Psiquiatria
Clínica
Apanhado
Geral das Condições Mórbidas
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PELO
Prof.
Dr. Aníbal Silveira («1902
V1979
)
Chefe
de Clínica Psiquiátrica do Hospital de Juqueri,
S. Paulo.
Docente-livre
de Psiquiatria, Universidade de São Paulo
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Faculdade
de Medicina de Jundiaí
Depto
de Neurologia - disciplina de Psiquiatria
Os
aspectos clínicos em Psiquiatria decorrem dos dinamismos
psicológicos. Se não usarmos a psicopatologia que subentende
a patogênese não se pode compreender claramente a divisão
dos vários quadros clínicos em Psiquiatria. Porque a
descrição do quadro em si não é suficiente. Procuramos
mostrar uma classificação baseada no seguinte: se todas
as condições mórbidas que atingem uma esfera da personalidade
apresentam muitos sintomas em comum, de maneira que
apenas pela descrição não se pode chegar a um diagnóstico
adequado. O diagnóstico é fundamental para a orientação
terapêutica. De maneira que a Psiquiatria não baseada
na psicopatologia à luz da patogênese é uma Psiquiatria
falha que não permite a indicação terapêutica adequada
e que pode falhar nesse aspecto fundamental de correção,
pois não considera o dinamismo fundamental do quadro
clínico. De maneira que consideramos a Psiquiatria de
modo um pouco diverso de outros autores porque damos
pouca importância para a descrição, embora a descrição
do quadro seja o ponto de ataque no estudo do paciente,
mas a descrição por si, como técnica, é insuficiente
porque não permite a necessária intervenção em um plano
mais profundo da personalidade. A única orientação que
corresponde ao nosso modo de ver é a de Kleist, que
é por nós adotada. Kleist se distingue dos outros, mesmo
dos construtores da psiquiatria, como Kraepelin, Bleuler
de certa maneira, e outros. Todos eles, a não ser Wernicke,
consideravam apenas o aspecto descritivo, o que deu
uma vantagem enorme a Kleist sobre os demais porque
permite uma visão mais geral e mais estrutural das psicoses.
Recentemente,
Leonhard seguiu em grande parte a linha do pensamento
de Kleist, ainda agora ele utiliza alguns conceitos
de Kleist. Mas, talvez por influência do ambiente, ou
por não ter entendido plenamente a teoria de Kleist,
ele ficou apenas na parte descritiva. A tendência
atual de Leonhard é dar mais ênfase à parte descritiva.
Ele fez uma série de subdivisões que em geral corresponde,
à de Kleist, mas que tem como ponto central o comportamento
clínico do paciente. Os psiquiatras em geral, estão
mais filiados à técnica clássica de descrição dos quadros
clínicos, procurar a etiologia, mas sem aprofundar pelo
estudo da patogênese. Isso torna Leonhard mais próximo
dos psiquiatras clássicos e mais fácil de utilizar que
a teoria de Kleist. Vemos um reflexo disso nos trabalhos
de Fish, na Inglaterra. Esse autor estudou os quadros
clínicos da esquizofrenia segundo Kleist e segundo Leonhard.
Fez um estágio com Leonhard na Alemanha e depois escreveu
um trabalho muito interessante sobre Psicopatologia.
Mas quer nos artigos anteriores, quer nesse livro de
Psicopatologia, vê-se que ele se baseia mais em Leonhard
que em Kleist. Porque é mais fácil. Quando Leonhard
fez o estudo da genética nas doenças mentais, ele chegou
a conclusões muito diferentes daquelas obtidas por autores
que estudaram a genética em psiquiatria – porque se
baseou na divisão genética dos quadros clínicos. Depois,
Leonhard passou mais para uma linha descritiva e não
retomou mais à linha de Kleist. De modo que não há mais
a possibilidade de distinguirmos bem um quadro clínico,
aquilo que corresponde a um quadro clínico geral. O
que corresponde à doença mental ou condição mórbida,
que é um aspecto mais aprofundado, e quais as implicações
genéticas que esse quadro apresenta. Fica, agora, mais
difícil fazer a genética psiquiátrica a partir de Leonhard,
do que quando havia a escola de Kleist que permitia
um estudo mais profundo da psiquiatria e da psicopatologia.
Como
sabem, Kleist utilizou o critério da patogênese, filiando
os distúrbios mentais às alterações estruturais da personalidade.
A
divisão clássica que havia na Psiquiatria desde Kraepelin
foi a divisão das psicoses em ENDÓGENAS e EXÓGENAS,
quanto ao modo em que se desencadeia o quadro clínico.
No grupo das exógenas, o prognóstico seria melhor, uma
vez que o quadro clínico se desencadeia por fatores
perturbadores do ambiente, portanto, anulados esses
fatores, desapareceria também o quadro clínico. Ao passo
que as endógenas aparecem sem nenhuma causa desencadeante,
são interpretadas como mais graves, porque dependem
de condições do indivíduo e que não seriam acessíveis
à modificações feitas pela terapêutica. Na realidade,
logo se viu que isso não corresponde às psicoses em
geral. Porque as psicoses exógenas, que decorrem do
atingimento do sistema nervoso central causam lesões
que, com o tempo, se tornam mais graves, chegando à
demenciação.
As
endógenas seriam, inclusive aquelas consideradas como
irreversíveis como a p.m.d, e outras que apareceriam
por fases e que regrediam totalmente sem deixar nenhuma
seqüela. Portanto, as psicoses que aparecem sem nenhum
fator desencadeante evidente e que se incluem no grupo
das psicoses fásicas, se resolvem sem deixar nenhuma
seqüela. Portanto, esse critério inicial de que as Psicoses
exógenas são benignas porque desaparecendo as causas
desaparece o efeito, ao passo que as endógenas por aparecerem
sem fatores desencadeantes evidentes seriam graves por
que não há meio de interferir – seria falho porque os
dois grupos envolvem psicoses com evolução e com etiologias
diferentes. Nesse caso foi necessário, como Kleist observou
reformular os grupos das Psicoses quanto à gênese. Na
realidade, as Psicoses exógenas correspondem a fatores
perturbadores do ambiente, mas se atingem o organismo
do indivíduo é também uma condição extrínseca ao sistema
nervoso, ao cérebro, ao encéfalo. Logo, embora sendo
exógena em relação ao organismo é também exógena em
relação ao cérebro – quando atinge diretamente o organismo
e apenas secundariamente o sistema nervoso. As formas
endógenas surgem sem nenhum fator desencadeante, mas
essas surgem ou como alteração do ambiente celular,
quer dizer, do sistema nervoso da sustentação, ou como
alteração diretamente ligada como o fator genético.
Então são duas também. No esquema de Luxemburger, que
veremos mais tarde, verificamos as condições mórbidas
– quanto ao aspecto fenotípico, partípico e genotípico.
Nas psicoses endógenas temos desorganização intrínseca
do sistema nervoso dos neurônios, e aquelas que decorrem
do ambiente celular mesmo do sistema nervoso. Portanto,
há uma duplicidade de ação num sentido e no outro. O
ambiente celular que corresponde ao sistema de sustentação
– do sistema nervoso seria a neuróglia os capilares,
a vascularização, etc. Então, Kleist propôs uma tríplice
divisão:
1-
Alógenas.
2-
Somatógenas.
3-
Neurógenas.
As Alógenas
são as que vêm apenas do ambiente exterior, as Somatógenas
são as que vêm do mundo exterior, mas atingem o soma,
o organismo e secundariamente provocam alterações no
sistema nervoso e as Neurógenas são intrinsecamente
ligadas com o sistema nervoso. De modo que as Somatógenas
são aquelas que estão ligadas com o organismo em geral
e com o ambiente celular do sistema nervoso, enquanto
que as Neurógenas são ligadas com o gene, com a contribuição
genética, com o genoma do indivíduo. Isso permite uma
distribuição melhor dos quadros clínicos, quanto, apenas,
à sistematização do estudo, mas quanto ao comportamento
clínico não há uma distinção entre uma psicose alógena
ou somatógena ou neurógena, nem a simples descrição
do quadro clínico nos permite dar seu prognóstico. Decorre,
então, da verificação de como a carga genética do indivíduo
interfere na configuração do sistema nervoso, na estrutura
e no funcionamento e, além disso, na suscetibilidade
maior ou menor do fator tóxico, do fator alógeno. São
elementos diretamente ligados à carga genética. Tal
fato foi verificado não com estudos diretamente ligados
com Kleist, mas com estudos feitos por Von Verschuer.
Esse autor era geneticista e estudou os gêmeos univitelinos
e bivitelinos e verificou que muitas das manifestações
clínicas, da clínica em geral, estão ligadas à carga
genética e não do fator tóxico, ou infeccioso, ou qualquer
outro. Um caso que Von Verschuer cita é o da pneumonia
que pode ter uma evolução de epatização ou pode, como
é comum, resolver-se rapidamente ou pode deixar uma
seqüela. Então, essa moléstia que aparentemente decorre
apenas do fator tóxico que produziu o quadro clínico,
na realidade decorre apenas da suscetibilidade genética.
Na tuberculose isso é mais evidente ainda. Então, da
consideração de psicoses determinadas geneticamente,
temos a parte principal e central da concepção de Kleist.
Seguimos essa concepção porque corresponde melhor ao
modo de interpretar a patologia e, especificamente,
a psiquiatria. Assim, nós vamos ver que um grande número
de psicoses neurógenas decorre por fases, não deixando
nenhuma seqüela e é totalmente reversível. Outras apresentam
surtos que podem levar o indivíduo ao estado demencial
como é o caso das formas progressivas na esquizofrenia,
na acepção de Kleist. E outras que também são determinadas
geneticamente, mas que tem um feitio clínico atípico,
pouco compreensível pelo aspecto descritivo, porque
envolve várias zonas da personalidade. Logo, a concepção
da carga genética nos deve orientar em dois aspectos:
quanto à patogênese geral, isto é, porque motivo
esta ou aquela esfera são atingidas, porque uma mais
que a outra, então seria a delimitação geral do quadro
clínico, pelo aspecto genético, que determina a maneira
como evolui o quadro clínico, também é determinada geneticamente,
e a expressão do quadro clínico que também decorre do
fator patogênico, isto é, das zonas cerebrais que são
atingidas no processo. O fato dessas zonas cerebrais
serem atingidas, não significa que são, necessariamente,
orgânicas, lesionais, mas podem ser apenas funcionalmente
atingidas e também reversíveis. O psiquiatra deve estar,
então, em condições de estabelecer com os dados necessários,
através de uma observação adequada, o tipo clínico,
a hipótese diagnóstica e o prognóstico. Logo, diagnóstico,
na escola de Kleist não decorre da evolução do quadro
clínico – por ex: achar que se trata de uma psicose
progressiva porque o paciente tem 5 anos de doença –
mas no exame do paciente podemos prever o decurso, isto
é, verificar se ele será ou não progressivo. Isto depende
de vários fatores, entre eles, da experiência do clínico
mas, principalmente, da técnica usada no exame do conceito
que se utiliza para estabelecer este exame.
Assim,
se determinarmos, como fez Kleist, o grupo das Psicoses
Neurógenas, em que algumas evoluem de modo reversível
e outras, progressivas, então temos: reversíveis – porque
a carga genética, a maneira como se exprime o genoma
do indivíduo, abrange elementos da patogênese que torna
o caso benigno que remite integralmente. As progressivas
– também determinadas, geneticamente, neurógenas, levam
ao estado demencial em um período de tempo variável,
segundo o caso clínico, e principalmente conforme a
carga genética do indivíduo.
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