A
Psiquiatria é uma das especialidades que mais
cresce na medicina, não só pelo aumento
da demanda populacional como pelo surgimento constante
de novos conhecimentos. O incremento de informações
na área é tão grande que os periódicos
especializados no mundo são, hoje, mais de 1.800
cadastrados apenas no PsycINFO da ISP. Isto, aliado
ao incessante debate sobre a nosologia dos transtornos
mentais, torna o estudo teórico da psiquiatria
uma árdua tarefa.
Segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS),
em seu Relatório Sobre a Saúde no Mundo,
2001, os transtornos mentais acometem mais de 450 milhões
de pessoas e respondem por 12,3% das causas de enfermidades
e invalidez.
Este número deve chegar a 562 milhões
em 2020. Isso ocasionará uma enorme demanda aos
serviços de psiquiatria, situação
esta já acontecendo no Brasil.
Em 2002, a
Associação Mundial de Psiquiatria (WPA)
publicou o World Psychiatric Association Institutional
Program on the Core Training Curricutum for Psychiatry,
fruto de intenso debate entre especialistas e em grande
parte baseado no resultado de um levantamento conduzido
pela própria WPA sobre programas de residência
em psiquiatria de todo o mundo - Statistical Report
of the International Survey on Graduate Training in
General Psychiatry. Nele, pela primeira vez, a WPA define
recomendações mínimas para um currículo
de especialização em psiquiatria, incluindo
partes teórica e prática.
Dentre estas,
destacam-se uma duração mínima
de três anos para residência em psiquiatria
geral, em período integral e incluindo um mínimo
de seis meses em neurologia e medicina interna, um mínimo
de seis meses de estágios opcionais, ensino englobando
todas as idades do ciclo de vida do ser humano, e obrigatoriedade
de estágios especiais em emergências psiquiátricas,
álcool e drogas, reabilitação,
psiquiatria forense e distúrbios do aprendizado.2
Curiosamente,
nenhuma instituição psiquiátrica
do Brasil, o maior país da América Latina,
respondeu ao questionário do levantamento feito
pela WPA, no qual constam informações
de centros de formação da Argentina, Uruguai,
Chile, Colômbia, México e países
de outros continentes. Dos programas avaliados por este
relatório estatístico, 88,4% possuem três
ou mais anos de duração, chegando-se a
até seis anos, e 92,3% têm pelo menos um
mês de treinamento em neurologia.2
Os endereços
eletrônicos de universidades brasileiras são,
em grande parte, precários. Dificilmente um departamento
de psiquiatria brasileiro tem uma página na internei,
ainda mais dedicada à residência médica.
A duração de dois anos exigida para a
formação do psiquiatra no Brasil não
cumpre a recomendação mínima de
três anos proposta pela WPA, praticada na maioria
dos países latino-americanos; nenhuma instituição
brasileira oferece o mínimo de seis meses de
treinamento em neurologia e medicina interna recomendado
pela WPA.
Assim, verifica-se
que os modelos de residência médica em
psiquiatria no Brasil encontram-se defasados em relação
à formação preconizada pela WPA
e observada em diversos países, mesmo na América
Latina. Esta insuficiente formação obriga
os profissionais a buscarem cursos extracurriculares,
cuja qualidade algumas vezes não pode ser garantida.
Impõe-se
uma reestruturação dos programas de residência
médica em psiquiatria no Brasil, a começar
pelo tempo de formação mínima exigido,
com critérios a serem estabelecidos pela Associação
Brasileira de Psiquiatria e regulamentados pela Comissão
Nacional de Residência Médica e pelo Ministério
da Educação e Cultura.
O ensino da
psicoterapia é assunto também controverso.
Ao analisarmos os currículos de diversos países,
podemos observar tendência em valorizar este conhecimento,
preconizando-se o contato do residente com suas diversas
modalidades, inclusive na forma de subespecialização
nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido.2-3
No Brasil, o ensino da psicoterapia encontra-se longe
do ambiente universitário, concentrado em cursos
livres ou ligados às sociedades específicas.
O ensino de novas formas de terapia, validadas pela
literatura, restringe-se a pouquíssimas escolas
do sul e sudeste.4 A falta de regulamentação
deste importante instrumento terapêutico tem levado
à sua banalização, evidente com
o surgimento quase diário de "psicoterapias"
ligadas a sociedades religiosas, esotéricas e
filosóficas, ou de "cursos técnicos".
Dessa forma,
considerando o panorama acima exposto, tópicos
apresentam-se como fundamentais para continuar o debate
acerca da reestruturação da especialização
em psiquiatria no Brasil:
1) Recomendações
da WPA;
2) Duração
mínima de três anos, considerando-se, porém,
a possibilidade de maior duração em
instituições com estrutura capacitada
para tal;
3) Currículo
flexível para adaptar-se às novas circunstâncias
que surgem diariamente, considerando
também as diferenças regionais de cada
escola médica ou serviço;
4) Estágio
em neurologia e sua duração;
5) Conteúdo
programático diversificado, incluindo neurociências,
psicopatologia, filosofia, teorias
psicodinâmicas, psicofarmacologia, discussões
de artigos científicos e bases teóricas
da psiquiatria clínica;
6) Estágio
psiquiátrico em todos os níveis de atendimento
- ambulatorial, enfermaria, reabilitação,
hospital-dia e comunitário;
7) Obrigatoriedade
do ensino de psiquiatria infantil, geriátrica
e forense, de interconsultas e álcool
e drogas;
8) Ensino
teórico e prático de psicoterapia, possibilitando
o contato do residente com linhas terapêuticas
diversificadas, incluindo abordagens individual, conjugal,
familiar e em grupo;
9) Carga
horária reservada para áreas optativas,
permitindo ao residente realizar intercâmbios,
aprofundar-se em alguma área de interesse ou
iniciar atividade de pesquisa;
10) Subespecialização
através da regulamentação de programas
de residência médica em psiquiatria
infantil, psiquiatria geriátrica, psiquiatria
forense, psicoterapia e outras.
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