Há
um grande equívoco no Programa de Saúde
Mental do Ministério da Saúde, que impede
qualquer avanço nessa área. Por desinformação
ou interesses ocultos, os dirigentes do programa desmantelaram
esforços de muitos anos, promovidos por pessoas
realmente comprometidas com a saúde mental. O
planejamento passou a ser desenvolvido a partir de antigos
preconceitos e com viés populista.
O
equívoco começou a se desenhar quando
elegeram como prioridade a des-hospitalização”
de portadores de transtornos mentais Para justificar
essa atitude, obviamente, foram obrigados a adotar o
discurso de que a internação psiquiátrica
não é um procedimento adequado —
o que não é verdade. A psiquiatria precisa
de internações e de atendimento era centros
especializados, tanto como a ortopedia e a cardiologia.
A
argumentação oficial, porém, fugiu
de critérios clínicos e foi fundamentada
na percepção equivocada construída
durante anos, de que todos os internos em unidades psiquiátricas
sofrem maus-tratos. Para isso ressuscitaram o conceito
de manicômio e toda a carga pejorativa que acompanha
a palavra. A discussão ganhou o aspecto sensacionalista
que essa abordagem é capaz de despertar. Animados
com a repercussão, os servidores resolveram encenar
o roteiro. Para materializar a mensagem de sucateamento
da área de saúde mental, passaram a contingenciar
recursos e conseqüentemente muitas instituições
fecharam as portas e o atendimento
começou a enfrentar dificuldades graves, em razão
ela asfixia financeira. E foi essa situação
que teve destaque na mídia.
Em
seguida, numa movimentação batizada de
“reforma psiquiátrica” (como se especialidade
médica necessitasse de reforma..), fecharam leitos
em hospitais públicos — vejam bem, públicos
— e posaram de “salvadores da pátria”
para os flashes. Quem precisa de é o modelo assistencial,
não os médicos.
Na
mais recente medida em busca da unção
popular, atraíram a Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidência da República para
a assinatura de uma portaria interministerial que trata
de saúde mental. Mais explícito o objetivo,
impossível. Conseguiram oficializar a relação
entre tratamento de transtornos mentais com os maus-tratos.
O
resultado disso tudo, que não aparece nos jornais,
é preocupante. O Programa de Saúde Mental
ignorou anos de pesquisa científica que atestam
a internação como procedimento adequado.
Em muitos casos, a única medida indicada. À
Coordenação de Saúde Mental do
Ministério da Saúde também não
considerou que a psiquiatria, como qualquer outra especialidade
médica, utiliza procedimentos com diversos graus
de complexidade desde urna simples consulta até
intervenções cirúrgicas e internação.
No
atentaram ainda para o atual nível a psiquiatria
brasileira, que se esforçou durante anos para
formar profissionais capacitados, desenvolver pesquisas
e aparelhar instituições para que os tratamentos,
inclusive a internação, fossem conduzidos
de maneira apropriada em locais adequados. Como existem
em todo o Brasil serviços públicos estaduais,
serviços em universidades conceituadas ou de
instituições filantrópicas que
funcionam muito bem.
Além
disso, bem à maneira das resoluções
casuísticas, o plano governamental não
apresentou alternativas viáveis para a continuação
do tratamento dos pacientes desalojados como fechamento
dos leitos. Muitos simplesmente voltaram para casa e
ficaram sem assistência médica, pois o
modelo apresentado pela Coordenação de
Saúde Mental se mostrou caro e de difícil
implementação, sem contar a política
equivocada de medicamentos importantes que não
são custeados durante a internação
e, em alguns casos, não são oferecidos
à população nem mesmo no ambulatório,
ou em qualquer outro equipamento de saúde.
Porém,
o pior estrago é impossível de medir em
números, O programa foi capaz de reacender o
preconceito em relação à doença
mental, principal dificuldade enfrentada pela psiquiatria
no Brasil. Após a lavagem cerebral promovida
pela atual política, por exemplo, mesmo quando
há condições de infra-estrutura
e diagnóstico médico recomendando o procedimento,
muitos familiares impedem a internação
de pacientes, prejudicando sua reabilitação.
E esse é apenas o efeito mais palpável.
Estimulou-se
o estigma contra doentes, familiares e até médicos
— sentimento que impede a socialização
dos pacientes, fator fundamental em sua recuperação
dimensiona o problema para as pessoas próximas;
e desestimula os profissionais da área.
Nos
últimos anos, as sugestões dos psiquiatras
foram repetidamente desconsideradas pela Coordenação
de Saúde Mental do ministério. Representada
pela Associação Brasileira de Psiquiatria,
a classe defende a necessidade urgente da promoção
de campanhas esclarecimento público. A sociedade
precisa ser informada sobre os diversos aspectos dos
transtornos mentais e seu tratamento. Qualquer política
será inócua enquanto se considerar os
doentes como “loucos” passíveis de
exclusão. E esse é apenas o primeiro passo
para colocar o barco na direção correta
e recomeçar do zero.
Estimativas
demonstram que 15% da população convivem,
ou conviverão, com transtornos mentais. Se incluirmos
os familiares, que sofrem tanto ou mais por conta do
preconceito, é possível afirmar que o
problema atinge grande parte dos cidadãos: A
maioria dessas pessoas, por falta de informação,
é incapaz de lidar com a situação
de maneira equilibrada, e grande parte dos doentes,
em conseqüência de ações governamentais,
equivocadas, não recebe o tratamento adequado.
JOSIMAR
FRANÇA é Presidente da Associação
Brasileira de Psiquiatria
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