Curso
sobre Delírios
Enfoque
atual
Plano de Curso
Curso
Ministrado por ocasião do VI Congresso
Brasileiro de Psiquiatria
e II Reunião Luso-Brasileira de Psiquiatria.
Salvador, agosto/80.
Othon
Bastos
Prof. Docente Livre e Adjunto de
Clínica Psiquiátrica do C.C.S. da
Universidade Federal de Pernambuco
Professor Titular de Psiquiatria da Faculdade
de Ciências Médicas da Universidade
do Estado de Pernambuco.
Resumo
O
autor ministrou, durante o VI Congresso Brasileiro
de Psiquiatria e II Reunião Luso-Brasileira
de Psiquiatria, Bahia, agosto de 1980, um curso
intitulado Delírios: Enfoque Atual, cujas
gravações foram transcritas e posteriormente
revisadas pelo mesmo.
O curso desenvolveu-se em quatro aulas. A primeira,
a respeito da Abordagem Fenomenológica;
a segunda, acerca dos Enfoques analítico-existencial,
psicodinâmico e organodinamista. As duas
restantes versaram sobre Aspectos Trans-históricos
e Transculturais da Atividade Delirante e Terapêutica
do Paciente Delirante.
Unitermos:
delírios*
I – Delírio
Abordagem Fenomenológica
O
tema delírio, à primeira vista,
parecia algo out fashion, totalmente
démodé, mas na realidade,
como diz o mestre Henri Ey, é
o tema central da psicopatologia; o discurso psicótico
por excelência e o ponto máximo de
concreção do pensamento psicótico.
Desta forma, não podemos cogitar do fato
psicopatológico sem que nos detenhamos
na análise do problema do delírio.
Delírio é, de fato, o tema central
da psicopatologia (H. Ey).
Esta importância poderá ser demonstrada
se tomarmos em consideração, por
exemplo, as teses brasileiras, recentes e do passado,
sobre esse assunto. Nos últimos 20 anos,
pelo menos três teses de alguma envergadura
versaram sobre a matéria em foco. O professor
Darcy de Mendonça Uchoa, em 1967,
com Estrutura Psicológica do Delírio
Esquizofrênico, professor E. Portella
Nunes, com Obsessão e Delírio,
Neurose e Psicose, como subtítulo e o professor
M. Chalub em Temas de Psicopatologia,
com Delírios e Lógica. Em 1982,
o Prof. José Leme Lopes publicou
uma importante monografia sob o título:
Delírio – Possibilidade de Tratamento.
Livraria Atheneu (Rio de Janeiro, São Paulo).
E, lembraríamos mais, que o delírio,
por ser o fato central da psicopatologia, recebia
de H. Ey uma ênfase toda especial
em seus cursos, tanto em Saint’Anne, quanto
em Bonneval. E todo o organodinamismo é
baseado exatamente nas correlações
entre o sono, o sonho, o ser consciente e o delírio.
Vamos desenvolver este curso em quatro aulas.
Numa primeira etapa, será feita a abordagem
fenomenológica. A segunda constará
de um enfoque analítico-existencial psicodinâmico
e organodinamista. A terceira versará sobre
os aspectos transculturais e trans-históricos.
E, numa quarta aula, focalizaremos a terapêutica
do paciente delirante.
A propósito da abordagem fenomenológica
do delírio, Klaus Conrad afirmava,
de modo muito pertinente, no prefácio de
seu livro Esquizofrenia Incipiente, que erroneamente
se julgava que em psicopatologia a mina estava
esgotada. Já se havia atingido o cume,
e nada mais poderia ser acrescentado aos trabalhos
das Escolas de Heidelberg. Isto numa
época em que se dizia em tom jocoso que
para se saber psiquiatria teria que se aprender
alemão; ou quem já conhecia alemão,
já sabia psiquiatria. O assunto como que
estaria concluído, encerrado, com os trabalhos
da escola Germânica. Mas, na realidade,
à Escola de Heidelberg muito se
deve, mas muito ainda está por ser visto
e descrito. Por isto, quando tentarmos um enfoque
atual do delírio teremos, dentro desta
visão, que nos preocuparmos quer com os
fundamentos do grupo alemão, quer com os
aspectos novos, pós-heidelberguianos. E
é isto que buscaremos, até um tanto
imodestamente, apresentar neste breve curso.
O primeiro problema, então, será
decidir como devemos considerar o delírio
dentro da psicopatologia fenomenológica.
Do ponto de vista Jaspersiano, o delírio
será um distúrbio da consciência
da realidade e dos juízos. Melhor dizendo,
dos juízos da realidade, uma vez que esta
se constrói a partir dos juízos
que elaboramos sobre ela própria. Portanto,
uma característica básica do fato
delirante é ser exatamente um distúrbio
da consciência da realidade e, conseqüentemente,
dos juízos que efetuamos sobre esta mesma
realidade. Já Kurt Schneider defendia
em seus livros que o delírio seria um distúrbio
do conteúdo do pensamento.
A querela heidelberguiana perdurou por muito tempo.
E, ainda hoje, quem pensa jasperianamente insiste
nas alterações da consciência
da realidade e dos juízos, enquanto que
quem segue Kurt Schneider versa sobre
os distúrbios do conteúdo do pensamento.
Façamos agora algumas considerações
históricas. A primeira delas será
a diferenciação entre delírios
e demência. Guiraud, velho psiquiatra
francês, fazia esta distinção
e mostrava que se o paciente tinha sintomas produtivos,
ele era então chamado de delirante. Se,
ao contrário, ele apresentava sintomas
negativos, ou se encontrava deteriorado, era julgado
demente. Desta forma, durante muito tempo contrapôs-se
a noção de demência àquela
de delírio, e vice-versa. Todavia, isso
foi superado graças à psicologia
fenomenológica de Hegel, de
Husserl e de K. Jaspers; este último,
bastante jovem, aos 23 anos, lançaria,
em 1910, seu estudo sobre o Delírio de
Ciúme. Em 1913, apresentaria ao mundo aquele
monumento que foi exatamente sua Psicopatologia
Geral. Não somente a Jaspers,
como também a Kurt Schneider, a
Gruhle e a Carl Schneider, muito
devemos. E toda esta abordagem fenomenológica
se baseia no fenômeno da compreensão
empática.
O que é, então, Psicologia Fenomenológica?
Se formos definir a Psicologia Fenomenológica,
diremos que a mesma é a apreensão
dos fatos psíquicos, tais como eles se
dão na consciência, considerandos
de acordo com o seu essencial imanente, ou seja,
a apreensão dos dados imediatos da consciência.
Consciência aí entendida no sentido
de consciência reflexa, como um reflexo
subjetivo da realidade objetiva. E este enfoque
fundamentado no esforço de compreensão
empática é totalmente diverso do
approach analítico-existencial
e também do psicodinâmico.
A etimologia da palavra delírio é
simples e fácil. Decompõe-se em
de – desvios e liros – trilha; desvio
de uma trilha, trilha esta que é a realidade.
Desvio, por conseguinte, da consciência
da realidade externa, em contraposição
à realidade interna.
Vamos, agora, focalizar conceitos e características
clínicas dos delírios.
Começaremos com uma das noções
mais antigas que se conhece, que é exatamente
o conceito de Oswald Bunke. Delírio
como erro originado morbidamente e incorrigível.
Reparem bem: erro, portanto, um engano, originado
morbidamente, quer dizer, um erro patológico
e incorrigível. A incorrigibilidade considerada
como algo imanente ao delírio. Assim expunha
Bunke em seu trabalho, e também
assim se pensou durante muito tempo. Era esta
a definição clássica de delírio,
de circulação corrente: “erro
originalmente morbidamente e incorrigível”.
Bleuler acrescentou algo mais. Não
era mais apenas um erro. Seriam representações
falsas. Esta expressão, representações,
não é feliz, e diremos depois o
porquê disto. Contudo, ele dizia que são
representações falsas, que não
procedem de uma insuficiência casual da
lógica, mas de uma necessidade ou tendência
íntima. Tendência esta que Kraepelin
chamou de tendência delirante. Reparem bem,
representações falsas, que não
procedem de uma insuficiência casual da
lógica, mas de uma necessidade ou tendência
íntima e complementava: “não
há necessidades, senão afetivas.”
Portanto, o laço afetivo, o selo afetivo
tornou-se então, presente.
Jaspers foi mais abrangente e procurou
caracterizar o delírio – juízo
falseados patologicamente - , com as seguintes
características: convicção
extraordinária; certeza subjetiva irremovível;
crença inabalável; ininfluenciabilidade
e impossibilidade de conteúdo.
Vamos tentar, pretensiosamente, criticar o conceito
jaspersiano:
1. Juízos falseados patologicamente.
O delírio é um juízo errôneo,
mas nem todo juízo errôneo é
delirante. Por exemplo, as convicções
dos indivíduos fanáticos considerados
isoladamente, em grupo ou em massa; os preconceitos
de ordem religiosa, profissional, política,
de cor, de casta; os estereótipos, as superstições,
crenças e crendices, os mitos e as idéias
prevalentes. Todos esses são exemplos de
juízos falsos, que não são
delirantes.
2. Aspecto – Crença
inabalável. A firmeza dessas crenças
poderá deixar de existir. E, quase sempre,
não existe no início do surto psicótico.
E mesmo em períodos de remissão,
o paciente é capaz de fazer crítica
espontânea ao seu delírio.
3. Aspecto – Impossibilidade de
conteúdo. Há casos, como é
bem sabido, de autêntico delírio,
em que os juízos não só são
possíveis, como são também
verdadeiros. No caso do delírio de ciúme,
a própria pessoa, o ciumento, pode estar
realmente sendo enganado pelo outro cônjuge.
Como dizia De Clerambault e a frase é
felicíssima: plút au ciel, Monsieur,
qu’il suffise d’étre coeu,
pour n’étre point malade! Traduzindo:
“agradece aos céus, senhor, que basta
ser enganado pela esposa para não ser doente.”
Como se bastasse ser burlado pela esposa para
não estar doente. Mas, isto não
basta. As duas coisas podem acontecer simultaneamente.
Além de ser enganado, ele também
pode delirar. E, como vamos distinguir que o juízo,
que é verdadeiro, seja delirante também?
Teremos que caracterizá-lo pelos seus aspectos
formais, e também por sua falta de coerência,
uma vez que um juízo é delirante,
quando é incoerente, ou seja, quando ele
não conserva a coerência dentro de
um sistema de referências. Vou dar um exemplo,
tirado do mestre Henri Ey. Ele mencionava
existir realmente um paciente, conhecido por todos
na pequena cidade de Bonneval, onde residia, que
era, de fato, enganado pela mulher. Mas este tinha
um delírio de ciúmes assim formulado:
“sei que sou traído, porque todo
dia que eu entro em casa, o cuco está dando
5 horas.” Era a hora em que ele voltava
do trabalho, e sendo o cuco um ladrão de
ninhos, então ele julgava ser atraiçoado
pela mulher, e o canto do cuco era a prova delirante
apresentada. Ele nunca a flagrou, embora não
lhe faltassem certezas trazidas pelo cuco, que
eram eminentemente crenças delirantes.
Outro exemplo de um juízo delirante verdadeiro,
o mesmo delírio de ciúme, desta
feita tomado de empréstimo a Portella
Nunes. Ele narra, exatamente, que o paciente
tinha certeza que a mulher o traía, porque
um dia ao chegar em casa, o gato levantou a cauda.
Esta seria uma percepção delirante
primária, que representaria um juízo
patológico delirante. O juízo, portanto,
para ser verdadeiro, tem que ter coerência,
dentro de um sistema de referências. Isto
é fundamental.
4. A ininfluenciabilidade. Nossa
experiência clínica habitual nos
diz que nossos delirantes são ininfluenciáveis.
Às vezes não conseguimos fazer desaparecer
o delírio, mas podemos modificá-los.
Mostrarei na próxima aula a experiência
muito interessante de Milton Rokeach,
sobre os The Three Christs of Ypsilanti,
ou seja, os três Cristos de Ypsilanti.
Relatarei como foi possível trabalhar com
três pessoas diferentes, três delirantes
que se diziam Cristo. Os mesmos foram reunidos
num state hospital e passaram dois anos
juntos em uma experiência por demais curiosa.
Suas crenças delirantes não desapareceram,
mas foram em parte modificadas. Assim sendo, essa
ininfluenciabilidade é falsa. Reparem,
portanto, que dificuldade existe em se definir
delírio. Até a definição
do mestre Jaspers é susceptível
de críticas.
Vamos ver agora as relações entre
o delírio e lógica. Do ponto de
vista da lógica, o delírio é
um juízo falso, impossível e ilógico
ou irracional.
M. Chalub, eu sua tese sobre este assunto,
menciona os vários tipos, ou seja, as quatro
situações em que estão presentes
juízos falsos. Ele lembra a existência
de juízos falsos impossíveis e ilógicos
ou irracionais. Por exemplo: se algum de vocês
aqui se levantasse e dissesse – “eu
sou um selenita” ou “sou habitante
de Marte”, seria um juízo falso,
impossível e ilógico ou irracional.
Mas, se alguém aqui se pusesse de pé
e falasse: “eu já estive na lua”...
o juízo seria falso, impossível
(salvo se ele fosse um astronauta), mas seria
racional. Isto porque no 1º caso o erro é
chamado erro lógico e, no 2º caso,
o erro é chamado gnoseológico. No
1º caso, temos um absurdo, no 2º caso,
uma insensatez.
Existem ainda os juízos falsos possíveis
e improváveis de 2ª categoria. O juízo
falso, nesta condição, já
não é mais impossível, é
possível, porém, é muito
pouco provável. Nas situações
de delírio de relação e nos
delírios sensitivos de auto-referência,
o juízo pode, de fato, ser possível,
embora seja muito pouco provável. Neste
caso, então, nós temos um contra-senso,
e não um absurdo ou mera insensatez.
E ainda temos o caso dos juízos falsos
possíveis e pouco prováveis (improváveis
em 1º grau). Conta-se o exemplo descrito
por Schneider, de uma mulher que levara
uma vida sexual promíscua e que, entre
outras pessoas que partilharam de seu leito, houve
um príncipe. Depois ela teve um filho e
julgava que o mesmo era filho do príncipe.
Trata-se, por conseguinte, de um juízo
falso, possível, pouco provável,
uma “inverdade”. O juízo delirante,
por excelência, é um juízo
falso, impossível e ilógico ou irracional.
Outro item importante é o que diz respeito
à distinção entre delírio
idéia e delírio estado.
O delírio é uma modificação
própria e global de toda a vida e atividade
psíquicas e não apenas um mero elemento
anormal desta vida psíquica. Quando uma
pessoa delira, não se trata de uma simples
alteração de uma função
psíquica, mas de uma mudança global.
Sem o transtorno básico esquizofrênico,
sem a transformação esquizofrênica
da personalidade, não existe o verdadeiro
delírio. Para que haja delírio,
é preciso que se verifique uma transformação
plena. Então o delírio não
é apenas uma idéia, um distúrbio
de ideação, uma idéia falsa,
delirante. Se não ocorresse modificação
global de toda a atividade psíquica, as
vivências alucinatórias dos delirantes
crônicos, ou dos esquizofrênicos delirantes,
teriam para eles o mesmo valor e significado que
as alucinações assumem para os portadores
de delirium tremens e quadros toxiinfecciosos
em geral.
Façamos, agora, a diferenciação
entre Wahn e delirium, Wahn,
delusion ou delusão.
Delirium ou Delir. Delírio com D
maiúsculo ou d minúsculo,
como prefere Henry Ey. No primeiro, há
consciência vígil clara, lucidez
de consciência. No 2º, no delirium,
verifica-se uma turvação da consciência.
Consciência, no sentido de vigilância.
A consciência reflexa está comprometida
no Wahn, enquanto que a consciência
vígil encontra-se perturbada no delirium
(Délir).
Uma segunda noção a ser esclarecida
é a diferença entre delírio
primário e delírio secundário.
É aquilo que Jaspers chama de
Wahnideen e Wahnhafteideen.
Idéia delirante, ou idéia deliróide,
deliriforme. Wahnideen é o delírio
primário. É aquele que surge sem
um estado de ânimo que o justifique e que
apresenta aquilo que Jaspers chamava
de incompreensibilidade psicológica. Não
só incompreensibilidade, como também
inderivabilidade e impenetrabilidade psicológicas.
E Wahnhafteideen é justamente
a idéia deliróide, que deriva de
um estado de ânimo particular. É
o delírio secundário; secundário
a um estado de ânimo, que poderá
ser uma distimia, elação ou depressão,
desconfiança, ou angústia expectante.
A isto que Jaspers chamava de Wahnhafteideen,
quer dizer, idéias deliróides, é
o que Kurt Schneider denominava de reações
deliróides. O delírio primário
será sempre incompreensível patologicamente
para K. Jaspers. O seu Dasein,
o aspecto formal da psicose, será , portanto,
incompreensível, embora o Sosein
torne-se compreensível. O “Estar
aqui”, o “ser-aí” é
incompreensível, embora o “ser assim”
do conteúdo da psicose seja passível
de compreensão, uma vez que o Sosein
é a patoplastia do delírio, e não
sua patogenia. Este é o ponto de vista
da psicologia fenomenológica a respeito.
Para os psicanalistas, porém, todo delírio
será compreensível em função
das motivações e das necessidades
íntimas. Vamos exemplificar para tornar
mais claro. Por que alguém não delira
mais com maçonaria, ou por que se delira
muito pouco atualmente com maçonaria? Por
que hoje se delira muito mais com coisas tecnológicas?
Porque isto diz respeito ao Sosein do
delírio, ao seu conteúdo, à
sua patoplastia. O conteúdo será
sempre compreensível, uma vez que se delira
com as preocupações atuais, o passado
pessoal e a própria vida, ou seja, as experiências
pretéritas e do momento de cada um. Isto
explica a razão pela qual a mocinha do
interior tem seu delírio místico
e a jovem de Copacabana vá delirar com
temas tecnológicos, de preferência.
Mais uma vez referimo-nos ao Sosein e
não ao Dasein do delírio.
Classifiquemos, a seguir, os distúrbios
da consciência da realidade. Eles podem
ser primários ou secundário, segundo
o ponto de vista fenomenológico. Examinemos,
então, as vivências delirantes primárias,
de acordo com o critério jaspersiano. Aliás,
não se pode falar em delírio sem
se referir à pessoa dele. Antes, porém,
de se instalar o delírio, surge o chamado
humor delirante, o Wahnstimrung. Aquela
mudança especial que se verifica no paciente
e que faz com que ele tenha uma consciência
de significado anormal dos fatos e das coisas.
“Algo está mudado; algo está
diferente; algo de novo está surgindo;
algo está no ar!...” Tudo está
mudado!... Esta consciência de significado
anormal, é o que se chama de humor delirante.
O humor delirante precede a eclosão do
delírio. Depois que ele se estrutura, o
mesmo cessa. Esta fase que antecede o surgimento
do delírio corresponde ao grau máximo
de angústia psicótica. Klaus
Conrad apontou quatro fases na esquizofrenia
incipiente e utilizou os seguintes nomes, por
demais invulgares, para designá-los: trema,
apofania, anastrofé e apocalipse. O trema
é aquele estado de tensão peculiar
em que o ator fica antes de entrar em cena e que
o professor experimenta antes de iniciar a aula.
Poderá ser de maior ou menor intensidade.
Esta é uma palavra tirada do argot,
da gíria do teatro. Apofania é a
apresentação do delírio.
É justamente a fase em que existe o humor
delirante, em que há toda uma mudança,
uma transformação. Na vivência
apofânica, que é um “fazer-se
manifesto”, há uma alteração
do mundo e dos objetos, em relação
ao sujeito. Já a anastrofé é
uma mudança no sistema de relações.
É quando o indivíduo passa a se
situar ptolomaicamente, como centro do universo.
Ele é o ponto central do mundo. Tudo gira
em torno dele: o barulho, tudo que se passa ao
seu redor, o zunzum, a polícia, o rádio,
a televisão, o jornal, tudo está
girando em torno dele. Afirma Conrad
que quando há uma vivência apofânica,
quer dizer, quando ocorre uma vivência de
humor delirante, o ser se transforma anastroficamente.
Este passa a se sentir centro de gravitação
do universo. Instala-se, então, uma concepção
ou posição ptolomaica do mundo.
O apocalipse “revelar” ou “manifestar”,
é a fase que corresponde justamente a uma
destruição mais ou menos rápida
do campo situacional em vivências puramente
imaginárias. É a revelação
total do delírio. Não há
mais humor delirante porque as idéias já
tomaram forma e assumiram corpo.
As formações delirantes para Jaspers
são: as percepções delirantes
primárias, as representações
delirantes, as cognições delirantes
e as idéias deliróides. Existe uma
percepção delirante primária,
quando se atribui a uma percepção
normal, um significado anormal, no sentido de
auto-referência. A percepção
no caso existe; ela é a verdadeira, apenas
atribui-se um significado anormal à mesma.
É aquilo que K. Schneider chama
de vivência de dois membros, ou de dois
laços. Um que vai do indivíduo ao
objeto percebido; o outro, do objeto percebido
à significação anormal. Pode
ser auditiva, visual etc. Se algum dos presentes
dissesse que iria abandonar o curso por ter tido
uma revelação de que, de hoje em
diante, deveria fazer a pregação
da “cosmogonia” e da “filosofia
fundamental universal”; e acrescentasse
que nada via, ouvia ou sentira, apenas tivera
uma intuição... Estaríamos,
então, diante de uma convicção
intuitiva, que seria uma vivência de um
só membro, uma vez que o elemento perceptivo
seria como que dispensado. A pessoa deliraria
sem que houvesse existido uma percepção,
sem o elemento sensorial, visual, auditivo ou
olfativo.
Jaspers refere outros elementos da percepção
delirante primária, tais como, incompreensibilidade
psicológica, a irredutibilidade, inderivabilidade
e impenetrabilidade. Afirma que ela tem um caráter
numinoso, de coisa imposta. É algo que
se impõe à consciência do
delirante.
Representações delirantes. Jaspers
fala em representações delirantes
que, por sinal, é um conceito muito criticado.
Para muitos, trata-se de ilusões ou alucinações
da memória. Para outros, seriam cognições
ou ocorrências delirantes. Vamos dar-lhes
um exemplo clássico do próprio Jaspers:
a velha história do paciente que num belo
dia julgou que era descendente do rei Baviera,
pois, quando era menino, assistiu a uma parada
militar, em que o mesmo desfilou e olhou para
sua pessoa de uma maneira muito especial. Claro
que ele não delirou no passado. Mas ele
tomou uma representação, ou seja,
o retorno à consciência de uma imagem
percebida anteriormente, e atribui-lhe um significado
delirante.
Portanto, a representação delirante
é sempre algo retrospectivo, que se refere
a uma experiência do passado. Alguém
também poderia considerar-se nobre, porque
em menino deram-lhe de presente, na primeira comunhão,
um copo de monograma dourado. Aquilo, então,
seria sinal de nobreza. Esta pessoa não
teria delirado aos oito anos de idade, mas, ao
adoecer, na adolescência, ele reelaboraria
sua existência. E nesta reelaboração
delirante incorporaria, também, esta representação
de seu passado.
As cognições delirantes são
convicções intuitivas, certezas
súbitas, revelações imediatas,
intuições puras, atuais. A divindade,
o poder, a beleza de cada um etc., são
intuídos de um momento para o outro.
Kurt Schneider classifica diferentemente
as formações delirantes. Segundo
ele, teríamos as percepções
delirantes primárias e as ocorrências
delirantes. As representações e
cognições delirantes seriam consideradas
meras ocorrências delirantes.
Por outro lado, as Wahnhafteideen seriam
reações delirantes para Schneider
e idéias deliróides para Jaspers.
Seriam aquelas vivências compreensíveis
a partir de um estado de ânimo determinado.
Um indivíduo deprimido, por exemplo, vê
uma vela se apagando e julga que a própria
existência está murchando, desaparecendo.
A pessoa em fase de euforia ou elação
patológica também poderá
perceber a realidade de uma forma delirante, no
sentido de grandeza ou de aumento do próprio
eu. Alguém que estivesse mergulhado em
um estado de desconfiança poderia, em função
desta situação, deste estado de
ânimo, passar a interpretar tudo deste modo.
Temos, ainda, as idéias supervalorizadas,
sobrevaloradas, sobrevalentes ou idéias
errôneas por superestimação
afetiva. As idéias dos fanáticos
servem de exemplo e são também psicologicamente
compreensíveis, ou seja, deliróides.
As interpretações delirantes, porém,
são diferentes, uma vez que são
juízos falsos, possíveis e improváveis,
não-simultâneos ao ato perceptivo.
A percepção delirante é instantânea,
e simultânea ao ato perceptivo. A interpretação,
por sua vez, será elaborada, construída,
a partir daquela percepção, daquilo
que foi percebido. A significação
é secundariamente atribuída ao objeto
percebido, a posteriori, por vezes de
imediato, mas não instantânea e simultaneamente.
A interpretação será sempre
possível, em função deste
lapso de tempo que permitirá sua elaboração.
As idéias de auto-referência que
compõem os delírios sensitivos de
relação de E. Kretschmer,
os delírios das solteironas, dos surdos
e dos masturbadores serão compostos habitualmente
de interpretações delirantes, ao
invés de percepções delirantes
primárias.
Por sua vez, a elaboração ou sistematização
delirantes encarregar-se-ão da produção
dos delírios crônicos, que serão
os delírios fundamentais, por excelência.
E, segundo a escola francesa, eles poderão
ser de estrutura paranóide, parafrênica
ou paranóica.
O delírio crônico é paranóide
quando ele se desgasta ao longo do tempo; empobrece
e surge uma deterioração intelectual
e afetiva no paciente.
É parafrênico quando o indivíduo
mantém os dois mundos, a dupla contabilidade,
o mundo diplópico. O delírio permaneceria
em cidadela sitiada, como dizia De Clérambault.
O doente manteria um pé dentro da realidade
e outro mergulhado em um mundo derreístico.
O delírio paranóico será
aquele que se desenvolverá a partir de
um determinado tipo de personalidade, como uma
forma de hipertrofia dela. Na paranóia,
então, será difícil a demarcação
do início da doença, porque ela
será a vida e a paixão do próprio
paranóico. Por este motivo, a paranóia
é tão rara. De acordo com Jaspers,
a paranóia será um desenvolvimento,
enquanto que a parafrenia e a esquizofrenia paranóide
serão formas processuais. A elaboração
delirante fará com que, a partir de percepções,
cognições ou interpretações,
se estruture um sistema que se tornará
prospectivo e retrospectivo, invadirá o
passado e projetar-se-á no futuro, produzindo
toda uma existência delirante.
As parafrenias são também chamadas
pelos autores franceses de psicose alucinatória
crônica. Kraepelin classificava-as
em sistemáticas, expansiva, fantástica
e confabulatória.
Sistemática , quando o delírio era
estável e estruturado. Fantástica,
quando o tema era mirabolante. Confabulatória,
quando o paciente fabulava au fure et à
mesure, quer dizer, a cada momento, a cada
instante. E expansiva quando existisse um humor
um tanto eufórico. Genil-Perrin
descreveu o fundo constitucional do paranóico.
Segundo este autor, para existir uma paranóia
é preciso que haja uma personalidade própria
e peculiar, constituída dos seguintes traços:
orgulho, quer dizer, hipertrofia do eu, desconfiança,
falsidade dos julgamentos e rigidez psíquica.
Temos visto alguns casos de paranóia. Raros.
Alguns examinamos em perícia forense e
outros acompanhamos, em consultório, ainda
hoje. Todos são sempre reivindicadores,
litigantes, querelantes, todos com este tipo especial
de personalidade.
Quanto à natureza ou substância primordial,
o delírio poderá ser intuitivo,
quando ele se instaura a partir de cognições
ou de ocorrências delirantes. Imaginativo,
quando ele é constituído de fabulações.
É o delírio de imaginação
de Dupré. Poderá ser interpretativo.
É o delírio sensitivo de auto-referência
de Kretschmer, o delírio interpretativo
de Séricux e Capgras
etc.
Sensorial, quando ele é predominantemente
alucinatório.
E onírico; são os delírios
confuso-oníricos de Falret e Régis,
quando verifica-se turvação da consciência.
É o delirium.
Quanto à direção. Quando
o “eu” delira ele entra em choque
com o mundo exterior, isto é, o delírio
é um conflito entre o “eu”
e o mundo externo, entre o “eu” e
a realidade. Então, quando a pessoa delira,
às vezes, o “eu” cresce e transborda.
É o ego inchado, diastólico, inflacionário.
E o delírio é dito centrífugo
ou de sentimentos expansivos. Em outras vezes
o delírio é centrípeto, constrictivo,
de sentimentos dolorosos. É o “eu”
que murcha, é a Ego-sístole, a hipotrofia
do eu, em contraposição a Ego-diástole
do delírio de grandeza.
E a formação intermediária,
a formação de compromisso entre
as tendências expansivas e constrictivas
da personalidade, comporá o delírio
misto, cujo exemplo clássico é persecutório.
Os delírios de ciúme e os de influência
também se situam entre os mistos.
O delírio poderá ser, quanto à
estrutura, sistematizado ou não-sistematizado.
É sistematizado quando ele se ergue, se
organiza e se estrutura, constituindo um sistema
delirante. E este sistema surge a partir da elaboração
ou conversão delirantes, que se encarregam
da produção e do enriquecimento
do delírio.
O não sistematizado é instável
e inconsistente. Pobre em sua estrutura, não
se organiza em sistema e não é estável
no tempo.
Quanto ao curso evolutivo, o delírio poderá
ser agudo, que é o delírio do momento;
o delírio do bouffée delirante,
das psicoses delirantes agudas. O delírio
passa como se fosse um pesadelo, muitas vezes
sem deixar lembranças. É a baforada
delirante, o episódio delirante agudo.
Esquizofrenia aguda, para os autores norte-americanos.
Ou ele poderá ser crônico, sistematizado,
estruturado – é o delírio
da existência ou existência
delirante.
Quanto as modalidades ou temas, eles poderão
ser dolorosos. São os temas hipocondríacos;
de negação de órgãos
(que é célebre delírio de
Cotard com imortalidade dolorosa) de
transformação ou possessão,
de auto-acusação, culpabilidade,
danação e negação
de mundo. Os de auto-acusação, ruína,
culpabilidade e danação pertencem
tipicamente aos melancólicos. Por outro
lado, os sentimentos expansivos ou megalomaníacos
poderão existir no plano físico:
beleza, força, erotomania e imortalidade.
A ilusão delirante de ser amado ou cobiçado
eroticamente é a essência da erotomania.
No plano intelectual, teremos idéias de
grandeza, relacionadas com inteligência,
cultura, invenção e reformas. No
plano social, as idéias megalomaníacas
se referirão à riqueza, poder ou
genealogia ilustre e, no espiritual, dirão
respeito à missão religiosa ou misticismo.
Quanto aos mistos, representam um acordo entre
as tendências expansivas e constrictivas
do “eu”, desde que, ao mesmo tempo
em que o indivíduo sofre a perseguição,
ele é destacado e escolhido como alvo para
ser perseguido. Desta forma, no ato de ser perseguido
estão presentes as tendências egocípetas
e egocífugas do “eu”. Os mistos
englobariam, por conseguinte, os delírios
de prejuízo, perseguição,
influência, reivindicação,
querelância, relação e ciúme.
Ao finalizarmos esta primeira aula, gostaríamos
de repetir algo que se constitui em fato básico,
fundamental da Fenomenologia, ao lembrarmos mais
uma vez que o delírio não é
uma mera alteração de uma função
psíquica isolada, mas uma modificação
própria e global de toda a atividade psíquica.
Se não existir uma transformação
total da personalidade, a exemplo do que se passa
na psicose esquizofrênica, jamais teremos
um verdadeiro delírio. Haverá uma
experiência psicodélica, uma viagem
lisérgica, um quadro confusional ou oniróide,
mas não ocorrerá a verdadeira experiência
delirante.
Summary
During the 6th Psychiatric Brazilian Congress
and the 2nd Psychiatric Luso-Brasilian Meeting,
Bahia, Brazil, August, 1980, the author offered
lectures under the title Delusions: Contemporany
Approach. Afterwards the lecture’s tapes
were written and reviewed bu himself.
The Course was divided em four lectures. The first
one was about the Phenomenological Point of View
of the Delusions: the second about the Analytical
Existencial, Psychodynamical and Organodynamist
Approachs. The remained lessons were concerned
with Delusion’s Transcultural and Transhistorical
Aspects and The Treatment of the Delusional Patient.
Uniterms:
delusions*
Referências
1.
Alonso Fernandez F – Fundamentos de la Psiquiatria
Actual. Editorial Paz Montalvo, Madrid, 2 volumes.
1968.
2. Binswanger L – Case of Ellen West. In:
May R, Angel E & Ellenberger HF – Existence,
Basic Books, New York, p. 232-364, 1958.
3. Bleuler E – Tratado de Psiquiatria. Espasa,
Calpe, Madrid, 1967.
4. Chalub M – Temas de Psicopatologia. Zahar
Editores, Rio de Janeiro, 1977.
5. Conrad K – La Esquizofrenia Incipiente.
Aihambra, Madri, 1963.
6. Ey H – Estudos sobre los Delírios.
Editorial Paz Montalvo, Madrid, 1950.
7. Ey H e cols. – Manuel de Psychiatrie,
Masson. Paris, 1970.
8. Kaplan H Freedman AM & Sadok BJ –
Comprehensive Textbook of Psychiatry. Willians
& Wilkins Co. Maryland, 3rd Edition, Vol.
II, 1980.
9. Freud S – O caso de Schreber. Notas Psicanalíticas
sobre um relato autobiográfico de um caso
de Paranóia (Demência Paranóide).
Edição Standard das obras psicológicas
completas de Freud. Imago Editora Ltda. Rio de
Janeiro. Vol. XII, 1976.
10. Froom F – Psicoterapia Intensiva em
la Esquizofrenia y en los maníaco-depressivos.
Ediciones Hormè: Buenos Aires, 1978.
11. Jaspers K – Psicopatologia General.
Editora Beta. Buenos Aires. 1955.
12. Lucena J – Esquizofrenia e sociedade
contemporânea: conceitos e mudanças
sintomatológicas. Neurobiologia Recife,
39 (supl): 53-67, 1976.
13. Melo Al – Psiquiatria. Atheneu. São
Paulo. Vol. 1. 1970.
14. Paim I – Curso de Psicopatologia. Editorial
Grijalbo Ltda. São Paulo, 1974.
15. Portella Nunes E – Obsessão e
Delírio: Neurose e Psicose. Imago Editora
Ltda. Rio de Janeiro, 1976.
16. Rokeach M – The Three Christs of Ypsilanti.
A Narrative of three Lost Men. A Vintage Book,
New York, 1964.
17. Schneider K – Problemas de Patopsicologia
y de Psiquiatria Clínica. Paz Montalvo,
Madrid, 1947.
18. Schneider K – Psicopatologia Clínica.
Paz Montalvo, Madrid, 1951.
19. Uchoa DM – A estrutura psicológica
do delírio esquizofrênico. Tese.
Faculdade de Medicina da USP, São Paulo,
1962.
Planos de aula
1
– Assunto – Delírio: Enfoque
atual.
2.1
– Conceituar e caracterizar as alterações
da consciência da realidade.
2.2 – Distinguir entre Wahn e Delirium,
delírio primário e delírio
secundário.
2.3 – Estudar os principais distúrbios
da consciência da realidade: vivência
delirantes primárias, vivências deliróides
e idéias delirantes.
2.4 – Expor uma sistemática dos delírios
quanto aos seguintes critérios: matéria,
direção, estrutura, curso evolutivo
e temática.
2.5 – Tecer breves considerações
sobre as abordagens analítico-existencial,
psicodinâmica e organodinamista dos delírios.
2.6 – Focalizar aspectos transculturais
e trans-históricos da atividade delirante.
3
– Estratégias
3.1 – Método – exposição
oral e esquematização.
3.2 – Tempo – 50 minutos.
3.3 – Recursos – uso do quadro-negro.
3.4 – Motivação – o
próprio assunto, recursos e sugestões
para debates.
Desenvolvimento
do assunto
Delírio:
Enfoque Atual
1
– Abordagem fenomenológica –
generalidades – introdução.
1.1 – Delírio como distúrbio
da consciência da realidade e dos juízo
(K. Jaspers). K. Schneider e os distúrbios
do conteúdo do pensamento.
1.2 – Considerações históricas.
A escola de Heidelberg. Etimologia da palavra
delírio.
1.3 – Conceitos clássicos e características
do delírio. O. Bunke, E. Bleuler e K. Jaspers.
1.4 – Críticas aos conceitos.
1.4.1 – Juízos falseados patologicamente.
1.4.2 – Crença inabalável.
1.4.3 – Ininfluenciabilidade.
1.4.4 – Impossibilidade de conteúdo.
1.5 – Delírio e lógica.
1.6 – Delírio idéia e delírio
estado.
2
– Distinção entre delírio
(Wahn, delusão) e Delirium (Délir).
Delírio com D maiúsculo ou minúsculo.
3
– Distinção entre delírio
primário (Wahnideen) e delírio secundário
(Wahnhafteideen). Reações ou idéias
deliróides.
4
– Distúrbios da consciência
da realidade (primários e secundários)
4.1 – Vivências delirantes primárias.
Humor Delirante. Trema. Apofania, anastrofé
e apocalipse de K. Conrad.
4.2 – Formações delirantes
segundo K. Jaspers.
4.2.1 – Percepções delirantes
primárias. Conceito e características.
Comentários e críticas.
4.2.2 – Representações delirantes.
4.2.3 – Cognições delirantes.
4.2.4 – Idéias deliróides.
4.3 – Formações delirantes
de acordo com K. Schneider:
4.3.1 – Percepções delirantes
primárias.
4.3.2 – Ocorrências delirantes. Críticas
às representações delirantes.
4.3.3 – Reações deliróides.
4.4 – Reações ou idéias
deliróides. Compreensibilidade. Idéias
supervalorizadas.
4.5 – As interpretações delirantes.
4.6 – As Idéias Delirantes –
A elaboração ou sistematização
delirantes. Delírios crônicos de
estrutura paranóide, parafrênica
e paranóica. As parafrenias segundo E.
Kraepelin. As psicoses alucinatórias crônicas.
“O fundo constitucional do paranóico”
(Genil-Perrin). Desenvolvimento e Processo (K.
Jaspers).
5
– Sistemática dos delírios.
5.1 – Quanto à natureza ou substância
primordial:
5.1.1 – intuitivos;
5.1.2 – Imaginativos;
5.1.3 – Interpretativos;
5.1.4 – Sensoriais;
5.1.5 – Oníricos.
5.2 – Quanto à direção
ou tropismo:
5.2.1 – Centrípetos (sentimentos
dolorosos).
5.2.2 – Centrífugos (sentimentos
expansivos).
5.2.3 – Mistos.
5.3 – Quanto à estrutura:
5.3.1 – Sistematizados (simples ou complexos);
5.3.2 – Não-sistematizados (simples
ou complexos).
5.4 – Quanto ao curso evolutivo:
5.4.1 – Agudos (“delírio do
momento”, “estar delirante”);
5.4.1.1 – episódicos;
5.4.1.2 – periódicos.
5.4.2 – Crônicos (“delírio
da existência”, “ser delirante”).
5.4.2.1 – estáveis;
5.4.2.2 – progressivos.
5.5 – Quanto às modalidades ou temas:
5.5.1 – Sentimentos dolorosos – hipocondríacos,
negação de órgãos,
transformação (possessão),
auto-acusação, ruína, culpabilidade,
danação e negação
do mundo.
5.5.2 – Sentimentos expansivos:
5.5.2.1 – plano físico – força,
beleza, erótico, imortalidade;
5.5.2.2 – plano intelectual – inteligência,
cultura, invenção, reformas;
5.5.2.3 – plano social – riqueza,
poder, genealogia ilustre;
5.5.2.4 – plano espiritual – missão
religiosa, misticismo.
5.5.3 – Mistos – Prejuízo,
perseguição, influência, reivindicação,
querelância, relação e ciúme.
6
– Abordagem analítico-existencial,
psicodinâmica e organodinamista.
A análise existencial: conceito, histórico
e fundamentos teóricos.
6.1 – M. Heidegger, Soren Kierkegaard, J.P
Sartre, Merleau-Ponty, L. Binswanger, etc.
6.2 – A existência e a essência.
A ontologia existencial e a Daseinsanalyse (análise
existencial).
6.3 – Temas ou categorias da análise
existencial – temporalidade, espacialidade,
projeto existencial, autenticidade, encontro,
liberdade, angústia (Sorge, preocupação)
etc.
6.4 – Noções Básicas
– Dasein, Umwelt, Mitwelt e Eigenwelt.
6.5 – Aplicações clínicas
– as histórias externa e interna
dos pacientes, seus projetos de mundo e patografias.
Modos de existir e de adoecer. “A loucura
como fenômeno biográfico e como doença
mental”. Neuroses e psicoses como novas
formas de existência ou de “ser-no-mundo”.
6.6 – Casuística clínica –
L. Binswanger e os casos Ilse, Ellen West, Jurg
Zund, Lola Voss e Susan Urban. Relatos. A ausência
de maturação de maturação
existencial, a metamorfose global da estrutura
do Dasein, a mundanização e degradação
do Dasein.
6.7 – Delírio como mutação
existencial total (Kunz) ou como inversão
da flecha intencional da consciência (Lopez
Ibor).
7
– Abordagem psicanalítica. Concepção
psicanalítica clássica de neurose
e psicose. As neuroses narcísicas e a regrassão.
7.1 – Freud e o caso D.P. Schreber. O delírio
como tentativa de restituição ou
reconstrução. A importância
dos mecanismos de negação e projeção.
Delírio e homossexualidade. Delírio
como defesa contra a homossexualidade passiva
latente. Tentativas de interpretação.
A frase: “Eu o amo”; as contradições
ao sujeito, ao predicado, ao complemento e os
delírios de ciúme, perseguição,
erotomania e de grandeza.
7.2 – M. Klein e a posição
esquizoparanóide. A importância dos
mecanismos de introjeção, projeção,
repressão e das identificações
projetivas e introjetivas. O tempo e o espaço
originários. A identificação
projetiva, a confusão entre realidade interna
e externa e os distúrbios da consciência
do eu (unidade e identidade). Homossexualidade
como defesa contra ansiedades paranóides.
8
– Enfoque organodinamista
Sonho e delírio. J.J. Moreau de Tours,
H. Ey e o organodinamismo. Lê fou est um
dormeur éveillé (Kant). “O
sonho é uma loucura curta e a loucura,
um longo sonho” (Schopenhauer). Sonho como
loucura virtual de todos os homens.
8.1 – A desestruturação do
campo da consciência e a organização
do mundo delirante. Relações dos
fenômenos sono-sonho com a desorganização
do ser consciente e a liberação
do inconsciente (H, Jackson e H. Ey).
9 – Aspectos transculturais e trans-históricos
da atividade delirante.
As mudanças transculturais e trans-históricas
dos delírios. Variações patoplásticas.
Modificações sincrônicas e
diacrônicas (no espaço sociocultural
e no tempo).
9.1 – Fatores patogênicos e patoplásticos
(Birnbaum). Influências históricas
e socioculturais sobre a patoplastia dos delírios.
O Dasein e o Sosein dos delírios.
9.2 – Mudanças das formas sintomáticas
das psicoses, dos temas e dos conteúdos
delirantes. Poder patoplástico dos fatores
históricos e dos agentes socioculturais.
10
– Variações culturais
Conceito e histórico. E. Kraepelin (1904)
e a psiquiatria comparada (psicoses dos indígenas
de Java X povos da Europa). Estudos atuais.
11
– Mudanças trans-históricas.
Citação de Esquirol (1838): “as
idéias dominantes em cada século
influem poderosamente sobre a freqüência
e o caráter da loucura.”
11.1 – Processos de secularização
e tecnificação do delírio
correspondem a tempos de dessacralização
e tecnocracia. No mundo ocidental contemporâneo,
os espíritos diabólicos, as divindades
e os sentimentos de culpa foram substituídos
pelas correntes elétricas, telegrafia,
RX, radar, radiação atômica,
televisão, satélites, etc.
12
– Semiotécnica – meios de exploração.
Referências:
1.
Alonso – Fernandez F – Fundamentos
de la Psiquiatria Actual. Editorial Paz Montalvo,
Madrid. 2 vol. 1968.
2. Binswanger L – Case of Ellen West. In:
May R, Angel E & Ellenberger HF – Existence,
Basic Books, New York, p. 232-364, 1958.
3. Bleuler E – Tratado de Psiquiatria. Espasa,
Calpe, Madrid, 1967.
4. Chalub M – Temas de Psicopatologia. Zahar
Editores, Rio de Janeiro, 1977.
5. Conrad K – La Esquizofrenia Incipiente.
Aihambra, Madri, 1963.
6. Ey H – Estudos sobre los Delírios.
Editorial Paz Montalvo, Madrid, 1950.
7. Ey H e cols. – Manuel de Psychiatrie,
Masson. Paris, 1970.
8. Freud S – O caso de Schreber. Notas Psicanalíticas
sobre um relato autobiográfico de um caso
de Paranóia (Demência Paranóide).
Edição Standard das obras psicológicas
completas de Freud. Imago Editora Ltda. Rio de
Janeiro. Vol. XII, 1976.
9. Froom F – Psicoterapia Intensiva em la
Esquizofrenia y en los maníaco-depressivos.
Ediciones Hormè: Buenos Aires, 1978.
10. Jaspers K – Psicopatologia General.
Editora Beta. Buenos Aires. 1955.
11. Kaplan HI, Freedman AM and Sadok BJ –
Comprehensive Textbook of Psychiatry, Willams
an Wilkins Co. Maryland, 3ed. Edition, Vol. II,
1980.
12. Lucena J – Esquizofrenia e sociedade
contemporânea: conceitos e mudanças
sintomatológicas. Neurobiologia Recife,
39 (supl): 53-67, 1976.
13. Melo Al – Psiquiatria. Atheneu. São
Paulo. Vol. 1. 1970.
14. Paim I – Curso de Psicopatologia. Editorial
Grijalbo Ltda. São Paulo, 1974.
15. Portella Nunes E – Obsessão e
Delírio: Neurose e Psicose. Imago Editora
Ltda. Rio de Janeiro, 1976.
16. Rokeach M – The Three Christs of Ypsilanti.
A Narrative of three Lost Men. A Vintage Book,
New York, 1964.
17. Schneider K – Problemas de Patopsicologia
y de Psiquiatria Clínica. Paz Montalvo,
Madrid, 1947.
18. Schneider K – Psicopatologia Clínica.
Paz Montalvo, Madrid, 1951.
19. Uchoa DM – A estrutura psicológica
do delírio esquizofrênico. Tese.
Faculdade de Medicina da USP, São Paulo,
1962.
Artigo
retirado do Jornal Brasileiro de Psiquiatria jan/fev
1986. vol. 35 nº1.
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