MODELO
DE ANAMNESE E EXAME PSÍQUICO PARA AVALIAÇÃO
E PLANEJAMENTO EM PSICOTERAPIA BREVE.
Este
trabalho foi elaborado por Regina Lúcia Pontes,
para o Setor de Psicoterapia do Serviço de Psiquiatria
do Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia
do RJ, com o intuito de uniformizar a apresentação
de casos em reuniões clínicas.
Objetivo
Este
trabalho surgiu da percepção da dificuldade
que alguns profissionais da área da saúde
mental, notadamente os psicólogos, têm
em colher e organizar dados que auxiliem a reconstituição
da história do paciente por meio da elaboração
da chamada técnica de anamnese.
Com
este trabalho tentamos auxiliar aqueles que pouco ou
nenhum contato tiveram na realização dessa
técnica, explicando seus vários itens
e, na medida do possível, contribuindo com esclarecimentos
que subsidiem a inclusão ou não de determinados
fatos ou naquele item constante do roteiro.
Como
também foi observada a necessidade de mais esclarecimentos
práticos que permitissem ao profissional em treinamento
maior facilidade e autonomia na elaboração
escrita de seu trabalho, tentamos acrescentar, ao final
de cada item, exemplos de redação.
As bases
deste trabalho estão firmadas nos apontamentos
das aulas ministradas pelo Dr. Anchyses Lopes para o
curso de Psicopatologia I, bem como na apostila preparada
pela Dra. Vera Lemgruber e em suas aulas para o curso
de Psicopatologia II, ambos da PUC-RJ, e também
no trabalho do Prof. Leme Lopes – “Técnica
do Diagnóstico”.
O modelo
de anamnese aqui usado é o biomédico clássico
e esperamos que, efetivamente, torne mais fácil
a organização e a realização
desta técnica por aqueles que desejam obter,
de seus pacientes, dados que possibilitem um ponto de
partida mais claro para a reconstrução
de suas histórias e complemento à compreensão
psicodinâmica.
Anamnese
O
termo vem do grego ana (remontar) e mnesis
(memória). Para nós, a anamnese é
a evocação voluntária do passado
feita pelo paciente, sob a orientação
do médico ou do terapeuta.
O objetivo
dessa técnica é o de organizar e sistematizar
os dados do paciente, de forma tal que seja permitida
a orientação de determinada ação
terapêutica com a respectiva avaliação
de sua eficácia; o fornecimento de subsídios
para previsão do prognóstico; o auxílio
no melhor atendimento ao paciente, pelo confronto de
registros em situações futuras.
Não
podemos deixar de lado o fato de que essa técnica
advém de uma relação interpessoal,
na qual ao terapeuta cabe, na medida do possível,
não cortar o fluxo da comunicação
com seu paciente, assim como, paralelamente, não
deixar de ter sob sua mira aquilo que deseja saber.
Para
tanto, faz-se necessário que um esquema completo
do que perguntar esteja sempre presente em sua mente.
Assim, diante de um paciente que se apresente prolixo
ou lacônico, estes não serão fatores
de empecilho para que se possa delinear sua história.
Ao entrevistador
inexperiente cabe lembrar o cuidado em não transformar
coleta de dados em “interrogação
policial”. Um equilíbrio entre neutralidade,
respeito e solidariedade ao paciente deve ser mantido.
O paciente deve perceber o interesse do entrevistador
e não o seu envolvimento emocional com a sua
situação.
Muitas
vezes, não se consegue ter todo o material em
uma única entrevista, principalmente em instituições
em que o número de pacientes e a exigüidade
do tempo de atendimento tornam-se fatores preponderantes.
É
aconselhável que a entrevista seja conduzida
de uma maneira informal, descontraída, com termos
acessíveis à compreensão do paciente,
porém bem estruturada.
Em uma anamnese, acaba-se por fazer dois cortes na vida
do paciente: um longitudinal ou biográfico e
outro transversal ou do momento.
No corte
longitudinal, podemos localizar os registros das histórias
pessoal, familiar e patológica pregressas.
No corte transversal, enquadraríamos a queixa
principal do sujeito, a história da sua doença
atual e o exame psíquico que dele é feito.
O roteiro
para sua execução pode sofrer algumas
poucas variações, em função
daquilo a que se propõe, porém a estrutura
básica que aqui será colocada é
aquela da anamnese médica clássica. Nele
constam: a identificação do paciente;
o motivo da consulta ou queixa que o traz ao médico
ou terapeuta; a história da doença atual;
a história pessoal; a história familiar
(estas duas poderão vir sob o mesmo título
– “História Pessoal e Familiar”);
a história patológica pregressa; um exame
psíquico; uma súmula psicopatológica;
uma hipótese de diagnóstico nosológico.
Além
disso, é de nosso interesse que, após
a anamnese propriamente dita, conste uma proposição
de uma hipótese psicodinâmica, um planejamento
para que se conduza o caso e uma breve descrição
da atuação terapêutica junto ao
paciente em questão.
Alguns
cuidados terão que ser tomados ao se fazer uma
anamnese:
-
As informações fornecidas pelo paciente
devem constar como de sua responsabilidade. Daí,
na redação, serem usados verbos como relatar,
declarar, informar, tendo o paciente como sujeito
deles.
Ex: Paciente informa ter medo de sair à rua sozinho...
Outras expressões como: “conforme relato
do paciente...”, “de acordo com declarações
do paciente...” são usadas, sempre com
o intuito de aclarar que o que estiver sendo registrado
é baseado no que é informado pelo entrevistado.
- Sempre que forem usadas expressões do entrevistado,
estas virão entre aspas.
- Depois de identificado o paciente, no item I da anamnese,
aparecerão apenas as suas primeiras iniciais
ao longo do registro.
Na
medida do possível, ao longo deste trabalho,
tentaremos apontar outros cuidados.
Cabe
lembrar que não é objetivo deste trabalho
um curso de psicopatologia, mas sim, a tentativa de
uniformizar as informações colhidas nas
entrevistas iniciais com os pacientes, para que delas
se tire maior proveito no auxílio terapêutico
a tais pacientes.
A próxima
etapa será o desenvolvimento da anamnese propriamente
dita.
I.
IDENTIFICAÇÃO
Os
dados são colocados na mesma linha, em seqüência
(tipo procuração).Dela constam os seguintes
itens:
- Somente as iniciais do nome completo do paciente,
uma vez que, por extenso, constará o mesmo do
seu prontuário ou ficha de triagem (ex: R.L.L.P.);
- Idade em anos redondos (ex. “35 anos”);
- Sexo;
- Cor: branca, negra, parda, amarela;
- Nacionalidade;
- Grau de instrução: analfabeto, alfabetizado,
primeiro, segundo ou terceiro grau completo ou incompleto;
- Profissão;
- Estado civil – não necessariamente a
situação legal, mas se o paciente se considera
ou não casado, por exemplo, numa situação
de coabitação;
- Religião;
- Número do prontuário.
II.
QUEIXA PRINCIPAL (QP)
Neste
item, explicita-se o motivo pelo qual o paciente recorre
ao Serviço em busca de atendimento. Caso o paciente
traga várias queixas, registra-se aquela que
mais o incomoda e, preferencialmente, em não
mais de duas linhas.
Deve-se
colocá-la entre aspas e nas palavras do paciente.
Ex: “Tô sem saber o que faço da minha
vida. Acho que é culpa do governo”.
III.
HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL (HDA)
Aqui
se trata apenas da doença psíquica
do paciente. Registram-se o sintomas mais significativos,
a época em que começou o distúrbio;
como vem se apresentando, sob que condições
melhora ou piora.
Indaga-se
se houve instalação súbita ou progressiva,
se algum fato desencadeou a doença ou episódios
semelhantes que pudessem ser correlacionados aos sintomas
atuais.
Alguma
coisa fazia prever o surgimento da doença?
Houve
alguma alteração nos interesses, hábitos,
comportamento ou personalidade?
Quais
as providências tomadas?
Averigua-se
se já esteve em tratamento, como foi realizado
e quais os resultados obtidos, se houve internações
e suas causas, bem como o que sente atualmente. Pede-se
ao paciente que explique, o mais claro e detalhado possível,
o que sente.
É
importante lembrar que ao se fazer o relato escrito
deve haver uma cronologia dos eventos mórbidos
(do mais antigo para o mais recente).
Aqui
também são anotados, se houver, os medicamentos
tomados pelo paciente (suas doses, duração
e uso). Caso não tome remédios, registra-se:
“Não faz uso de medicamentos”.
Neste
item busca-se, com relação à doença
psíquica, “como” ela se manifesta,
com que freqüência e intensidade e quais
os tratamentos tentados.
IV.
HISTÓRIA PESSOAL (HP)
Coloca-se,
de forma sucinta, separando-se cada tópico em
parágrafos, dados sobre a infância, educação,
escolaridade, relacionamento com os pais, relacionamento
social, aprendizado sobre sexo..., enfim, tudo o que
se refere à vida pessoal do paciente. Não
se titulam esses tópicos, apenas relata-se a
que se refere cada um deles.
Apreciam-se
as condições:
-
De nascimento e desenvolvimento: gestação
(quadros infecciosos, traumatismos emocionais ou físicos,
prematuridade ou nascimento a termo), parto (normal,
uso de fórceps, cesariana), condições
ao nascer. Se o paciente foi uma criança precoce
ou lenta, dentição, deambulação
(ato de andar ou caminhar), como foi o desenvolvimento
da linguagem e a excreta (urina e fezes).
Ex: “Paciente declara ter nascido de gestação
a termo, parto normal...”.
-
Sintomas neuróticos da infância:
medos, terror noturno, sonambulismo, sonilóquio
(falar dormindo), tartamudez (gagueira), enurese noturna,
condutas impulsivas (agressão ou fuga), chupar
o dedo ou chupeta (até que idade), ser uma criança
modelo, crises de nervosismo, tiques, roer unhas.
Ex: “A.F. informa ter tido muitos pesadelos e
insônia, além de ser uma criança
isolada até os 9 anos...”.
- Escolaridade:
anotar começo e evolução, rendimento
escolar, especiais aptidões e dificuldades de
aprendizagem, relações com professores
e colegas, jogos mais comuns ou preferidos, divertimentos,
formação de grupos, amizades, popularidade,
interesse por esportes, escolha da profissão.
Ex: “Afirma ter ido à escola a partir dos
10 anos, já que não havia escolas próximas
à sua casa...” ou “Afirma ter freqüentado
regularmente a escola, sempre com idade e aprendizado
compatíveis...”.
- Lembrança
significativa: perguntar ao paciente qual sua lembrança
antiga mais significativa que consegue recordar. O objetivo
é observar a capacidade de estabelecer vínculos,
além do auxílio à compreensão
da ligação passado-presente.
Ex: “Foi quando minha mãe estava limpando
uma janela, bateu com a cabeça e caiu no chão.
Era tanto sangue que pensei que ela estava morta. Nessa
época, eu tinha 3 anos”.
- Puberdade:
época de aparição dos primeiros
sinais; nas mulheres, a história menstrual (menarca:
regularidade, duração e quantidade dos
catamênios; cólicas e cefaléias;
alterações psíquicas, como nervosismo,
emotividade, irritabilidade, depressão; menopausa,
última menstruação).
Ex: “Paciente relata que os primeiros sinais da
puberdade ocorreram aos onze anos e que obteve informações
sobre menstruação...”.
-
História sexual: aqui se registram as
primeiras informações que o paciente obteve
e de quem; as primeiras experiências masturbatórias;
início da atividade sexual; jogos sexuais; atitude
ante o sexo oposto; intimidades, namoros; experiências
sexuais extraconjugais; homossexualismo; separações
e recasamentos; desvios sexuais.
Ex: “Teve sua primeira experiência sexual
aos 18 anos com seu namorado, mantendo, desde então,
relacionamentos heterossexuais satisfatórios
com outros namorados...”.
- Trabalho:
registrar quando o paciente começou a trabalhar,
diferentes empregos e funções desempenhadas
(sempre em ordem cronológica), regularidade nos
empregos e motivos que levaram o paciente a sair de
algum deles, satisfação no trabalho, ambições
e circunstâncias econômicas atuais, aposentadoria.
Ex: “Conta que aos 20 anos obteve seu primeiro
trabalho como contador numa empresa transportadora...”.
- Hábitos: uso do álcool,
fumo ou quaisquer outras drogas. Caso não faça
uso, assinalar: “Não faz uso de álcool,
fumo ou quaisquer outras drogas”.
V.
HISTÓRIA FAMILIAR (HF)
O
item deve abrigar as relações familiares
(começa-se pela filiação do paciente).
- Pais:
idade; saúde; se mortos; causa e data do falecimento;
ocupação; personalidade; recasamentos,
se houver, de cada um deles. Verificar se há
caso de doença mental em um deles ou ambos.
Ex: “A.F. é o quinto filho de uma prole
de dez. Seu pai, J.C., falecido, em 1983, aos 70 anos,
de infarto...”.
- Irmãos:
idade; condições maritais; ocupação;
personalidade. Indagar se há caso de doença
mental. Apenas referir-se por iniciais.
Ex: “Seus irmãos são: A.M., 34 anos,
solteiro, desempregado, descrito como violento, não
se dá com ele”.
- Cônjuge:
idade, ocupação e personalidade; compatibilidade;
vida sexual; frigidez ou impotência; medidas anticoncepcionais.
Ex: A.F. coabita maritalmente com G., 39 anos, do lar,
descrita como carinhosa e “boazinha”.
- Filhos:
número; idades; saúde; personalidade.
Também referir-se apenas pelas iniciais.
Ex: “Tem dois filhos: J., de 8 anos, cursando
a 2ª série do 1º grau, apontado como
“carinhoso, mas cobra demais de mim e da minha
mulher”.
- Lar:
neste quesito, descreve-se, em poucas palavras, a atmosfera
familiar, os acontecimentos mais importantes durante
os primeiros anos e aqueles que, no momento, estão
mobilizando toda a família; as relações
dos parentes entre si e destes com o paciente.
Ex: “Quanto ao seu lar, diz não se adaptar
muito bem à filha mais velha, que é muito
desobediente...” ou “Não gosta do
ambiente familiar, pois nele há muitas pessoas
doentes...”.
Nunca
é demais lembrar que se evite o estilo romanceado
e opiniões pessoais por parte de quem faz a anamnese.
Frases curtas e objetivas, contendo dados essenciais,
facilitarão a apreensão do caso. A utilização
das palavras do paciente será produtiva na medida
em que se queira explicitar, de maneira objetiva e clara,
alguma situação ou característica
relevante.
VI.
HISTÓRIA PATOLÓGICA PREGRESSA (HPP)
Nesta
etapa, investigam-se os antecedentes mórbidos
do paciente. Devem constar somente as doenças
físicas.
Viroses
comuns da infância, desmaios, convulsões
e sua freqüência, doenças, operações,
acidentes, traumatismos (sintomas, datas, duração),
internações e tratamentos.
VII.
EXAME PSÍQUICO (EP)
Até
aqui, tivemos um relato feito pelo paciente e, em alguns
casos, outros dados colhidos por familiares ou pessoa
que o acompanha à entrevista. Nosso trabalho
foi o de registrar e organizar tais informações.
Neste
ponto da anamnese, cessa esse relato do paciente e passa-se
a ter o registro da observação do entrevistador
ou terapeuta, no momento da(s) entrevista(s).
No exame
psíquico, as anotações deverão
ser feitas de forma que alguém de fora da área
“Psi” possa compreendê-las.
A sua
organização deve obedecer a determinados
quesitos que, obrigatoriamente, serão respondidos
pelo entrevistador.
Nunca
é demais lembrar que tudo o que não é
observado no momento da entrevista ficará na
HDA ou HPP. Exemplo: se o paciente diz ter
insônia, isso constará da HDA.
Os tópicos
seguintes apontam para os diferentes aspectos da vida
psíquica do indivíduo e devem ser investigados.
A coleta desses dados, bem como a de todos os outros,
poderá ser feita na ordem em que melhor parecer
ao entrevistador. Porém, no texto final, será
mantida uma ordem preestabelecida, com a finalidade
de facilitar o acesso ao material.
Para
melhor organização, usa-se a forma de
parágrafo para cada um dos assuntos, sem porém
titulá-los.
No exame
psíquico, não se usam termos técnicos;
o que se espera que seja registrado aqui são
aspectos objetivos que justifiquem os termos técnicos
que serão empregados posteriormente na súmula.
Ex: “Paciente apresenta-se inquieto, demonstrando
desassossego, mas podendo ainda controlar sua agitação.”
Isso corresponde ao que se chama de “hipercinesia
moderada”. Esse termo não será aqui
utilizado. Ele aparecerá somente na súmula
quando se estiver apontando o termo técnico indicativo
da psicomotricidade do paciente.
Em seguida, apontamos os diversos aspectos que integram
o exame psíquico.
1.
Apresentação
Refere-se
à impressão geral que o paciente causa
no entrevistador. Compreende:
a.
Aparência: tipo constitucional, condições
de higiene pessoal, adequação do vestuário,
cuidados pessoais. Não confundir com a classe
social a que pertence o indivíduo.
Ex: “Paciente é alto, atlético e
apresenta-se para a entrevista em boas condições
de higiene pessoal, com vestes adequadas, porém
sempre com a camisa bem aberta...”.
b.
Atividade psicomotora e comportamento: mímica
– atitudes e movimentos expressivos da fisionomia
(triste, alegre, ansioso, temeroso, desconfiado, esquivo,
dramático, medroso, etc.); gesticulação
(ausência ou exagero); motilidade – toda
a capacidade motora (inquieto, imóvel, incapacidade
de manter-se em um determinado local); deambulação
– modo de caminhar (tenso, elástico, largado,
amaneirado, encurvado, etc.).
Ex: “Sua mímica é ansiosa, torce
as mãos ao falar, levando-as à boca para
roer as unhas...” ou “Seu gestual é
discreto...”.
c.
Atitude para com o entrevistador: cooperativo,
submisso, arrogante, desconfiado, apático, superior,
irritado, indiferente, hostil, bem-humorado, etc.
Ex: “Mostra-se cooperativo, mas irrita-se ao falar
de sua medicação...”.
d.
Atividade verbal: normalmente responsivo às
deixas do entrevistador, não-espontâneo
(tipo pergunta e resposta), fala muito, exaltado ou
pouco e taciturno.
Ex: “É normalmente responsivo às
deixas do entrevistador, mas torna-se hostil quando
algo é anotado em sua ficha...”.
2.
Consciência
Não
se trata de consciência como capacidade de ajuizar
valores morais, mas, sim, num sentido amplo, uma referência
a toda atividade psíquica, ou seja, é
a capacidade do indivíduo de dar conta do que
está ocorrendo dentro e fora de si mesmo.
Consciência,
aqui, será a indicação do processo
psíquico complexo, que é capaz de integrar
acontecimentos de um determinado momento numa atividade
de coordenação e síntese. Na prática,
a consciência se revela na sustentação,
coerência e pertinência das respostas dadas
ao entrevistador.
A clareza
dessa consciência é traduzida pela lucidez.
Quando o paciente está desperto, recebendo e
devolvendo informações do meio ambiente,
ele está lúcido, não importando,
para esta classificação, o teor de sua
integração com o meio.
Os distúrbios
da consciência geralmente indicam dano cerebral
orgânico. As informações sensoriais
chegam amortecidas ou nem chegam à consciência.
Os estados
de rebaixamento da consciência podem ser: rebaixamento
ou embotamento, turvação ou obnubilação
(que é um rebaixamento geral da capacidade de
perceber o ambiente) e estreitamento (perda da percepção
do todo com uma concentração em um único
objetivo paralelo à realidade (ex. estados de
hipnotismo e sonambulismo).
Cabe
ao entrevistador avaliar o grau de alteração
da consciência, observando se o paciente faz esforço
para manter o diálogo e levar a entrevista a
termo, se a confusão mental interfere na exatidão
das respostas, que se fazem com lentidão, ou
se o paciente chega mesmo a cochilar, adormecer no curso
da entrevista.
O paciente
que exibe estado alterado da consciência, com
freqüência mostra algum prejuízo também
de orientação, embora o contrário
não seja verdadeiro.
Exemplo
de como descrever paciente lúcido nas entrevistas:
“Paciente apresenta-se desperto durante as entrevistas,
sendo capaz de trocar informações com
o meio ambiente...”.
3.
Orientação
Pode-se
definir orientação como um complexo de
funções psíquicas, pelo qual tomamos
consciência da situação real em
que nos encontramos a cada momento de nossa vida.
A orientação
pode ser inferida da avaliação do estado
de consciência e encontra-se intimamente ligada
às noções de tempo e de espaço.
Em geral,
o primeiro sentido de orientação que se
perde é o do tempo, depois o do espaço,
que envolve deslocamento e localização
e, num estado mais grave, a desorientação
do próprio eu (identidade e corpo).
A orientação
divide-se em:
a.
Autopsíquica: paciente reconhece dados
de identificação pessoal e sabe quem é;
b. Alopsíquica: paciente reconhece
os dados fora do eu; no ambiente:
- Temporal: dia, mês, ano em que está;
em que parte do dia se localiza (manhã, tarde,
noite);
- Espacial: a espécie de lugar em que se encontra,
para que serve; a cidade onde está; como chegou
ao consultório;
- Somatopsíquica: alterações do
esquema corporal, como, por exemplo, os membros fantasmas
dos amputados, negação de uma paralisia,
a incapacidade de localizar o próprio nariz ou
olhos...
Ex:
“Sabe fornecer dados de identificação
pessoal, informar onde se encontra, dia, mês e
ano em que está...”.
4.
Atenção
A
atenção é um processo psíquico
que concentra a atividade mental sobre determinado ponto,
traduzindo um esforço mental. É resultado
de uma atividade deliberada e consciente do indivíduo
– foco da consciência – a fim de inserir
profundamente nossa atividade no real.
Essa
energia concentrada sobre esse foco está intimamente
ligada ao aspecto da afetividade. Destaca-se aí
a vigilância (consciência sem foco, difusa,
com atenção em tudo ao redor) e a tenacidade
(capacidade de se concentrar num foco). O paciente não
pode ter essas duas funções concomitantemente
exaltadas (o paciente maníaco, por exemplo, é
hipervigil e hipotenaz), porém, pode tê-las
rebaixadas, como no caso do sujeito autista, esclerosado
ou esquizofrênico catatônico.
Investiga-se
assim:
-
atenção normal: ou euprossexia; normovigilância;
- hipervigilância: ocorre num exagero,
na facilidade com que a atenção é
atraída pelos acontecimentos externos;
- hipovigilância: é um enfraquecimento
significativo da atenção, onde é
difícil obter a atenção do paciente;
- hipertenacidade: a atenção
se adere em demasia a algum estímulo ou tópico;
concentração num estímulo;
- hipotenacidade: a atenção
se afasta com demasiada rapidez do estímulo ou
tópico.
Ex: “Concentra-se intensamente no entrevistador
e no que lhe é dito, abstendo-se completamente
do que se passa à sua volta...”.
5.
Memória
“É
o elo temporal da vida psíquica (passado, presente,
futuro). A memória permite a integração
de cada momento. Há cinco dimensões principais
do seu funcionamento: percepção
(maneira como o sujeito percebe os fatos e atitudes
em seu cotidiano e os reconhece psiquicamente), fixação
(capacidade de gravar imagens na memória), conservação
(refere-se tudo que o sujeito guarda para o resto da
vida; a memória aparece como um todo e é
um processo tipicamente afetivo), evocação
(atualização dos dados fixados –
nem tudo pode ser evocado). Cabe ressaltar aqui que
nada é fixado e evocado de maneira anárquica:
há dependência das associações
que estabelecem entre si (semelhança, contraste,
oposição, contigüidade e causalidade),
e reconhecimento (reconhecimento do anagrama
(imagem recordada) como tal – é o momento
em que fica mais difícil detectar onde e quando
determinado fato aconteceu no tempo e no espaço).
A função
mnésica pode ser avaliada pela rapidez, precisão
e cronologia das informações que o próprio
paciente dá, assim como a observação
da capacidade de fixação.
O
exame da memória passada (retrógrada)
faz-se com perguntas sobre o passado do paciente, data
de acontecimentos importantes. Contradições
nas informações podem indicar dificuldades.
Com
relação à memória recente
(anterógrada), podem ser feitas perguntas rápidas
e objetivas, como “O que você fez hoje?”
ou dizer um número de 4 ou 5 algarismos ou uma
série de objetos e pedir para que o paciente
repita após alguns minutos, se houver necessidade.
Para
o exame da memória de retenção
pode-se pedir ao paciente que repita algarismos na ordem
direta e depois inversa.
A maior
parte das alterações da memória
é proveniente de síndromes orgânicas
(amnésia, hiper ou hipomnésia).
Ex: “A.F. é capaz de fornecer dados com
cronologia correta; consegue lembrar de informações
recentes, como a próxima consulta com seu psiquiatra...”.
6.
Inteligência
O
que se faz nessa avaliação da inteligência
não é o que chamamos “uma avaliação
fina”, realizada por meio de testes. É
mais para se constatar se o paciente está dentro
do chamado padrão de normalidade. Interessa a
autonomia que o paciente tenha, a sua capacidade laborativa.
Quando
houver suspeita de déficit ou perda intelectiva,
as informações podem ser obtidas pedindo-se-lhe
que explique um trabalho que realize, alguma situação
do tipo: “Se tiver que lavar uma escada, começará
por onde?”, que defina algumas palavras (umas
mais concretas, como “igreja”, outras mais
abstratas, como “esperança”), que
estabeleça algumas semelhanças, como,
por exemplo, “o que é mais pesado, um quilo
de algodão ou de chumbo?”.
A consciência,
a inteligência e a memória estão
alocadas entre as funções psíquicas
de base.
Ex: “Durante as entrevistas percebe-se que o paciente
tem boa capacidade de compreensão, estabelecendo
relações e respostas adequadas, apresentando
insights...”.
Um déficit
intelectivo (oligofrenia) é diferente de uma
perda intelectiva, onde após o desenvolvimento
psíquico ter atingido a plenitude ocorre uma
baixa, indicando síndromes organocerebrais crônicas.
Uma
alteração de consciência pode indicar
um quadro organocerebral agudo. Uma alteração
de inteligência e memória pode indicar
uma síndrome organocerebral crônica.
7.
Sensopercepção
É
o atributo psíquico, no qual o indivíduo
reflete subjetivamente a realidade objetiva. Fundamenta-se
na capacidade de perceber e sentir.
Neste
ponto, investigam-se os transtornos do eu sensorialmente
projetados, simultâneos à percepção
verdadeira, ou seja, experiências ilusórias
ou alucinatórias que são acompanhadas
de profundas alterações do pensamento.
Ilusão
é a percepção deformada da realidade,
de um objeto real e presente, uma interpretação
errônea do que existe.
Alucinação
é uma falsa percepção, que consiste
no que se poderia dizer uma “percepção
sem objeto”, aceita por quem faz a experiência
como uma imagem de uma percepção normal,
dadas as suas características de corporeidade,
vivacidade, nitidez sensorial, objetividade e projeção
no espaço externo.
São
significativas as alucinações verdadeiras
(aquelas que tendem a todas as características
da percepção em estado de lucidez), as
pseudo-alucinações (mais representação
do que realmente percepção; os relatos
são vagos), as alucinações com
diálogo em terceira pessoa, fenômenos de
repetição e eco do pensamento, sonorização,
ouvir vozes.
As alucinações
podem ser auditivas, auditivo-verbais (mais comuns),
visuais, olfativas, gustativas, cenestésicas
(corpórea, sensibilidade visceral), cinestésicas
(movimento).
As perguntas que esclareçam essa análise
poderão ser feitas à medida que a oportunidade
apareça. Porém, não se pode deixar
de investigar completamente esse item.
Algumas
perguntas são sugeridas: “Acontece de você
olhar para uma pessoa e achar que é outra?”;
“Já teve a impressão de ver pessoas
onde apenas existam sombras ou uma disposição
especial de objetos?; “Você se engana quanto
ao tamanho dos objetos ou pessoas?”; “Sente
zumbidos nos ouvidos?”; “Ouve vozes?”;
“O que dizem?”; “Dirigem-se diretamente
a você ou se referem a você como ele ou
ela?”; “Falam mal de você?”;
“Xingam?”; “De quê?”;
“Tem tido visões?”; “Como são?”;
“Vê pequenos animais correndo na parede
ou fios”; “Sente pequenos animais correndo
pelo corpo?”; “Tem sentido cheiros estranhos?”.
Ex: Relata sentir um vazio na cabeça, mas que
“é bom, pois não ligo pros problemas
da vida” e “ouvir uma voz que lhe diz ser
um deus...”.
Caso o paciente
não apresente nenhuma situação
digna de nota neste item, pode-se registrar: “Não
apresenta experiências ilusórias ou alucinatórias”.
8.
Pensamento
Por
meio do pensamento ou do raciocínio, o ser humano
é capaz de manifestar suas possibilidades de
adaptar-se ao meio. É por ele que se elaboram
conceitos, articulam-se juízos, constrói-se,
compara-se, solucionam-se problemas, elaboram-se conhecimentos
adquiridos, idéias, transforma-se e cria-se.
Este
item da anamnese é destinado à investigação
do curso, forma e conteúdo do pensamento. Aqui
se faz uma análise do discurso do paciente.
a.
Curso: Trata-se da velocidade com que o pensamento
é expresso e pode ir do acelerado ao retardado,
passando por variações.
· Fuga de idéias: paciente muda
de assunto a todo instante, sem concluí-los ou
dar continuidade, numa aceleração patológica
do fluxo do pensamento; é a forma extrema do
taquipsiquismo (comum na mania).
· Interceptação ou bloqueio:
há uma interrupção brusca do que
vinha falando e o paciente pode retomar o assunto como
se não o tivesse interrompido (comum no esquizofrenia).
· Prolixidade: é um discurso
detalhista, cheio de rodeios e repetições,
com uma certa circunstancialidade; há introdução
de temas e comentários não-pertinentes
ao que se está falando.
· Descarrilamento: há uma mudança
súbita do que se está falando.
· Perseveração: há
uma repetição dos mesmos conteúdos
de pensamento (comum nas demências).
b.
Forma: Na verdade, é um conceito difícil
de se explicar. Porém, pode-se dizer que a forma
é a maneira como o conteúdo do pensamento
é expresso. O pensamento abriga um encadeamento
coerente de idéias ligadas a uma carga afetiva,
que é transmitida pela comunicação.
Há um caráter conceitual.
As
desordens da forma podem ocorrer por: perdas (orgânicas)
ou deficiência (oligofrenia) qualitativas ou quantitativas
de conceitos ou por perda da intencionalidade (fusão
ou condensação, desagregação
ou escape do pensamento, pensamento imposto ou fabricado),
onde pode se compreender as palavras que são
ditas, mas o conjunto é incompreensível,
cessando-se os nexos lógicos, comum na esquizofrenia.
É
importante lembrar que a velocidade do pensamento (curso)
pode ser normal, porém a forma pode estar alterada
por conter idéias frouxas com o fluxo quebrado.
Ex: “Paciente apresenta um discurso com curso
regular, porém não mantém uma coerência
entre as idéias, que se apresentam frouxas e
desconexas”.
c.
Conteúdo: As perturbações
no conteúdo do pensamento estão associadas
a determinadas alterações, como as obsessões,
hipocondrias, fobias e especialmente os delírios.
Para
se classificar uma idéia de delirante tem-se
que levar em conta alguns aspectos: a incorrigibilidade
(não há como modificar a idéia
delirante por meio de correções). A ininfluenciabilidade
(a vivência é muito intensa no sujeito,
chegando a ser mais fácil o delirante influenciar
a pessoa dita normal). A incompreensibilidade (não
pode ser explicada logicamente). O delírio é
uma convicção íntima e inemovível,
contra a qual não há argumento.
Os delírios
podem ser primários (núcleo da patologia)
ou secundários (são conseqüentes
a uma situação social, a uma manifestação
afetiva ou a uma disfunção cerebral).
Uma distinção faz-se importante:
a.
delirium: rebaixamento da consciência
(delirium tremens; delirium febril);
b. delírio: alteração
do pensamento (alteração do juízo);
- b.1 idéia delirante: também
chamada de delírio verdadeiro; é primário
e ocorre com lucidez de consciência; não
é conseqüência de qualquer outro fenômeno.
É um conjunto de juízos falsos, que não
se sabe como eclodiu.
- b.2 idéia deliróide:
é secundária a uma perturbação
do humor ou a uma situação afetiva traumática,
existencial grave ou uso de droga. Há uma compreensão
dos mecanismos que a originaram.
As
idéias delirantes podem ser agrupadas em temas
típicos de:
- expansão do eu: (grandeza, ciúme,
reivindicação, genealógico, místico,
de missão salvadora, deificação,
erótico, de ciúmes, invenção
ou reforma, idéias fantásticas, excessiva
saúde, capacidade física, beleza...).
- retração do eu: (prejuízo,
auto-referência, perseguição, influência,
possessão, humildades, experiências apocalípticas).
- negação do eu: (hipocondríaco,
negação e transformação
corporal, auto-acusação, culpa, ruína,
niilismo, tendência ao suicídio).
O
exame do conteúdo do pensamento poderá
ser feito por meio da conversa, com a inclusão
hábil por parte do entrevistador de algumas questões
que conduzam à avaliação. Pode-se
perguntar se o paciente tem pensamentos dos quais não
consegue se livrar (explicar quais), se acha que quando
está andando na rua as pessoas o observam ou
fazem comentários a seu respeito (explicitar);
se os vizinhos implicam; se existe alguém que
lhe queira fazer mal, alguma organização
secreta; se acha que envenenam sua comida; se possui
alguma missão especial na Terra (qual), se é
forte e poderoso, rico; se freqüenta macumba; se
sofre de “encosto”; se espíritos
lhe falam; se há alguma comunicação
com Deus e como isso se processa. Aqui vale apontar
para o fato cultural-religioso. Dependendo da religião
que professa (espiritismo, umbanda, candomblé),
algumas dessas situações podem ser observadas,
sem, no entanto, a priori, fazerem parte de
patologias.
Ex: “A.F. muda de assunto a todo instante e subitamente.
Reconhece que já ficou “bem ruim, mas nunca
fiz sadomasoquismo, porque isso é coisa de judeu
de olhos azuis. Mas, graças a Deus, nunca pisei
numa maçonaria. Não influencio ninguém,
mas sou influenciado. Sou o deus A., defensor dos fracos
e oprimidos...”.
9.
Linguagem
A
comunicação é o meio que permite
ao indivíduo transmitir e compreender mensagens.
A linguagem é a forma mais importante de expressão
da comunicação. A linguagem verbal é
a forma mais comum de comunicação entre
as pessoas.
A linguagem
é considerada como um processo mental predominantemente
consciente, significativo, além de ser orientada
para o social. É um processo dinâmico que
se inicia na percepção e termina na palavra
falada ou escrita e, por isso, se modifica constantemente.
Neste
tópico, o que irá nos interessar é
o exame da linguagem falada e escrita. Sua normalidade
e alterações estão intimamente
relacionadas ao estudo do pensamento, pois é
pela linguagem que ele passa ao exterior. Abaixo, enumeramos
alguns tipos mais comuns de patologias que, não
custa lembrar, poderão ser apenas descritos no
exame psíquico e não denominados tecnicamente.
- disartrias
(má articulação de palavras), afasias
(perturbações por danos cerebrais que
implicam na dificuldade ou incapacidade de compreender
e utilizar os símbolos verbais), verbigeração
(repetição incessante de palavras ou frases),
parafasia (emprego inapropriado de palavras
com sentidos parecidos), neologismo (criação
de palavras novas), jargonofasia (“salada
de palavras”), mussitação
(voz murmurada em tom baixo), logorréia
(fluxo incessante e incoercível de palavras),
para-respostas (responde a uma indagação
com algo que não tem nada a ver com o que foi
perguntado), etc.
Ex: “Expressa-se por meio de mensagens claras
e bem articuladas em linguagem correta...”.
10.
Consciência do Eu
Este
item refere-se ao fato de o indivíduo ter a consciência
dos próprios atos psíquicos, a percepção
do seu eu, como o sujeito apreende a sua personalidade.
As características
formais do eu são:
- sentimento de unidade: eu sou uno no momento;
- sentimento de atividade: consciência
da própria ação;
- consciência da identidade: sempre sou
o mesmo ao longo do tempo;
- cisão sujeito-objeto: consciência
do eu em oposição ao exterior e aos outros.
O terapeuta
orientará sua entrevista no sentido de saber
se o paciente acha que seus pensamentos ou atos são
controlados por alguém ou forças exteriores,
se se sente hipnotizado ou enfeitiçado, se alguém
lhe rouba os pensamentos, se existe eletricidade ou
outra força que o influencie, se pode transformar-se
em pedra ou algo estático, se sente que não
existe ou se é capaz de adivinhar e influenciar
os pensamentos dos outros.
11.
Afetividade
A
afetividade revela a sensibilidade intensa da pessoa
frente à satisfação ou frustração
das suas necessidades.
Interessa-nos
a tonalidade afetiva com que alguém se relaciona,
as ligações afetivas que o paciente estabelece
com a família e com o mundo, perguntando-se sobre:
filhos, pai, mãe, irmãos, marido ou esposa,
amigos, interesse por fatos atuais.
Pesquisa-se
estados de euforia, tristeza, irritabilidade, angústia,
ambivalência e labilidade afetivas, incontinência
emocional, etc. Observa-se, ainda, de maneira geral,
o comportamento do paciente.
Ex: É sensível frente à frustração
ou satisfação, apresentando ligações
afetivas fortes com a família e amigos...”.
12.
Humor
O
humor é mais superficial e variável do
que a afetividade. É o que se pode observar com
mais facilidade numa entrevista; é uma emoção
difusa e prolongada que matiza a percepção
que a pessoa tem do mundo. É como o paciente
diz sentir-se: deprimido, angustiado, irritável,
ansioso, apavorado, zangado, expansivo, eufórico,
culpado, atônito, fútil, autodepreciativo.
Os tipos
de humor dividem-se em:
- normotímico: normal;
- hipertímico: exaltado;
- hipotímico: baixa de humor;
- distímico: quebra súbita da
tonalidade do humor durante a entrevista;
No
exame psíquico, descreve-se o humor do paciente
sem, no entanto, colocá-lo sob um título
técnico. Ex: “O paciente apresenta uma
quebra súbita de humor, passando de um estado
de exaltação a um de inibição...”.
13.
Psicomotricidade
Todo
movimento humano objetiva satisfação de
uma necessidade consciente ou inconsciente.
A psicomotricidade
é observada no decorrer da entrevista e se evidencia
geralmente de forma espontânea. Averigua-se se
está normal, diminuída, inibida, agitada
ou exaltada, se o paciente apresenta maneirismos, estereotipias
posturais, automatismos, flexibilidade cérea,
ecopraxia ou qualquer outra alteração.
Ex: “Apresenta tique, estalando os dedos da mão
direita...”.
14.
Vontade
Está
relacionada aos atos voluntários. É uma
disposição (energia) interior que tem
por princípio alcançar um objetivo consciente
e determinado.
O indivíduo
pode se apresentar normobúlico (vontade normal)
ter a vontade rebaixada (hipobúlico), uma exaltação
patológica (hiperbúlico), pode responder
a solicitações repetidas e exageradas
(obediência automática), pode concordar
com tudo o que é dito, mesmo que sejam juízos
contraditórios (sugestionabilidade patológica),
realizar atos contra a sua vontade (compulsão),
duvidar exageradamente do que quer (dúvida patológica),
opor-se de forma passiva ou ativa, às solicitações
(negativismo), etc.
Ex: “Apresenta oscilações entre
momentos de grande disposição interna
para conseguir algo e momentos em que permanece sem
qualquer tipo de ação...”.
15.
Pragmatismo
Aqui,
analisa-se se o paciente exerce atividades práticas
como comer, cuidar de sua aparência, dormir, ter
autopreservação, trabalhar, conseguir
realizar o que se propõe e adequar-se à
vida.
Ex: “Exerce suas tarefas diárias e consegue
realizar aquilo a que se propõe...”.
16.
Consciência da doença atual
Verifica-se
o grau de consciência e compreensão que
o paciente tem de estar enfermo, assim como a sua percepção
de que precisa ou não de um tratamento.
Observa-se
que considerações os pacientes fazem a
respeito do seu próprio estado; se há
perda do juízo ou um embotamento.
Ex: “Compreende a necessidade de tratamento e
considera que a terapia pode ajudá-lo a encontrar
melhores soluções para seus conflitos...”.
VIII.
SÚMULA PSICOPATOLÓGICA
Uma
vez realizado e redigido o exame psíquico, deverão
constar na súmula os termos técnicos que
expressam a normalidade ou as patologias observadas
no paciente. Trata-se de um resumo técnico de
tudo o que foi observado na entrevista.
Aconselha-se
seguir-se uma determinada ordem, assim como na redação
do exame psíquico. A disposição
da súmula deverá constar de um único
parágrafo, com cada item avaliado limitado por
ponto.
Costuma-se
não usar a palavra “normal” para
qualificar qualquer um dos itens, evitando-se, assim,
possíveis distorções com relação
ao conceito de normalidade.
Com
o objetivo de melhor esclarecer, apresentamos um exemplo
de súmula de um paciente que apresentava uma
hipótese diagnóstica de “quadro
maníaco com sintomas psicóticos”.
“Lúcido.
Vestido adequadamente e com boas condições
de higiene pessoal. Orientado auto e alopsiquicamente.
Cooperativo. Normovigil. Hipertenaz. Memórias
retrógrada e anterógrada prejudicadas.
Inteligência mantida. Sensopercepção
alterada com alucinação auditivo-verbal.
Pensamento sem alteração de forma, porém
apresentando alteração de curso (fuga
de idéias e descarrilamento) por ocasião
da agudização do quadro e alteração
de conteúdo (idéias deliróides
de perseguição, grandeza e onipotência).
Linguagem apresentando alguns neologismos. Consciência
do eu alterada na fase aguda do quadro. Nexos afetivos
mantidos. Hipertimia. Psicomotricidade alterada, apresentando
tiques. Hiperbúlico. Pragmatismo parcialmente
comprometido. Com consciência da doença
atual”.
Com
a súmula, é possível a outro profissional
da área, em poucos minutos, inteirar-se da situação
do paciente.
IX.
HIPÓTESE DIAGNÓSTICA
“Diagnóstico”
é uma palavra de origem grega e significa “reconhecimento”.
No ato médico, refere-se ao reconhecimento de
uma enfermidade por meio de seus sinais e sintomas.
Trata-se aqui de diagnóstico nosológico
a ser seguido em conformidade com a CID-10.
De acordo
com o que pode ser observado durante a entrevista, propõe-se
uma hipótese de diagnóstico, que poderá
ser esclarecida, reforçada ou contestada por
outro profissional ou exames complementares, se houver
necessidade. Não é demais lembrar que
poderá haver um diagnóstico principal
e outro(s) secundário(s), em comorbidade.
Ex: F 30.2 – Mania com sintomas psicóticos.
X.
HIPÓTESE PSICODINÂMICA
A
hipótese psicodinâmica e a atuação
terapêutica deverão constar em outra folha
à parte. Um entendimento psicodinâmico
do paciente auxilia o terapeuta em seu esforço
para evitar erros técnicos. Há que se
ter uma escuta que vá além do que possa
parecer à primeira vista. A compreensão
da vida intrapsíquica do paciente é de
fundamental importância no recolhimento de dados
sobre ele.
Uma
avaliação psicodinâmica não
prescinde da avaliação realizada na anamnese.
Pode ser considerada, inclusive, como uma extensão
valiosa e significativa dela.
É na busca do funcionamento psicodinâmico
do paciente que se tem um melhor entendimento do quanto
ele está doente, de como adoeceu e como a doença
o serve.
Estabelecido
um bom rapport entre entrevistador e paciente,
é de fundamental importância que este último
seja compreendido como alguém que em muito contribui
para o seu próprio entendimento, além
de ajudar na precisão de um diagnóstico.
O paciente não é uma planta sendo observada
por um botânico. É uma pessoa que, por
não conseguir mais se gerenciar sozinho, busca
auxílio em outro ser humano. Sente medo, ansiedade,
desconfiança, alegria e está diante de
uma outra pessoa que ele julga poder auxiliá-lo.
À
medida que esse entendimento vai se estruturando, o
entrevistador pode começar a formular hipóteses
que liguem relacionamentos passados e atuais do paciente,
assim como a repetição de seus padrões
de relação e comportamento. Deve haver,
portanto, uma interpretação global da
problemática desse paciente a respeito do que
pode estar causando suas dificuldades atuais, motivo
da busca de ajuda profissional.
Fica
evidente que uma hipótese psicodinâmica
vai além do que o paciente diz. Alcança,
também, o estilo de relação que
ele estabelece com o terapeuta e que dá indícios
de sua demanda latente. Também é preciso
ressaltar que a hipótese psicodinâmica
está sempre baseada num referencial teórico
seguido pelo terapeuta, que deverá circunscrever
o funcionamento psicodinâmico do paciente, formulando
uma hipótese que resuma, da melhor maneira possível,
a psicodinâmica básica do paciente.
No Setor
de Psicoterapia do Serviço de Psiquiatria da
Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro,
atendendo às exigências técnicas
da P.B. que utilizamos, há que se estabelecer,
ainda, para melhor avaliação da condição
psicodinâmica do paciente atendido, o triângulo
do conflito (I – impulso; A – ansiedade;
D – defesa), o foco (isto é, a
prioridade a ser estabelecida como trabalho terapêutico)
e o planejamento (onde se coloca aquilo que
se pretende fazer na condução do caso,
além do objetivo a ser atingido pelo terapeuta
ao final de seu trabalho com o paciente).
É
ainda importante lembrar que a hipótese psicodinâmica
formulada serve apenas como uma compreensão maior
do funcionamento do paciente para o terapeuta e deve
conter em seu bojo o foco e o conflito nuclear. |