saúde (secretarias estaduais,
comissões regionais e locais, secretarias
municipais) estabelecerão a planificação
necessária para instalação
e funcionamento de recursos não manicomiais
de atendimento, como unidade psiquiátrica
em hospital geral, hospital dia, hospital noite,
centro de atenção, centros de convivência,
pensões e outros, bem como, extinção
dos leitos de característica manicomial.
§1º As administrações
regionais disporão do tempo de 1 (um) ano
a contar da data da aprovação desta
lei para apresentarem às comissões
de saúde do poder legislativo, em seu nível,
um planejamento e programa de implantação
dos novos recursos técnicos de atendimento.
§2º É da competência das
secretarias estaduais coordenarem o processo de
substituição de leitos psiquiátricos
manicomiais em seu nível de atuação
e do Ministério da Saúde ao nível
federal.
§3º As secretarias estaduais constituirão
em seu âmbito, um conselho estadual de reforma
psiquiátrica no qual estejam representados
voluntariamente, os trabalhadores de saúde
mental, os familiares de usuários, o poder
público, a ordem dos advogados e a comunidade
científica, sendo sua função
acompanhar a elaboração dos planos
regionais e municipais da desospitalização
e aprová-los ao cabo de sua finalização.
|
Art.
2º - Nos atendimentos em saúde
mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus
familiares ou responsáveis serão
formalmente cientificados dos direitos enumerados
no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único: São direitos
das pessoas portadoras de transtornos mentais:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema
de saúde, consentâneo às suas
necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no
interesse exclusivo de beneficiar sua saúde,
visando alcançar sua recuperação
pela inserção na família,
no trabalho e na comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso
e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações
prestadas;
V - ter direito à presença médica,
em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade
ou não de sua hospitalização
involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação
disponíveis;
VII - receber o maior número de informações
a respeito de sua doença e de seu tratamento;
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico
pelos meios menos invasivos possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços
comunitários de saúde mental;
|
|
Art.
3º A internação
psiquiátrica compulsória deverá
ser comunicada, pelo médico que a procedeu,
no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, e à
autoridade judiciária local preferentemente
a Defensoria Pública, quando houver.
§1º Define-se como internação
psiquiátrica compulsória aquela
realizada sem o expresso desejo do paciente, em
qualquer tipo de serviço de saúde,
sendo responsabilidade do médico autor
da internação sua caracterização
enquanto tal.
§2º Compete ao defensor público
(outra autoridade judiciária designada)
ouvir o paciente, médicos e equipe técnica
de serviços, familiares e quem mais julgar
conveniente e emitir parecer em 24 (vinte e quatro)
horas sobre a legalidade da internação.
§3º A defensoria pública (ou
autoridade judiciária que a substitua)
procederá a auditoria periódica
dos estabelecimentos psiquiátricos com
o objetivo de identificar os casos de seqüestro
ilegal e zelar pelos direitos de cidadão
internado.
|
Art.
3º - É responsabilidade do
Estado o desenvolvimento da política de
saúde mental, a assistência e a promoção
de ações de saúde aos portadores
de transtornos psíquicos, com a devida
participação da sociedade e da família,
a qual será prestada em estabelecimento
de saúde mental, assim entendidas as instituições
ou unidades que ofereçam assistência
em saúde aos portadores de transtornos
mentais . |
|
Art.
4º Esta lei entra em vigor na data
de sua publicação. |
Art.
4º - A internação,
em qualquer de suas modalidades, só será
indicada quando os recursos extra-hospitalares
se mostrarem insuficientes.
§1º - O tratamento visará, como
finalidade permanente, a reinserção
social do paciente em seu meio.
§2º- O tratamento em regime de internação
será estruturado de forma a oferecer assistência
integral à pessoa portadora de transtornos
psíquicos, incluindo serviços médicos,
de assistência social, psicológicos,
ocupacionais, de lazer, e outros.
§3º - É vedada a internação
de pacientes portadores de transtornos mentais
em instituições com características
asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos
mencionados no § 2º e que não
asseguram aos pacientes os direitos enumerados
no parágrafo único do art. 2º. |
|
Art.
5º Revogam-se as disposições
em contrário, especialmente, aquelas constantes
do decreto n.º 24.559, de 3 de julho de 1934.” |
Art.
5º - O paciente há longo
tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize
situação de grave dependência
institucional, decorrente de seu quadro clínico
ou de ausência de suporte social, será
objeto de política específica de
alta planejada e reabilitação psicossocial
assistida, sob responsabilidade da autoridade
sanitária competente e supervisão
de instância a ser definida pelo Poder Executivo,
assegurada a continuidade do tratamento quando
necessário. |
|
- |
Art.
6º - A internação
psiquiátrica somente será realizada
mediante laudo médico circunstanciado que
caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados
os seguintes tipos de internação
psiquiátrica:
I - internação voluntária:
aquela que se dá com o consentimento do
usuário;
II - internação involuntária:
aquela que se dá sem o consentimento do
usuário e a pedido de terceiro;
III - internação compulsória:
aquela determinada pela Justiça.
|
|
- |
Art.
7º - A pessoa que solicita voluntariamente
sua internação, ou que a consente,
deve assinar, no momento da admissão, uma
declaração de que optou por esse
regime de tratamento.
Parágrafo único. O término
da internação voluntária
dar-se-á por solicitação
escrita do paciente ou por determinação
do médico assistente. |
|
- |
Art.
8º - A internação
voluntária ou involuntária somente
será autorizada por médico devidamente
registrado no Conselho Regional de Medicina -
CRM do Estado onde se localize o estabelecimento.
§ 1º- A internação
psiquiátrica involuntária deverá,
no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada
ao Ministério Público Estadual pelo
responsável técnico do estabelecimento
no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento
ser adotado quando da respectiva alta.
§ 2º- O término da internação
involuntária dar-se-á por solicitação
escrita do familiar, ou responsável legal,
ou quando estabelecido pelo especialista responsável
pelo tratamento.
|
|
- |
Art.
9 - A internação compulsória
é determinada, de acordo com a legislação
vigente, pelo juiz competente, que levará
em conta as condições de segurança
do estabelecimento, quanto à salvaguarda
do paciente, dos demais internados e funcionários. |
|
- |
Art.10
- Evasão, transferência, acidente,
intercorrência clínica grave e falecimento
serão comunicados pela direção
do estabelecimento de saúde mental aos
familiares, ou ao representante legal do paciente,
bem como à autoridade sanitária
responsável, no prazo de vinte e quatro
horas da data da ocorrência. |
|
- |
Art.
11
- Pesquisas científicas para fins diagnósticos
ou terapêuticos não poderão
ser realizadas sem o consentimento expresso do
paciente, ou de seu representante legal, e sem
a devida comunicação aos conselhos
profissionais competentes e ao Conselho Nacional
de Saúde. |
|
- |
Art.
12 - O Conselho Nacional de Saúde,
no âmbito de sua atuação,
criará comissão nacional para acompanhar
a implantação desta Lei. |
|
- |
Art.
13 - Esta Lei entra em vigor na data
de sua publicação.
Brasília, 6 de abril de 2001; 180º
da Independência e 113º da República.”
|
Como
se constata, são grandes as diferenças,
na forma e no conteúdo, entre o projeto de lei
que propõe a extinção de manicômios
e a Lei 10.216 de 2001 que trata, fundamentalmente dos
direitos dos doentes mentais.
A
“Justificação” do projeto
de lei é uma pérola que mistura conceitos
e observações equivocadas com graves ofensas
e acusações descabidas e levianas aos
hospitais de psiquiatria e seus médicos psiquiatras,
inclusive, equiparando-os aos torturadores e
seqüestradores. Além disso, mostra
estar inspirado no modelo dos Estados Unidos de cidadania
atribuído aos doentes mentais e no fechamento
dos hospícios públicos italianos idealizado
por Franco Basaglia, pois vejamos:
“O
hospital psiquiátrico já demonstrou ser
recurso inadequado para o atendimento de pacientes com
distúrbios mentais. Seu componente gerador de
doença mostrou ser superior aos benefícios
que possa trazer. Em todo o mundo, a desospitalização
é um processo irreversível, que vem demonstrando
ser o manicômio plenamente substituível
por serviços alternativos mais humanos, menos
estigmatizantes, menos violentos, mais terapêuticos.
A experiência italiana, por exemplo, tem demonstrado
a viabilidade e factibilidade da extinção
dos manicômios, passados apenas dez anos de existência
da “lei Basaglia”. A inexistência
de limites legais para o poder de seqüestro do
dispositivo psiquiátrico é essencial à
sobrevivência do manicômio enquanto estrutura
de coerção. No Brasil, os efeitos danosos
da política de privatização paroxística
da saúde, nos anos 60 e 70, incidiram violentamente
sobre a saúde mental criando um parque manicomial
de quase 100.000 leitos remunerados pelo setor público,
além de cerca de 20.000 leitos estatais. A interrupção
do crescimento desses leitos é imperativa para
o início efetivo de uma nova política,
mas competente, eficaz, ética, de atendimento
aos pacientes com distúrbio mentais.
Apesar
de todas as dificuldades estruturais e políticas,
a rede psiquiátrica pública demonstrou,
a partir do início dos anos 80, ser capaz de
propor e sustentar novos modelos de atendimento em saúde
mental, que levem em conta os direitos e as liberdades
dos pacientes. Todos os planos e políticas, entretanto,
desde o paradigmático “Manual de Serviços”
do antigo INPS, em 1973 de que foi co-autor o Prof.
Luiz Cerqueira, pioneiro na luta antimanicomial, não
têm feito outra coisa senão “disciplinar”
e “controlar” a irrefreável e poderosa
rede de manicômios privados, impedindo, de fato,
a formulação para a rede pública,
de planos assistenciais mais modernos e eficientes.
Propõe-se
aqui o fim desse processo de expansão, que os
mecanismos burocráticos e regulamentos não
lograram obter, e a construção gradual,
racional, democrática, científica de novas
alternativas assistenciais. O espírito gradualista
da lei previne qualquer fantasioso “colapso”
do atendimento à loucura, e permite à
autoridade pública, ouvida a sociedade, construir
racional e cotidianamente um novo dispositivo de atenção.
A
problemática da liberdade é central para
o atendimento em saúde mental. Em vários
países (nos Estados Unidos exemplarmente),
a instância judiciária intervém
sistematicamente cerceando o poder de seqüestro
de psiquiatra. No Brasil, da cidadania menos
que regulada, a maioria absoluta das mais 600.000 internações
anuais são anônimas, silenciosas, noturnas,
violentas, na calada obediência dos pacientes.
A defensoria pública, que vem estando instalada
em todas as comarcas deverá assumir a responsabilidade
de investigar sistematicamente a legitimidade
da internação - seqüestro,
e o respeito aos direitos do cidadão internado.
A
questão psiquiátrica é complexa,
por suas interfaces com a Justiça e o Direito,
com a Cultura, com a Filosofia, com a Liberdade. Se
considerarmos toda a complexidade do problema, esta
é uma lei cautelosa, quase conservadora. O que
ela pretende é melhorar - da única forma
possível - o atendimento psiquiátrico
à população que depende do Estado
para cuidar de sua saúde, e proteger, em parte,
os direitos civis daqueles que, por serem loucos
ou doentes mentais, não deixaram de ser cidadãos.
Sala das Sessões, setembro de 1989.
Deputado Paulo Delgado.”
Como
se pode extrair da justificação, a política
de saúde mental dos Antimanicomiais é
inspirada no considerado “exemplar” modelo
de cidadania para os doentes mentais dos Estados Unidos
da América e na reforma italiana de Basaglia.
O
presidente da Associação Mundial
de Psiquiatria, Professor Costa e Silva, quando
o projeto de lei nº 3.657/89 chegou ao Senado Federal
sob o nº 0008/91, em carta encaminhada a todos
os Senadores tratou de denunciar os equívocos
do projeto e sugeriu que se elaborasse “uma
lei que respeite as diretrizes da moderna política
da assistência psiquiátrica, com fundamentos
técnicos e científicos”,
vejamos:
“Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1991.
Exmo Sr. Darcy Ribeiro
Gostaria de expor as razões pelas quais me posiciono
contra o texto do projeto lei 0008/91.
Atenciosamente,
Prof. Dr. Jorge Alberto Costa e Silva
Presidente
Associação Mundial de Psiquiatria
Considerações
1. Considerando que a situação da assistência
psiquiátrica brasileira é bastante precária
e que poderá se tornar caótica com a implantação
inadequada para a assistência aos enfermos mentais.
2. Considerando que a assistência psiquiátrica
está necessitando de uma revisão, mas
baseada em fundamentos exclusivamente científicos,
técnicos, e não político-partidários
ou de interesse de grupos particulares.
3. Considerando que o projeto de lei em pauta irá
inibir e tutelar a ação do psiquiatra
e da psiquiatria.
4.Considerando que o psiquiatra não é
o carcereiro do doente mental (Henry Ey), e sim como
afirmou o mestre brasileiro, Ulysses Pernambucano, o
Curador natural do doente mental.
5. Considerando que este projeto contraria os princípios
técnicos e científicos que norteiam a
prática psiquiátrica observados no mundo.
6. Considerando que o direito a ser tratado de uma doença
mental deve ser garantido a todos que dela sofram.
7. Considerando que já existe um anteprojeto
de lei elaborado pela comunidade científica e
de saúde mental brasileira no governo anterior,
e que foi ignorado na elaboração do presente
projeto de lei.
8. Considerando a necessidade de um programa educacional
para os profissionais de saúde mental, melhor
se preparem para tratar os doentes mentais.
9. Considerando que o grande inimigo dos doentes mentais
não são os psiquiatras, os profissionais
de saúde mental, e as instituições
psiquiátricas, mas sim a doença mental.
10. Considerando que devemos ter as necessárias
garantias para que o psiquiatra, a psiquiatria, os profissionais
de saúde mental, e os doentes mentais tenham
assegurados o acesso a todas as alternativas para o
tratamento das doenças mentais.
Respeitosamente
sugiro que seja elaborada uma lei que respeite as diretrizes
da moderna política da assistência psiquiátrica,
com fundamentos técnicos e científicos.”
O
projeto de lei que propunha a extinção
dos hospitais foi rejeitado no Senado Federal e substituído
por outro mais adequado aos direitos dos doentes mentais
e a uma reorientação do modelo assistencial,
sem excluir o hospital de psiquiatria.
Entretanto,
falaciosamente, por ocasião da aprovação
e da sansão da lei passou-se a propalar, insistentemente
e inusitadamente, que foi decretada a extinção
dos hospitais de psiquiatria e proibida a internação
de doentes mentais através de uma bem organizada
campanha institucional oficial que difundiu ter sido
aprovada a reforma psiquiátrica do Movimento
da Luta Antimanicomial.
7.4
A MANIPULAÇÃO NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO
DA SAÚDE PARA FAZER VALER O MODELO DO REJEITADO
PROJETO DE LEI DE EXTINÇÃO DOS HOSPITAIS
DE AUTORIA DO DEPUTADO PAULO DELGADO.
Desde
1990 até os dias atuais, os membros (presidente
e ex) do Instituto Franco Basaglia, instalado dentro
do Hospital Federal Pinel, por provável influência
do Deputado Paulo Delgado, integram e chefiam
a Coordenação de Saúde Mental do
Ministério da Saúde visando,
inicialmente, influenciar na aprovação
do projeto de lei de extinção dos hospitais
do Deputado Delgado e, depois, colocar em prática
a política de extinção dos hospitais
de psiquiatria.
Enquanto
se discutia no Senado Federal o projeto de lei que propunha
a extinção dos hospitais, estranhamente,
membros da Coordenação de Saúde
Mental oriundos do Instituto Franco Basaglia tentavam
implantar o início da reforma psiquiátrica.
A
primeira tentativa foi através da portaria nº
224/92 que foi baixada, sem qualquer discussão
com os hospitais de psiquiatria, fazendo novas exigências,
inclusive, acréscimo expressivo de recursos humanos
sem a devida contrapartida do valor de remuneração
da internação em psiquiatria que correspondia
a 8 dolares americanos.
Mas
não alcançaram naquela oportunidade o
objetivo de asfixiar os hospitais de psiquiatria porque
o então Ministro Dr. Adib Jatene, esclarecido
da gravidade da situação, resolveu intervir
e compor um Grupo de Trabalho para apreciar os custos
das exigências formuladas na portaria 224/92.
O
Grupo de Trabalho, constituído pela portaria
SNAS nº 321/92, conseguiu estabelecer que as exigências
fossem implementadas em duas etapas fixando os valores
em Demonstrativo de Custo, a primeira etapa
a Psiquiatria III e a segunda, a partir de setembro
de 1993, a Psiquiatria IV cujo valor correspondia
a aproximadamente 20 dólares americanos.
No
início da gestão do Ministro Adib Jatene
já estavam lá, mas nada conseguiram, posteriormente,
a partir de 1997 fizeram a festa do “Movimento
Antimanicomial Basagliano” dentro do Ministério
da Saúde.
Em
dezembro 1995, o Grupo da Luta Antimanicomial
encastelado dentro do Ministério da Saúde
sofreu uma grande derrota no Senado Federal
com a rejeição do projeto de lei de extinção
dos hospitais. Mas, mesmo assim, permaneceu
na Coordenação de Saúde Mental
do Ministério da Saúde e deste
modo, puderam continuar, utilizando-se a máquina
governamental, maquinando através de portarias
do Ministério da Saúde, impor o modelo
derrotado na discussão democrática.
A
bandeira sensacionalista da acusação
fácil, desde 1995, ganhou espaço na mídia
suficiente para estigmatizar os estabelecimentos hospitalares
rotulando-os, pejorativamente, de manicômios numa
orquestração bem conduzida que não
dá espaço proporcional para as manifestações
e opiniões em contrário.
7.5
AS FALÁCIAS LANÇADAS CONTRA OS HOSPITAIS
PRIVADOS DE PSIQUIATRIA.
A diferença
radical entre o texto do projeto de lei proposto pelo
Deputado Paulo Delgado e o substituto do Senador Lucídio
Portela que se transformou na Lei 10.216/01 não
foi suficiente para barrar as falácias do Movimento
Antimanicomial.
O
discurso preconizado pelo Movimento da Luta
Antimanicomial, que de longa data domina a
burocracia oficial do SUS, é sustentado
com acusações grosseiras, levianas e difamadoras,
entre elas, que os hospitais de psiquiatria cronificam,
torturam e matam e, ainda, constituem a “indústria
da loucura”, que no ano de 2001, por
exemplo, conforme consta no artigo Economia
e loucura do jornalista Cláudio Cordovil,
membro do Instituto Franco Basaglia, publicado na revista
Rumos, consumiram 90% dos gastos com saúde mental
no montante de 449 milhões enquanto que 47 milhões
de reais foram investidos em recursos extra-hospitalares.
A
atual política de saúde mental denominada
Reforma Psiquiátrica centrada no ataque ao hospital
de psiquiatria não tem consonância com
a atual lei e com a modernidade nos países desenvolvidos,
como fica bem claro nos artigos “Godzila Contra-Ataca:
Breve Crônica sobre a Ressurreição
do Tratamento Psiquiátrico Hospitalar na Grã-Bretanha”
e “Doença mental e o enigma da bexiga presa”
do Dr. Luiz Dratcu, Consultant & Senior Lecturer
in Psychiatry Guy’s Hospital – University
of London, que mostram a ineficiência da dicotomia
entre hospital de psiquiatria e tratamento na comunidade.
O
Movimento Antimanicomial, melhor leitura anti-hospital
privado de psiquiatria, consolidou-se dentro do Ministério
da Saúde, principalmente na administração
do economista Serra, recrudescendo os ataques contra
os hospitais de psiquiatria, iniciou, a partir
de 1988, a prática deliberada de preços
vis - NÃO CORREÇÃO DOS PREÇOS
DEFASADOS DA TABELA SIH/SUS, para asfixiar os hospitais
de psiquiatria.
Com
apoio do Conselho Federal de Psicologia que realizou
o Tribunal dos Crimes da Paz para condenar os hospitais
e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara
Federal que compôs, no ano de 2000, a Caravana
Nacional de Direitos Humanos passou a fazer ataques
veementes - UMA PIROTECNIA ANTIMANICOMIAL,
infundada, mas com repercussão na mídia
sempre sensível a escândalos sobre fatos
verdadeiros ou não.
Com
o domínio da saúde mental do Ministério
da Saúde os interesses do Movimento Anti Hospital
Privado de Psiquiatria ficaram fortalecidos com passagens
aéreas, promoções de eventos, sucessivas
e intermináveis reuniões, assim, passou
a hostilizar ainda mais os hospitais de psiquiatria,
inclusive, apoiando a farsa do Tribunal de Crimes
da Paz patrocinada pelo Conselho Federal de Psicologia
que julgou e condenou os hospitais de psiquiatria aos
moldes dos Tribunais da Inquisição, como
também, ofereceu apoio ao filme “Bicho
de Sete Cabeças”.
É
interessante desmistificar as grotescas alegações
e acusações, que são inseridas,
comumente, nos meios de comunicação e
em documentos oficiais, para justificar a chamada reforma
psiquiátrica no país.
a)
Indústria da loucura.
Nos
últimos anos os hospitais de psiquiatria acumularam
prejuízos, mas para efeito de rebater a acusação
leviana poder-se-ia dizer, considerando que a média
de leitos por hospital de psiquiatria fica em torno
de 220 leitos e que, no ano de 1999, o valor da diária
de psiquiatria era de R$ 24,24 obtém-se o faturamento
médio dos hospitais privados com a seguinte fórmula
220 leitos x 30 dias x R$ 24,24 diária paciente
dia, representando o faturamento máximo mensal
de R$ 159.984,00 que para ser alcançado exige,
no mínimo, 100 funcionários e fornecimento
de medicamentos, alimentos e outros insumos básicos
de hospitais.
Ora,
qualquer atividade comercial de porte médio,
como p. exemplo, um posto de gasolina que vende 100.000
litros mês, com número reduzido de empregados,
fatura muito mais que um hospital de psiquiatria com
220 leitos. Outro exemplo esclarecedor pode
ser de estacionamento de automóvel que cobra,
em média R$ 3,00 por hora, portanto, uma estadia
de 12 horas fatura bem mais que uma diária de
24 horas de um paciente internado em hospital de psiquiatria.
b) Modelo Hospitalocêntrico.
Os
antimanicomiais do Ministério da Saúde
alegam que o sistema de saúde mental no país
é HOSPITALOCÊNTRICO porque
o Ministério da Saúde gastou com internação
em psiquiatria, no ano de 1998 a importância de
R$ 444.395.494,00, nos anos subseqüentes importâncias
semelhantes e, no ano de 2001, a importância de
R$ 479.360.210,00 enquanto que com o sistema extra-hospitalar,
substitutivo segundo os antimanicomiais, gastou em 1998
a importância de R$ 37.169.456,00 e no ano de
2001 a importância de R$ 99.880.438,00.
Ocorre
que o gasto com internação em psiquiatria
em hospital é exatamente o apontado nas estatísticas
oficiais enquanto que o gasto ambulatorial - substitutivo
não computou o gasto governamental com os milhares
de profissionais de saúde mental que trabalham
em ambulatórios do SUS (Federal, Estadual e Municipal).
As
informações em Saúde da
DATASUS - Pesquisa Assistência Médico-Sanitária
- Brasil - Recursos Humanos das Unidades Sem Internação,
referente a recursos humanos dos serviços públicos
da administração direta Federal - MS,
Estadual - SES e Municipal - SMS mostram que
8.923 psicólogos e 3.493 psiquiatras num total
de 12.416 profissionais estão lotados em serviços
ambulatoriais do SUS.
Ora,
12.416 profissionais psicólogos e psiquiatras
custam para o Estado - SUS, provavelmente,
a importância de 24 milhões por mês
e no ano R$ 284 milhões acrescente-se assistentes
sociais e auxiliares da administração
direta (MS, SES, SMS) envolvidos com saúde mental,
com certeza, o gasto atingirá mais de R$ 400
milhões anuais que acrescidos dos R$ 99 milhões
pagos anualmente a Vagas em hospital-dia, Oficina Terapêutica,
NAPS/CAPS, Psicodiagnóstico, Terapias em Grupo,
Terapias Individuais, Medicamentos RENAME, Consulta
em Psiquiatria, SRTs, constata-se que se gasta
mais na área ambulatorial que na internação
em psiquiatria.
GASTOS
EM SAÚDE MENTAL NO SUS - ANO 2001
INTERNAÇÃO
EM PSIQUIATRIA |
SISTEMA
AMBULATORIAL
- inclusive o dito substitutivo - |
R$
479 milhões |
R$
499 milhões |
Ainda
há de considerar que o Ministério da Saúde
gasta importâncias vultosas em projetos de capacitação
de profissionais para o modelo NAPS/CAPS, como também,
na contratação de mão de obra profissional
terceirizada para o sistema alternativo - substitutivo
através de organizações não
governamentais como o Instituto Franco Basaglia, cujos
dispêndios não estão sendo contabilizados
como gastos em saúde mental ambulatorial.
Portanto,
está sendo escamoteado da opinião pública
que o gasto com saúde mental consolidado pelo
Ministério da Saúde restringe-se, no âmbito
do SUS, às despesas com HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS
versus CAPS e NAPS, dando a falsa impressão que
se despende muito com hospitais de psiquiatria e pouco
no atendimento extra-hospitalar. Para tal sonega-se
que existem enormes dispêndios, que deveriam estar
computados nas despesas extra-hospitalares.
Sabe-se
que, segundo a OMS-2000, os transtornos mentais
e de comportamento afetam mais de 25% da população
em dada fase da vida. Portanto, absolutamente
incorreto supor que o atual sistema de saúde
pública é hospitalocêntrico quando
existem apenas, aproximadamente, 54.000 leitos de psiquiatria
no país para uma quantidade enorme de doentes
mentais, sabendo-se que só esquizofrenia atinge
1% da população e que destes 1.700.000
habitantes doentes 1/3 não reage satisfatoriamente
à medicação atualmente disponível
podendo necessitar cuidados de hospital de psiquiatria.
c) Os hospitais são cronificadores.
A
própria justificação do projeto
de lei de extinção dos hospitais de psiquiatria
diz que, na época, no país eram realizadas
mais de 600 mil internações por ano em
90 mil leitos, portanto, pelo menos, 510 mil
doentes mentais foram desinstitucionalizados, ou melhor,
tiveram alta hospitalar em cada ano. O fato
consignado evidencia que os hospitais de psiquiatria
contratados pelo SUS são altamente eficientes
e com desempenho bem diferente dos hospícios
públicos italianos onde não existiam altas.
No
ano de 2002, os hospitais de psiquiatria contratados
pelos SUS com 55 mil leitos realizaram 308.264 internações
demonstrando que não são instituições
cronificadoras como se propala e têm eficácia
no tratamento de transtornos mentais ao promoverem 250
mil altas.
Morbidade Hospitalar do SUS - por local de internação
- Brasil
Internações segundo Região
Capítulo CID-10: V. Transtornos mentais
e comportamentais
Período: 2002
Região |
Internações |
Região
Norte |
4.771
|
Região
Nordeste |
72.044
|
Região
Sudeste |
135.641 |
Região
Sul |
67.263
|
Região
Centro-Oeste |
28.545 |
TOTAL |
308.264
|
Fonte:
Ministério da Saúde - Sistema de Informações
Hospitalares do SUS (SIH/SUS)
Como
se constata no resultado da prática assistencial,
os hospitais privados de psiquiatria no país
não tem nenhuma relação com os
tradicionais hospícios, pois praticam uma assistência
adequada em consonância com os avanços
da psiquiatria e tudo aquilo que por proposta de Basaglia
(terapia ocupacional, passeios) já era de longa
data executado pelos hospitais brasileiros, apesar da
grande dificuldade advinda de diárias comprovadamente
insuficientes.
7.6
- A IMAGEM DOS HOSPITAIS DE PSIQUIATRIA E DOS MÉDICOS
PSIQUIATRAS NO PAÍS.
O
Movimento da Luta Antimanicomial, para defender suas
propostas, sempre atacou os hospitais de psiquiatria
e o próprio médico psiquiatra rotulando-os,
numa assombrosa difamação, de
torturadores e até seqüestradores
como, respectivamente, se pode constatar no filme “O
Bicho de 7 Cabeças” e na exposição
de motivos do projeto lei que propunha a extinção
dos hospitais de psiquiatria, tudo repetido
inúmeras vezes pela mídia, com apoio ostensivo
do Ministério da Saúde, dos Conselhos
de Psicologia e de pessoas e grupos interessados em
impor a ideologia.
Desta
forma, a imagem dos hospitais de psiquiatria e dos próprios
psiquiatras foi paulatinamente sofrendo um enorme desgaste
que desvalorizou suas atividades perante os diversos
órgãos públicos e até organizações
privadas.
Apesar
do enorme desgaste, a maioria da população,
quando consultada, entende como imprescindível
o hospital de psiquiatria e em sua defesa encontram-se
os verdadeiros familiares de doentes mentais graves. |