É
preciso usar método bem diferente para
ensinar. Mostrem em poucas palavras
os grandes objetos de uma ciência, assinalem
alguns exemplos marcantes. Não se orgulhem
de ensinar um grande número de coisas.
Existem
apenas a curiosidade.
Contentem-se
em abrir os espíritos.
Anatole
France (1884-1924) |
Tenho
escrito sobre a matemática, com a preocupação
de enfatizar sua importância no desenvolvimento
do raciocínio que cada vez mais é exigido
do médico no exercício profissional.
Num
rápido preâmbulo, relembro idéias exaradas
no artigo publicado neste Suplemento
em agosto de 2001 p.6 LINGUAGEM DA MATEMÁTICA
EM MEDICINA vou continuar minha apologia ressaltando
a necessidade de dar ênfase a modernização
do ensino médico para prepará-lo integralmente
para este milênio.
Se
tal esforço, por si, não der a diretriz necessária,
certamente desencadeará reflexões de muitos
que pela energia de sua iluminação irá clarear
os horizontes daqueles que têm o poder de
reformular o ensino e torná-lo moderno, pois
sabem que: o futuro é amanhã de manhã
(Tofler).
Os
procedimentos Médicos costumam ser avaliados
quantitativamente levando em conta dados numéricos,
para estabelecer a hierarquia de valores.
Poucas vezes entretanto, os submetem a estudo
estatístico para dar o grau de segurança da
afirmativa. Esse fato decorre do hábito de
se ensinar, quase toda medicina, tendo por
base o mais freqüente. Tal fato induz parecer
este, ser o "normal". Poucos se
dão conta que essa idéia, em princípio, é
equivocada, uma vez que se mudarmos o grupo
estudado onde outros fatores de variação interferem
os resultados, certamente serão diferentes.
Nossos
colegas de laboratório clínico dão um bom
exemplo a ser seguido; seus resultados são
acompanhados dos valores de "referência"
indicando explicitamente idade, sexo e técnica
adotada para o exame. Assim, eles não cometem
o erro de dizer "valor normal" confundindo
com o mais freqüente naquele grupo.
A
realidade porém, é que, de uma forma ou de
outra, não se pode prescindir da estatística.
Ela é na verdade a chave da compreensão de
grande parte dos ensinamentos, mas principalmente
para dar o grau de segurança de se estar falando
a verdade em tal afirmativa. Tal assertiva
é magnitude tão grande que torna inacreditável
aceitar como, até hoje, estatística não seja
disciplina básica obrigatória nos cursos de
graduação em medicina.
Aqui
há de se prestar homenagem a Antônio Barros
de Ulhôa Cintra que criou na Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo uma
disciplina que além de ministrar a introdução
à matéria aos alunos funcionava principalmente
como fonte de sabedoria a prestar socorro
aos que a procuravam um "planejamento
estatístico" para suas teses. Esses privilegiados
que a ela recorriam apresentavam sempre pesquisas
com evidente cientificidade e com suficientes
justificativas das técnicas utilizadas revelando
satisfatório domínio da metodologia que haviam
adotado.
O
responsável por essa Disciplina foi durante
cerca de dois lustros, uma personalidade que
todos os brasileiros conhecem: médico, zoólogo,
estatístico, compositor e cantor. Nesse período
ele e sua equipe orientaram cerca de duas
centenas de teses. Desejando relembrar alguns
daqueles beneficiados pela sua orientação,
procurei-o e abrindo um caderno, ato contínuo,
leu seus nomes e títulos das teses. Quase
todos eu conhecia e, sabia de sua projeção
na vida científica, acadêmica ou profissional.
Todos tiveram êxito foram pessoas que "deram
certo" !
Em
minhas reflexões veio uma questão: deram certo
porque já eram bons e sentiram necessidade
de aprender estatística ou como aprenderam
estatística o êxito foi a conseqüência? Seja
qual tenha sido a alternativa verdadeira fica
evidente a importância da estatística. Depois
de contar o milagre, se o leitor ainda não
adivinhou o santo vou relatar algo de pitoresco
que testemunhei em seu boêmio estilo de vida.
Aparecia
no Pronto-Socorro do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo e depois de um agradável bate papo
na "sala dos médicos" contando suas
aventuras na selva cheia de peripécias, encefalite
de macacos das florestas e outras muito mais
agradáveis no sertão brasileiro orientando
e orientador partiam para trabalhar na tese.
Terminada a tarefa, já hora avançada continuavam
então na boemia da noite paulistana. Uma das
madrugadas saíram para a "Ronda"...
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Das
teses que sei de sua contribuição tenho a dizer
que a cientificidade apresentada se deve fundamentalmente
à orientação e competência do amigo de longa
data Paulo Vanzolini. Tudo que foi dito serviu
para relembrar os tempos de Pronto-Socorro da
profícua conveniência circulando idéias de espírito
elevado e para ressaltar a importância da estatística.
Sou
daqueles, que acha equivocado o atual ensino
da medicina. O curso ministrado, nada tem a
ver com o que o aluno de hoje, médico de amanhã,
vai deparar na clínica. Ele deveria estar sendo
preparado para raciocinar com dados em
constante evolução e mesmo com o desconhecido
e para tal nada melhor, do que aprender matemática.
Aliás, dizia Galileu Galilei: matemática é o
alfabeto com que Deus escreveu o universo.
Entretanto
alerto ao jovem médico, que o fato de usar a
simples porcentagem para fazer prognóstico
deve ser feito com muita habilidade pois o paciente
com medo sempre raciocina pensando no pior.
O paciente costuma de início "inverter
o sinal" e então passa a conjecturar com
a diferença correspondente ao mau resultado,
ou seja, com a probabilidade de malogro do procedimento
proposto, enquanto o médico, está pensando no
êxito. Para ilustrar essa assertiva, lembro
que certa ocasião um de meus pacientes procurou-me
pelo fato de que no período em que acompanhava
sua esposa para tratamento num hospital americano
"aproveitou" a oportunidade e fez
uma consulta. O colega americano propôs lhe
uma operação e ato contínuo, explicou-lhe que
praticamente não correria risco, pois, a mortalidade
daquele procedimento era de apenas um por mil.
agradeceu, pagou a consulta e assim que retornou
procurou-me para operar.
Indaguei
porque não o fizera lá. A resposta foi pronta:
"o médico disse que apenas um em cada mil
pacientes morre da operação e não me disse se
ele já havia feito novecentos e noventa e nove
e que então esta seria a minha vez. Para mim,
seria cem por cento, pois eu não morreria só
um milésimo! "
Há
de se mudar e muito, a maneira de ensinar a
medicina. em primeiro lugar aprimorando a relação
médico-paciente; ensinando a ouvir mais seu
doente e, sobretudo, saber dar valor a tudo
que ele queixa, ao exame físico e ter critério
rigoroso para solicitar exames complementares.
Mas sobretudo incluir entre as cadeiras básicas
também: matemática, estatística, lógica e bioética.
Essa reforma será impossível se todo professor
não se compenetrar dos preceitos de Anatole
France, e mostrasse as linhas mestras da especialidade,
assinalando alguns exemplo marcantes, ao invés
de ensinar muita matéria. Deveriam apenas excitar
a curiosidade e abrir seus espíritos.
O
programa de residência médica deveria enfatizar
a postura científica e adequar o seu último
ano para ser transformado em mestrado
profissionalizante em medicina, despertando
os pendores para a pesquisa e adotando técnicas
pedagógicas e de didática, para facilitar a
comunicação com os doentes e seus familiares.
Estaremos realmente preparando o médico do futuro
quando tudo será muito diferente pois a genética
descobriu o alfabeto que Deus usou para escrever
o ser humano.
Só
fica faltando um ponto crucial para que o ensino
médico se torne perfeito. Ensinar "bom
senso"; tornando todos os médicos dotados
da perfeita capacidade da razão para julgar
e raciocinar com ponderação, e em cada caso
com base na experiência de vida obtida no treinamento
tutelado no trabalho que o preparou no programa
de Residência Médica e depois no decorrer de
sua própria vivência profissional.
O
médico assim formado será o propulsor para lançar
a medicina no círculo virtuoso da saúde no país.
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