A
interpretação das Culturas
Sinopse
do Livro: "A interpretação das Culturas"
Geertz,
Clifford
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1.
UMA DESCRIÇÃO DENSA:
POR
UMA TEORIA INTERPRETATIVA DA CULTURA
Certas
idéias, visões e comportamentos surgem com tanta intensidade
que acabam sendo incorporados pelas populações,passando
a ser considerados como cultura.
Kluckhohn
(apud GEERTZ, 1989, p. 4) define cultura como:
1
- o modo de vida global de um povo;
2
- o legado social que o indivíduo adquire do seu grupo;
3
- uma forma de pensar, sentir e acreditar;
4
- uma abstração do comportamento;
5
- uma teoria, elaborada pelo antropólogo, sobre a forma
pela qual um grupo de pessoas se comporta realmente;
6
- um celeiro de aprendizagem em comum;
7
- um conjunto de orientações padronizadas para
os problemas recorrentes;
8
- comportamento aprendido;
9
- um mecanismo para a regulamentação normativa do comportamento;
10
- um conjunto de técnicas para se ajustar tanto ao ambiente
externo como em relação aos outros homens;
11
- um precipitado da história.
Poderíamos
relacionar uma infindável lista de definições, o que
reforçaria a nossa visão eclética, mas mesmo assim,
apesar de tantas definições é necessário que uma
escolha seja feita.
Na
busca de análises profundas há o risco de que a análise
da cultura perca contato com as dificuldades presentes
na superfície como as questões políticas e econômicas,
as necessidades biológicas e físicas.
Sobre
isso afirma Geertz:
A
única defesa contra isso e, contra transformar
a análise cultural numa espécie de esteticismo
sociológico é primeiro treinar tais análises
em relação a tais realidades e tais necessidades.
É por isso que eu escrevi sobre nacionalismo,
violência, identidade, a natureza humana, a
legitimidade, revolução, etnicismo, urbanização,
status, a morte, o tempo e, principalmente sobre
as tentativas particulares de pessoas particulares
de colocar essas coisas em alguma espécie de
estrutura compreensiva e significativa. (GEERTZ,
1989, p.21) |
Quando
percebemos os simbolismos implícitos nas ações sociais
ou seja na arte, religião, ideologia, ciência, lei,
moralidade, senso comum, não nos afastamos dos dilemas
existenciais, ao contrário, mergulhamos no meio deles.
A antropologia interpretativa não pretende simplesmente
responder questões profundas, mas sim colocar à disposição
muitas outras respostas que já foram elaboradas, aumentado
o número de registros sobre o que o homem tem falado.
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2.
O IMPACTO DO CONCEITO DE CULTURA
SOBRE
O CONCEITO DE HOMEM
A
ciência, ou melhor ainda, a explicação científica não
reduz a complexidade das questões simplesmente por explicá-las.
Apenas torna aquilo que é complexo em algo inteligível.
Mas a situação muitas vezes pode ser inversa, substituindo
quadros simples por outros complexos, quando nos referimos
ao estudo do homem. (STRAUSS apud GEERTZ, 1989, p.25)
Para
entendermos algo sobre as culturas é preciso prestar
atenção aos detalhes. Isso é mais que observar os tipos
metafísicos e as similaridades. Havemos de apreender
não só o caráter essencial das várias culturas mas também
os vários tipos de indivíduos dentro de cada cultura.
Nessa
área, o caminho para o geral, para as simplicidades
reveladoras da ciência, segue através de uma
preocupação com o particular, o circunstancial,
o concreto, mas uma preocupação organizada e
dirigida em termos da espécie de análises teóricas
sobre as quais toquei — as análises da evolução
física, do funcionamento do sistema nervoso,
da organização social, do processo psicológico,
da padronização cultural e assim por diante
— e, muito especialmente, em termos da influência
mútua entre eles. (GEERTZ, 1989,p.38) |
Sem
os homens certamente não haveria cultura mas, de forma
semelhante e muito significativamente, sem cultura
não haveria homens. Ainda assim, por mais que os homens
evoluam sempre serão animais inacabados que se completam
através da cultura, não de forma ampla, mas de forma
específica. Cada cultura delineia o homem de forma particular.
Ao mesmo tempo capacidades inatas são observadas sem
que a cultura tenha qualquer tipo de atuação. Estamos
então incursionando pela biologia. Podemos dizer, por
exemplo, que a capacidade de falar é inata, mas a capacidade
de falar um idioma específico é cultural.
O
homem não pode ser definido nem apenas por suas
habilidades inatas, como fazia o iluminismo,
nem apenas por seu comportamento real, como
o faz grande parte da ciência social contemporânea,
mas sim pelo elo entre eles, pela forma
em que o primeiro é transformado no segundo,
suas potencialidades genéricas focalizadas em
suas atuações específicas. É na carreira do
homem, em seu curso característico, que podemos
discernir, embora difusamente, sua natureza
e apesar de a cultura ser apenas um elemento
na determinação desse curso, ela não é o menos
importante. Assim como a cultura nos modelou
como uma espécie única — e sem dúvida ainda
nos está modelando — assim também ela nos modela
como indivíduos separados. É isso o que temos
realmente em comum — nem um ser subcultural
imutável, nem um consenso de cruzamento
cultural estabelecido. (GEERTZ, 1989, p. 37-38)
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Apesar
de todas as diferenças culturais o iluminismo e a antropologia
adotam uma visão comum ao definir a natureza humana:
ambas acreditam num "modelo" de homem, um
arquétipo. Em função destas considerações as diferenças
entre os individuais ou, as diferenças entre os grupos
de indivíduos, não seriam secundárias. No entanto,
não há como desconsiderar características individuais
que influenciarão o todo, tanto quanto o todo influencia
cada um.
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3.
O CRESCIMENTO DA CULTURA E A EVOLUÇÃO DA MENTE
A
certo conjunto de disposições de um organismo podemos
nos referir como: mente. Quando nos referimos à evolução
da mente estamos falando do caminho de reconstrução
do desenvolvimento de certas habilidades, capacidades,
tendências e propensões nos organismos e aos fatores
aos quais a existência destas características está relacionada.
Segundo
Geertz:
As
pesquisas recentes da antropologia indicam como
incorreta a perspectiva em vigor de que as disposições
mentais do homem são geneticamente anteriores
à cultura e que suas capacidades reais
representam a amplificação ou extensão dessas
disposições preexistentes através de meios culturais.
O fato aparente de que estágios finais
da evolução biológica do homem ocorreram após
os estágios iniciais do crescimento da cultura;
implica que a natureza humana "básica",
"pura" ou "não-condicionada",
no sentido da constituição inata do homem, é
tão funcionalmente incompleta a ponto de não
poder ser trabalhada. As ferramentas, a caça,
a organização familiar e, mais tarde, a arte,
a religião e a ciência moldaram o homem somaticamente.
Elas são, portanto, necessárias não apenas à
sua sobrevivência, mas à sua própria realização
existencial. (GEERTZ, 1989, p. 60)
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Quando revisamos esta perspectiva da evolução
do homem podemos levantar a hipótese de que os recursos
culturais são ingredientes do pensamento humano e não
acessórios. À medida que analisamos de maneira filogenética,
os animais inferiores para os superiores, percebemos
que o comportamento é caracterizado pela imprevisibilidade
ativa no que se refere aos estímulos correntes, uma
tendência aparentemente apoiada na fisiologia pela complexidade
crescente e predominante dos padrões centrais de conduta
da atividade nervosa. Tal crescimento das áreas centrais
autônomas, pode ser considerado, em sua maior parte
e até o nível dos mamíferos inferiores, em termos do
desenvolvimento de novos mecanismos neurais. Contudo,
tais novos mecanismos ainda não foram encontrados nos
mamíferos superiores. Mesmo que se possa conceber
que o simples aumento do número de neurônios pode, por
si, responder pelo florescimento da capacidade
mental do homem, o fato de o cérebro humano maior e
a cultura humana emergirem sincronicamente, e não de
forma seriada, indica que os desenvolvimentos mais recentes
na evolução da estrutura nervosa estão relacionados
ao aparecimento de mecanismos que tanto permitem a manutenção
de áreas dominantes mais complexas como impossibilitam
a determinação completa dessas áreas em termos de parâmetros
intrínsecos. O sistema nervoso humano depende, inevitavelmente,
da acessibilidade a estruturas simbólicas públicas para
construir seus próprios padrões de atividade autônoma
e progressiva.
[...]
No sentido tanto do raciocínio orientado como
da formulação dos sentimentos, assim como da
integração de ambos os motivos, os processos
mentais do homem ocorrem, na verdade, no banco
escolar ou no campo de futebol, no estúdio ou
no assento do caminhão, na estação de trem,
no tabuleiro de xadrez ou na poltrona do juiz.
Não obstante as alegações em contrário do isolacionista
em favor da substancialidade do sistema fechado
da cultura, da organização social, do comportamento
individual ou da fisiologia nervosa, o progresso
na análise científica da mente humana exige
um ataque conjunto de praticamente todas
as ciências comportamentais, nas quais as descobertas
de cada uma forçarão a constante reavaliação
teórica de todas as outras. (GEERTZ, 1989, p.
61) |
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4.
A RELIGIÃO COMO SISTEMA CULTURAL
Os
trabalhos antropológicos sobre religião desenvolvidos
antes e depois da II Guerra Mundial quando comparados
a estudos anteriores, não apresentam quaisquer progressos
teóricos relevantes.
A
religião seria uma tentativa de ajustar as ações humanas
a uma ordem cósmica e que projeta estas mesmas imagens
no plano da experiência humana.
Segundo
Geertz, religião é:
(1)
um sistema de símbolos que atua para (2)
estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras
disposições e motivações nos homens através
da (3) formulação de conceitos de uma
ordem de existência geral e (4) vestindo
essas concepções com tal aura de fatualidade
que (5) as disposições e motivações
parecem singularmente realistas. (GEERTZ,
1989, p. 67) |
Sob
o ponto de vista da antropologia a importância da religião
baseia-se na capacidade de servir ao indivíduo e ao
grupo, como fonte de concepções gerais do mundo, elaborando
funções culturais de onde fluirão suas funções social
e psicológica.
O
estudo da religião, sob este mesmo ponto de vista, pode
ser analisado em dois estágios: primeiramente procedendo
a análise do sistema de significados relativos aos símbolos
que formam a religião. No segundo, o relacionamento
desses sistemas aos processos sócio-culturais e psicológicos.
[...]
Discutir o papel do culto dos ancestrais
na regulamentação da sucessão política, dos
festins de sacrifício que definem as obrigações
do parentesco, da adoração dos espíritos na
programação das práticas agrícolas, da divinização
para reforço do controle social ou dos ritos
de iniciação para apressar a maturação da personalidade
não constituem tentativas pouco importantes,
e não recomendo que elas sejam abandonadas em
favor da espécie de cabalismo árido no qual
pode cair tão facilmente a análise simbólica
de crenças exóticas. Mas fazer esta tentativa
tendo apenas uma idéia, muito geral, de senso
comum, sobre o que representam o culto dos ancestrais,
o sacrifício de animais, a adoração do espírito,
a divinização ou os ritos de iniciação como
padrões religiosos não me parece muito promissor.
(GEERTZ, 1989, p. 91) |
Neste
aspecto o autor coloca a necessidade do aprofundamento
sobre o real significado de cada símbolo, tanto quanto
de cada ato simbólico, dos rituais religiosos, dos seus
valores individuais para que se possa, a partir daí,
julgar a desempenho do papel religioso de forma contundente
na vida do homem.
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5."ETHOS",
VISÃO DE MUNDO E A ANÁLISE DE SÍMBOLOS SAGRADOS
O
homem, como pesquisador de significados, busca
perspectivas novas tanto para a religião como para a
compreensão das relações entre religião e valores.
Podemos
dizer que religião, arte e ideologia expressam, mesmo
que de maneira disfarçada, tentativas de orientação
a quem não pode viver num mundo que é incapaz de compreender.
Sob
o ponto de vista antropológico "ethos" resume
aspectos morais e éticos de determinadas culturas. Concomitantemente
os aspectos cognitivos e existenciais são resumidos
pelo termo "visão de mundo". Já os símbolos
são adotados para suprir necessidades englobando situações
às quais é preciso, segundo Burke (apud GEERTZ, 1989,
p.102) "dar mais atenção a como as pessoas
definem situações e como fazem para chegar a termos
com as mesmas."
Geertz
descreve:
A
espécie de símbolos (ou complexos de símbolos)
que os povos vêem como sagrados varia muito
amplamente. Ritos de iniciação complicados,
como entre os australianos; contos filosóficos
complexos, como entre os maoris; dramáticas
exibições xamanísticas como entre os esquimós;
ritos cruéis de sacrifício humano, como entre
os astecas; cerimoniais obsessivos de cura,
como entre os navajos; grandes festejos comunais,
como entre vários grupos polinésios — todos
esses padrões e muitos outros parecem
resumir, para um ou outro povo, e de forma muito
poderosa, tudo o que ele conhece sobre
o viver. E habitualmente nem existe apenas
tal complexo: os famosos trobriandeses de Malinowski
parecem igualmente preocupados com os rituais
da jardinagem e das trocas. Numa civilização
complexa como a dos javaneses — na qual permanecem
ainda muito fortes as influências hindus, islâmicas
e pagãs — poder-se-ia escolher um entre vários
complexos de símbolos como revelador de um ou
outro aspecto da integração do ethos e da visão
de mundo. |
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6.
A IDEOLOGIA COMO SISTEMA CULTURAL
A
ciência e a ideologia são empreendimentos diferentes
mas têm relações entre si. As ideologias fazem exigências
empíricas sobre as condições sociais. A ciência força
estas exigências a se tornarem reais.
Segundo
Stark (apud GEERTZ, 1989, p.109):
[...]
o pensamento ideológico é algo indefinível,
algo que deve ser superado e banido de nossa
mente [...]. Ambos se preocupam com a inverdade,
mas enquanto o mentiroso tenta falsificar o
pensamento dos outros, e seu pensamento continua
certo, enquanto ele mesmo sabe qual é a verdade,
a pessoa que aceita uma ideologia se ilude no
seu próprio pensamento e, se consegue convencer
outros, o faz sem querer e sem consciência.
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Idéias
e crenças podem estar relacionadas com a realidade de
duas maneiras: com os fatos e com os anseios desta realidade.
Onde existe a ligação entre realidade e o fato, o pensamento
é, em princípio, verdadeiro. Na relação entre realidade
e anseio enfrentamos idéias que até podem ser verdadeiras
mas que são passíveis de estar influenciadas por preconceitos
no seu significado mais amplo. Podemos denominar o primeiro
tipo de pensamento como teórico, racional, ou cognitivo
enquanto o último deve ser caracterizado como parateórico,
afetado emocionalmente ou estimativo. Desta mesma forma
podemos nos referir a "ideologia" cujas concepções
são amplamente variadas e abrangentes e até mesmo distorcidas.
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7.
A POLÍTICA DO SIGNIFICADO
A
política de um país reflete o modelo de sua cultura.
Isso parece óbvio, no entanto, quando vemos casos como
o da Indonésia percebemos que não é bem assim.
A
Indonésia, desde 1945 tem sido sucessivamente palco
de revolução, democracia parlamentar, guerra civil,
autocracia presidencial, assassinato em massa e denominação
militarista. Em meio a esta situação qual seria o modelo
de sua cultura?
Geertz
(1989, p. 144) descreve:
Por
maior que possa ter sido (ou não) a força dilacerante
dos massacres, a matriz conceptual dentro da
qual o país se vinha movimentando não pode ter
mudado radicalmente, se não por outro motivo,
porque ela está profundamente enraizada nas
realidades das estruturas social e econômica
indonésia, enquanto os massacres não estão.
Java ainda é terrivelmente superpovoada, a exportação
de produtos primários ainda é a principal fonte
de comércio exterior, ainda há tantas ilhas,
idiomas, religiões e grupos étnicos como sempre
houve (e até mais, agora que a Nova Guiné Ocidental
foi anexada) e as cidades continuam cheias de
intelectuais sem lugar, de negociantes sem capital,
e as aldeias de camponeses sem terra. |
Ainda
que o estado da mente dos indonésios seja diferente
por conta dos horrores, a sociedade e as estruturas
de significado que a informam continuam praticamente
as mesmas.
As
interpretações culturais da política que fazemos podem
ser poderosas na medida em que podem sobreviver intelectualmente
aos acontecimentos políticos. Isso acontece dependendo
do grau em que se encontra sociologicamente fundamentada.
Quando a sociedade e a política estão seguras de forma
conveniente, o que quer que ocorra apenas as reforça;
mas se não estiverem o que quer que ocorra as
explodirá.
Burckhardt
(apud GEERTZ, 1989, p. 145) registra:
Talvez
seja possível indicar muitos contrastes e graduações
entre as diferentes nações, mas não é dado à
percepção humana alcançar o equilíbrio do todo.
A verdade última, no que diz respeito ao caráter,
à consciência e à culpa de um povo, permanece
um segredo para sempre. Seus defeitos têm outro
lado, onde reaparecem como peculiaridade e até
mesmo como virtudes. Devemos deixar que ajam
como queira aqueles que encontram prazer em
censurar acremente nações inteiras. Os povos
da Europa podem maltratar, mas felizmente não
se julgam uns aos outros. Uma grande nação,
entretecida por suas realizações, sua prosperidade
com toda a vida do mundo moderno, pode dar-se
ao luxo de ignorar tanto os seus defensores
como seus acusadores. Ela continua a viver
com ou sem a aprovação dos teóricos.
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