CULTURA
E DIVERSIDADE
A
preocupação com a cultura é um fato permanente
da humanidade. Todos querem entender os caminhos
que levaram as civilizações a se constituírem,
bem como, entender, a partir daí, as
perspectivas futuras de relacionamento entre
elas.
Os
contatos entre diferentes grupos marcaram as
civilizações ao longo da história promovendo
as transformações culturais tanto pelos movimentos
internos quanto pelos conflitos internos.
Portanto, sempre que pensamos em cultura temos
que considerar a multiplicidade e a riqueza
dos seus elementos, a realidade dos grupos e
ainda as características que os unem e os diferenciam.
Tudo isso expressa o que sintetizamos como cultura.
A
lógica interna de cada realidade cultural é
traduzida nos costumes, nas formas de habitação,
no vestuário, no trabalho e em tantas outras
expressões.
Quando
entendemos as diferenças entre os grupos como
questões culturais passamos a compreendê-los
de forma ampla e menos preconceituosa o que
enriquece as relações humanas. As ações do grupo
sempre têm um sentido quando historicamente
contextualizadas.
Temos
que considerar também que as diferenças culturais
ficam evidentes por efetuarmos comparações entre
elas. Se adotássemos outra postura, se não tomássemos
por referência um modelo cultural, não perceberíamos
as diferenças nem haveria motivos para tentar
entendê-las.
Outra
reflexão que a análise sobre a cultura nos permite
é a visão de nós mesmos como seres sociais.
A partir da percepção de outras culturas podemos
ampliar nossa visão enquanto membros de um grupo
social, as razões da realidade social onde estamos
inseridos, como ela é mantida e a possibilidade
de transformá-la.
Mais
questões importantes relacionadas à cultura
podem ser entendidas a partir da forma ou da
tendência do grupo em utilizar e modificar os
recursos naturais disponíveis. Assim, territórios
idênticos foram ocupados por populações diferentes
dando origem a culturas e civilizações com características
próprias e formas particulares de organização
social. Estas culturas estiveram e estão sujeitas
a mudanças ou transformações históricas como
reflexo da atitude do grupo social ou ainda
por imposição, inclusive pela força, de culturas
externas.
.....
Cultura
e evolução
Estudos
efetuados no século XIX pretendiam colocar as
culturas humanas em escalas hierárquicas. Segundo
estes estudos haveria escalas sucessivas de
evolução social pelas quais as populações passariam,
primeiramente se diferenciando de outras espécies
animais até alcançar o índice de evolução conhecido
na Europa Ocidental da época. Sendo assim as
sociedades todas fariam parte desta escala de
evolução em linha única.
Com
base nesta proposta as diversas sociedades do
século XIX estariam inseridas em diferentes
estágios da evolução humana quando as civilizações
indígenas seriam classificadas como “selvagens”,
as tribos africanas como “bárbaras” e as populações
européias como “civilizadas”.
Obviamente
que nesta concepção de evolução hierarquizada
há todo um critério europeu de visão da humanidade.
Isto serviria inclusive como forma de consolidação
do domínio de países capitalistas sobre os demais
povos.
Esta
concepção linear de evolução foi combatida com
base no princípio que cada cultura tem suas
características próprias e múltiplos critérios
a serem considerados.
Acima
de tudo, estas classificações tinham como função
principal considerar os povos não-europeus como
inferiores e passíveis de domínio e exploração.
Estudos
contínuos permitiram derrubar os argumentos
tendenciosos e preconceituosos.
“Não
existe relação necessária entre características
físicas de grupos humanos e suas formas culturais,
nem tampouco a multiplicidade das culturas implica
quebra da unidade biológica da espécie humana.”
(SANTOS, 1994, p.15)
Podemos
concluir que o princípio de uma linha evolutiva
única para os grupos humanos implicava em considerações
racistas e preconceituosas. Concomitantemente,
este “enquadramento” cultural aos padrões preestabelecidos
supera questionamentos importantes sobre a história
da humanidade como a possibilidade das transformações
dos grupos humanos e a importância da produção
material nesta história.
Cultura
e relativismo
Neste
processo passa-se a classificar a cultura ou
o grau cultural de um grupo tendo como referência
o ponto de vista do observador com critérios
culturais próprios de avaliação e tornando esta
visão relativa.
“Passa-se assim da demonstração da diversidade
das culturas para a constatação do relativismo
cultural. Observem o quanto essa equação
é enganosa. Só se pode propriamente
respeitar a diversidade cultural se
se entender a inserção dessas culturas
particulares na história mundial. Se
insistirmos em relativizar as culturas
e só vê-las de dentro para fora, teremos
de nos recusar a admitir os aspectos
objetivos que o desenvolvimento histórico
e da relação entre povos e nações impõe.
Não há superioridade ou inferioridade
de culturas ou traços culturais de modo
absoluto, não há nenhuma lei natural
que diga que as características de uma
cultura a façam superior a outras. Existem
no entanto processos históricos que
as relacionam e estabelecem marcas verdadeiras
e concretas entre elas.” (SANTOS,
1994, p.16) |
Cultura
e sociedade
Estas
mesmas discussões surgem quando relacionamos
culturas de sociedades diferentes à cultura
de uma outra sociedade em particular. Ou seja,
numa macrocultura encontramos grupos menores
com outras características peculiares ou outros
modos de organização. São realidades culturais
internas que podem ser tão diversas parecendo,
às vezes, culturas estranhas. Por isso é de
fundamental importância considerarmos as culturas
internas de um país para compreender os aspectos
culturais do mesmo como um todo.
Ao
analisarmos cultura e sociedade nos deparamos
com os mesmos limites da análise sob o ponto
de vista relativo quando, ao invés disso, deveríamos
considerar as realidades culturais em contextos
históricos de cada sociedade, das suas relações
sociais em si e entre elas.
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|
O
QUE SE ENTENDE POR CULTURA |
|
O
estudo e a discussão sobre culturas humanas
são processos sistemáticos. Este interesse fica
ainda maior com o aumento dos contatos e dos
conflitos entre povos e nações.
A
preocupação com a questão cultural voltava-se
tanto para as sociedades que progrediam como
para aquelas que iam perdendo suas características
originais ou mesmo desaparecendo em função da
supremacia das grandes potências. Mas as discussões
e as preocupações em si não conseguiram traduzir
completamente o que se entende por cultura.
Podemos
relacionar cultura ao estudo, à educação e à
formação escolar. Podemos nos referir à cultura
considerando as manifestações artísticas (teatro,
música, pintura, escultura etc.) ou os meios
de comunicação de massa (rádio, televisão e
cinema).
Temos
ainda as festas e cerimoniais tradicionais,
as crenças, as lendas, as características do
vestuário, as comidas, o idioma e tantas outras
manifestações.
Santos
(1994, p.22) diz descrever cultura de modo genérico
preocupando-se com tudo que caracteriza uma
população humana.
As
duas concepções básicas de cultura
Podemos
definir cultura em duas concepções básicas nas
quais cada uma delas reúne um conjunto comum
de preocupações.
Primeiramente
há a concepção que evidencia os aspectos de
uma realidade social.
"Assim,
cultura diz respeito a tudo aquilo que
caracteriza a existência social de um
povo ou nação, ou então de grupos no
interior de uma sociedade. Podemos assim
falar na cultura francesa ou na cultura
xavante. Do mesmo modo falamos na cultura
camponesa ou então na cultura dos antigos
astecas."
(SANTOS, 1994, p.24)
|
Com
esta colocação concluímos que apesar de estarmos
falando de situações sociais distintas podemos
caracterizar cada uma delas como cultura. O
que levamos em conta é a organização da vida
social de cada grupo bem como o seu modo de
administrar ou gerir os aspectos materiais.
Este
primeiro conceito básico de cultura é usualmente
adotado quando nos referimos às falas dos povos
e de realidades sociais diferentes das nossas
e com as quais temos pouco em comum.
Uma
segunda definição básica pode ser aplicada quando
nos referimos particularmente ao conhecimento,
às idéias e crenças e às formas como são evidenciadas
na vida da sociedade. Mas, ainda assim, nos
referimos a uma totalidade de aspectos pertencentes
a um grupo enfatizando o conhecimento e as dimensões
associadas a ele.
"De
acordo com esta segunda concepção, quando
falarmos em cultura francesa poderemos
estar fazendo referência à língua francesa,
à sua literatura, ao conhecimento filosófico,
científico e artístico produzidos na
França e às instituições mais de perto
associadas a eles."
(SANTOS, 1994, p. 25)
|
Santos
(1994, p. 25) ainda considera, como definição
desta segunda concepção de cultura, as culturas
alternativas (lojas de produtos naturais, clínicas
de medicina alternativa etc.), as tendências
de pensar a vida e a sociedade na qual enfatizamos
a natureza e a realização individual quando
temas como ecologia, alimentação, o corpo, as
relações pessoais e a espiritualidade são considerados
como principais.
Ao
considerarmos estas duas concepções é possível
que cultura seja vista como uma realidade estagnada
ou fechada. No entanto, ao estudá-las é que
percebemos claramente os processos de transformação
pelos quais as sociedades passam e entendemos
assim o quão dinâmicas são as culturas humanas.
Desenvolvimento
das preocupações com cultura
A
diversidade dos modos de vida dos povos e nações
é fator essencial quando pensamos em cultura.
Reflexões sobre o assunto foram encontradas
nos escritos de autores da Grécia, Roma
e da China antigas. No entanto, as preocupações
com a cultura desenvolveram-se de forma sistemática
a partir do século XVIII na Alemanha. Até então
a preocupação com esta questão limitava-se aos
pensadores empenhados na interpretação da história
humana, na compreensão da particularidade dos
costumes e crenças e a entender o contexto em
que se desenvolviam.
Este
foi o caminho para que se estabelecessem as
modernas preocupações com cultura. Contudo
a palavra, de origem latina derivada do verbo
colere (que significa cultivar), percorre longo
caminho até adquirir esse sentido.
O
sentido da palavra cultura foi ampliado pelos
pensadores romanos antigos passando a se referir
também ao refinamento pessoal e à educação elaborada
de uma pessoa.
No
século XIX com o predomínio do poder europeu
sobre os demais povos as preocupações com a
cultura tornaram-se ainda mais intensas e generalizadas
como uma questão científica.
Neste
contexto temos que considerar dois aspectos
principais aos quais as preocupações com a cultura
estiveram associadas. Primeiramente no século
XIX a visão não religiosa do mundo e da vida
humana passou a dominar. Até então a visão de
mundo era disseminada a partir da ótica cristã.
Essa ruptura ocorreu pela necessidade do entendimento
da origem e da transformação social e das espécies
de vida. Isso desencadearia o surgimento de
teorias científicas sobre a evolução das espécies.
Portanto, novas formas de conhecimento surgiram
sistematizando as preocupações com a cultura.
Como
historicamente as potências européias expandiam-se,
um segundo aspecto ligado à preocupação com
a cultura foi a necessidade de se conhecer
mais amplamente os povos a serem dominados.
"Nesse
sentido, as preocupações com cultura
contribuíram para delimitar intelectualmente
a posição internacional do Ocidente.
[...]
Assim
a moderna preocupação com cultura nasceu
associada tanto a necessidades do conhecimento
quanto às realidades da dominação política.
Ela faz parte tanto da história do desenvolvimento
científico quanto da história das relações
internacionais de poder. Esta é uma
relação muito íntima. De fato, o próprio
entendimento moderno do que seja uma
nação tem muito a ver com as discussões
sobre cultura."
(SANTOS, 1994, p.31) |
Cultura
e nação
A
Alemanha foi referência para a formalização
do conceito de cultura em função da unidade
política da qual era constituída. A partir disso,
cultura podia ser vista segundo Santos (1994,p.32)
como "expressão de uma nação que não tinha
estado".
No
século XX, nas Américas, de forma diferente
da Alemanha dos séculos anteriores, os debates
sobre cultura traduzem projetos de nação em
Estados como influência da colonização européia
dessas terras.
A
Rússia, no século XIX, continha uma diversidade
de povos e preocupava-se em estabelecer entre
eles uma realidade cultural que se estendeu
mesmo após a revolução comunista de 1917.
Notamos
que, historicamente, a discussão sobre cultura
esteve ligada à questão da nação nas unidades
políticas que queriam definir o que lhes era
próprio, específico, em relação às nações que
dominavam tanto política quanto economicamente.
Assim, no século XVIII, este fato ocorre com
a Alemanha. Neste período a Inglaterra e a França
eram econômica, política e intelectualmente
as nações mais poderosas da Europa. O mesmo
ocorre na Rússia no século XIX e com a América
Latina e os Estados Unidos antes de se tornar
a potência que é hoje.
[...]
"Nestes casos todos a realidade de cada
país foi pensada tendo por referência a cultura
dominante no Ocidente, entendendo-se aí cultura
tanto no seu aspecto material quanto de formas
de conhecimento e concepções sobre a vida e
a sociedade." (SANTOS, 1994, p. 33)
Na
América Latina, inclusive no Brasil, as culturas
anteriores à conquista européia foram consideradas
como "mundos à parte" das culturas
nacionais que se desenvolveram a partir daí.
Sua
contribuição para a formação da cultura nacional
só passa a ser considerada quando fornecem elementos
particulares como nomes, comidas, roupas, lendas
etc. Assim também são tratadas as contribuições
culturais dos imigrantes de outras partes do
mundo bem como dos que foram trazidos como escravos.
"Assim, é comum
que na América latina as discussões
sobre cultura se refiram a uma história
de contribuições culturais de múltipla
origem, as quais têm por pólo de integração
os processos que são dominantes no mundo
ocidental no que concerne à produção
econômica, à organização da sociedade,
à estrutura da família, ao direito e
às idéias, concepções e modos de conhecimentos.
É preciso cautela com essa tendência
a entender países como o nosso como
uma mistura de traços culturais. [...]
o importante para pensarmos a nossa
realidade cultural é entendermos o processo
histórico que a produz, as relações
de poder e o confronto de interesses
dentro da sociedade." (SANTOS,
1994,p.34) |
Preocupações
da cultura
Outras
preocupações estão implícitas quando se discute
cultura. Por exemplo, quando nos referimos à
cultura como sendo oposição à selvageria então
estamos concebendo cultura como marca da civilização.
Durante
os séculos XVIII e XIX as discussões sobre cultura
tentavam distinguir aspectos materiais dos não-materiais
ou entre matéria e espírito de uma sociedade.
Os
conceitos de cultura e civilização passaram
a ser quase sinônimos com o decorrer do
tempo.
"É
importante ainda lembrar que essas discussões
sobre cultura firmaram-se no mesmo período
em que outras abordagens se preocupavam
em estudar criticamente as características
internas da sociedade capitalista, em
estudar as condições para a sua superação
e contribuir para as lutas operárias.
Estudava-se assim a natureza das classes
sociais e sua dinâmica, a expansão do
capitalismo e seus fundamentos. Os dois
planos de estudo, o da cultura e o da
sociedade de classes, andam muitas vezes
separados, mas nada impede que os pensemos
conjuntamente." (SANTOS, 1994,
p. 37) |
Relações
entre as duas concepções básicas de cultura
De
forma geral, duas concepções básicas orientam
há tempos as discussões sobre cultura:
-
uma
trata da totalidade das características
de uma realidade social (preocupação sedimentada
na concepção de cultura e ciência do século
XIX);
-
outra
diz respeito ao conhecimento que a sociedade
- povo, nação, grupo - tem da realidade
e a maneira como o expressam (preocupação
mais antiga herdada da relação de cultura
com erudição e refinamento pessoal).
Quando
relacionamos estes dois conceitos básicos encontramos
a origem da maneira de entender cultura.
Para
definirmos cultura considerando todos os aspectos
de um povo (nação, sociedade) ampliaremos este
conceito de forma pouco operacional. Mesmo assim,
isto pode ser válido quando comparamos sociedades
muito distintas que resultaram de processos
históricos bem diferentes. Contudo, conforme
Santos (1994,p.38) o encontro entre sociedades
assim torna-se cada vez mais raro. Com a interação
entre os povos é comum que estes partilhem características
comuns fundamentais. Analisar culturas
de forma isolada deixa de ser viável pois não
reflete a realidade comum.
[...]
Assim, por exemplo, por mais diferenças
que possam existir entre países como
o Brasil, o Peru, Quênia e Indonésia,
todos eles partilham processos históricos
comuns e contêm importantes semelhanças
em sua existência social, buscam desenvolver
suas economias dependentes, superar
desigualdades sociais internas e atingir
padrões internacionais de qualidade
de vida. É uma situação bem diferente,
vejam bem, dos contatos iniciais da
sociedade inglesa com sociedades nativas
da Oceania ou com reinos da África,
ou da sociedade brasileira com sociedades
indígenas da Amazônia." (SANTOS,
1994, p.40) |
Podemos
dizer também que cultura está associada a outras
preocupações do estudo da sociedade como relações
de poder e a organização social. Sendo assim,
novamente nos deparamos com as duas concepções
básicas de cultura.
[...]
ao falarmos de cultura, nos referimos principalmente
á dimensão de conhecimento de uma sociedade,
mas sempre temos em mente a sociedade como um
todo. (SANTOS, 1994, p. 44)
ENTÃO
O QUE É CULTURA
Não
é possível considerar cultura como um fato isolado,
independente do contexto histórico de
uma sociedade.
"Cultura
é uma construção histórica, seja como
concepção, seja como dimensão do processo
social. Ou seja, a cultura não é algo
natural, não é uma decorrência de leis
físicas ou biológicas. Ao contrário,
a cultura é um produto coletivo da vida
humana. Isso se aplica
não apenas à percepção da cultura,
mas também à sua relevância, à importância
que passa a ter. Aplica-se ao conteúdo
de cada cultura particular, produto
da história de cada sociedade. Cultura
é um território bem atual das lutas
sociais por um destino melhor. É uma
realidade e uma concepção que precisam
ser apropriadas em favor do progresso
social e da liberdade, em favor da luta
contra a exploração de uma parte da
sociedade por outra, em favor da superação
da desigualdade." (SANTOS, 1994,
p.45) |
Atualmente,
as preocupações com cultura relacionam-se à
civilização ocidental. As sociedades de classe
preocupam-se muito mais com as discussões sobre
cultura do que as sociedades tribais. A ciência
vê o mundo com os olhos da civilização procurando
compreender sua dinâmica e seu destino.
Cultura
pode ter um mesmo significado de forma genérica,
quando falamos da dimensão do processo social.
No entanto, têm diferentes significados quando
falamos de cultura numa sociedade indígena brasileira
e numa sociedade primitiva, pois cada
uma delas possui características absolutamente
próprias, mesmo que estejam em constante processo
de mudança ou sofram influência das outras sociedades.
"
[...] cultura é a dimensão da sociedade
que inclui todo o conhecimento num sentido
ampliado e todas as maneiras como esse
conhecimento é expresso. É uma dimensão
dinâmica, criadora, ela mesma em processo,
uma dimensão fundamental das sociedades
contemporâneas." (SANTOS, 1994,
p. 50) |
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|
A
CULTURA EM NOSSA SOCIEDADE |
|
A
diversificação interna é uma das características
das sociedades contemporâneas. Isso ocorre basicamente
pela posição de cada um no processo de produção
ou seja, alguns são proprietários de empresas,
outros são funcionários e assim por diante.
Estas posições originam as classes sociais e
cada uma destas classes tem suas características,
sua forma de viver, seus problemas, sua dinâmica
e suas diferenças no processo todo. Mas ainda
dentro de uma classe social encontramos diferenciações
mais complexas como por exemplo entre trabalhadores
rurais, operários de indústrias e comerciários.
São diferentes estilos de vida, de renda, de
acesso a escolas, hospitais, centros de lazer,
etc. Isso nos permite refletir sobre como a
dimensão cultural em nossa sociedade pode ser
tratada..
"A
nossa questão é discutir o que tem tudo
isso a ver com cultura. Será que cultura
se resume em expressar esses pequenos
mundos? Notem que logo se poderia querer
falar, a partir do exposto acima, na
cultura dos jovens, dos católicos, dos
bancários, das mulheres de classe média.
Ou quem sabe dos jovens bancários católicos,
ou das mulheres de classe média na região
sul na década de 1960. Algumas preocupações
são, contudo, mais freqüentes do que
outras e vamos centrar atenção nelas.
Assim, ao estudarmos cultura no Brasil,
podemos nos preocupar em saber
o que seria a cultura nacional,
ou qual seria a importância dos meios
de comunicação de massa na vida do país,
ou indagarmos sobre cultura das classes
sociais ou sobre a cultura popular."
(SANTOS, 1994, p. 53) |
Popular
x Erudito
No
final da Idade Média, nos Estados nacionais
em formação na Europa, com base no "refinamento
pessoal", cultura passou a descrever as
formas de conhecimento dominantes. Assim a cultura
era medida pelo conhecimento erudito ao qual
somente as classes dominantes tinham acesso.
Em contrapartida a maior parte da população
partilhava de um conhecimento que se supunha
inferior, atrasado, superado e que gradativamente
passou a ser considerado como uma forma de
cultura: a cultura popular.
"As
preocupações com cultura popular são
tentativas de classificar as formas
de pensamento e ação das populações
mais pobres de uma sociedade,
buscando o que há de específico nelas,
procurando entender a sua lógica interna,
sua dinâmica e, principalmente, as implicações
políticas que possam ter."
(SANTOS, 1994, p.54)
|
Ainda
hoje a cultura popular é avaliada com relação
à cultura erudita e esta relacionada às classes
dominantes.
A
polarização entre o popular e o erudito transfere
para a dimensão cultural o que de fato seria
a luta entre classes sociais.
Há
sempre uma preocupação de localizar
marcas políticas quando se opera esse
tipo de polarização entre as duas concepções
de cultura. Nesse sentido, o que se
busca na cultura popular é seu caráter
de resistência à dominação, ou seu caráter
revolucionário em relação a esta. (SANTOS,
1994, P.56) |
Mas
cultura popular pode ainda ser vista como um
universo de saber, independente de formas externas.
Ou seja cultura popular pode ser a expressão
de um grupo social por si mesmo, como manifestação
do seu conhecimento e de seus valores e não
simplesmente como oposição a um referencial
proporcionado pela cultura erudita.
O
popular na cultura
Quando
desconsideramos as posições polarizadas ainda
podemos indagar: o que é popular na cultura?
Seriam os cultos afro-brasileiros? O carnaval?
O futebol? E os sistemas educativo, de saúde
e judiciário são parte da cultura popular?
As
questões citadas estão relacionadas a nossa
vida social e tem diferentes origens históricas.
Assim, há um contraste entre o sistema educativo,
hospitalar e jurídico que são oriundos da Europa
enquanto outras manifestações como o carnaval
ou cultos afro-brasileiros podem ser vistos
exclusivamente como populares.
Mas
e o futebol, oriundo da Inglaterra, pode não
ser considerado popular? Com relação a isto
Santos (1994,p.61) afirma: [...] "Se a
origem do que existe na cultura fosse tão determinante,
o futebol de origem inglesa e introduzido no
Brasil por setores de elite no começo deste
século não teria jamais conseguido a generalização
que tem."
"Da
mesma forma, as instituições dominantes
de origem européia, como as citadas
anteriormente transformaram-se com o
processo de transformação do país, tornando-se
um legado de toda a população. E se
a educação, a saúde, a justiça não atendem
aos interesses de toda a população,
isso não se deve à sua origem, mas às
desigualdades sociais que marcam a nossa
sociedade." (SANTOS, 1994,
p. 62-62) |
Enfatizar
o modo de sentir característico de uma população,
que seja seu patrimônio, é falar de cultura.
Mas falar de cultura de classe pode enfatizar
as relações das classes entre si entendendo
a desigualdade social e o funcionamento do exercício
do poder.
"[...]
O que se pode fazer ao falar em cultura
de uma classe social é procurar
localizar os núcleos mais importantes
de sua existência social, as relações
que definem essa existência, procurando
a expressão cultural deles. Mas essa
é sempre uma preocupação limitada. A
questão é entender a dimensão cultural
da sociedade de classes como um todo,
pois só assim se poderá esclarecer os
significados das várias particularizações
de cultura." (SANTOS, 1994,p.65)
|
De
qualquer forma a cultura tem sua dinâmica própria,
é criativa e mantêm relações fundamentais com
outras dimensões da sociedade. O fundamental
é saber como as particularidades da sociedade
podem ser percebidas no plano cultural.
A
comunicação de massa
As
sociedades de massa constituem as modernas sociedades
industrializadas sobre as quais as instituições
dominantes provêm e criam as necessidades dos
participantes anônimos que formam as multidões.
Essas instituições desenvolvem um processo de
funcionamento para controlar essas massas humanas
levando-as a produzir, consumir e aceitar o
seu destino.
Uma
sociedade com estas características exige mecanismos
culturais adequados para transmitir mensagens
com rapidez e para o maior número de pessoas.
Isso faz com que as massas sejam cada vez mais
homogêneas em sua visão de mundo e sendo assim
mais facilmente manipuladas.
Os
instrumentos mais utilizados seriam o rádio,
a televisão, a imprensa e o cinema.
Chamamos
de "indústria cultural" este setor
específico que tem como finalidade homogeneizar
e nivelar a cultura das massas.
Essa
indústria cultural é uma característica da civilização
mundial atual. Age constantemente e influencia
as populações, de um modo geral, em seu comportamento,
em seu estilo de vida, modos de organizar a
sua rotina, de se vestir, de falar, de escrever,
de sentir e de pensar. Contudo, por mais eficazes
que sejam, não produzem uma massificação tão
intensa a ponto de paralisar totalmente a percepção
de seus consumidores e as relações sociais de
suas vidas. Apesar do poder que os meios de
comunicação possuem as sociedades, internamente,
conservam as suas diferenças mas certamente
que esta cultura está voltada para as massas
é um elemento importante quando nos referimos
a cultura na sociedade moderna. A influência
desta cultura traz conseqüências bastante evidentes
na maneira de ver o mundo das várias camadas
da população.
Mas
é preciso que fique claro que a indústria cultural
e seus processos de homogeneização e controle
das massas são projetos de interesses dominantes
de parte da sociedade contudo, não representam
a cultura dessa sociedade.
CulturA
NaCIONAL
O
conceito de cultura e nação estão relacionados
há tempos.
"[...]
cultura é um conteúdo do que se entende por
nação; a maneira como as nações modernas são
concebidas é indissociável de preocupações com
suas características culturais." (SANTOS,
1994,p.72)
Contudo,
a relação entre esses dois conceitos é ainda
mais ampla. Ambas têm servido como palco dos
confrontos entre as classes sociais e seus interesses.
Também são referências para se compreender as
tendências para a formação de uma civilização
mundial.
"Como
as nações são unidades políticas da
história contemporânea e como temos
entendido aqui a cultura como uma dimensão
do processo social, podemos tranqüilamente
pensar em cultura nacional. Ela é assim
resultado e aspecto de um processo histórico
particular; o modo como se dá o processo
histórico garante que a cultura nacional
assim descrita não seja uma invenção.
É uma realidade histórica, resultado
de processos seculares de trabalho e
produção, de lutas sociais, conseqüência
das formas como a nação se produziu.
A cultura nacional é, portanto, mais
do que a língua, os costumes, as tradições
de um povo, os quais de resto são também
dinâmicos, também sofrem alterações
constantes.
Pode-se,
assim, entender a cultura nacional como
a cultura comum de uma sociedade nacional,
uma dimensão
dinâmica e viva, importante nos
processos internos dessa sociedade,
importante para entender as relações
internacionais." (SANTOS, 1994,p.72-63)
|
E
o que
pode ser
considerado como parte da cultura nacional?
Acreditamos que
toda a dimensão do processo social faz parte
da cultura comum, mas na prática notamos que
não é bem assim.
Consideremos
a cultura brasileira, sobre a qual Santos (1994,
p. 73,74) descreve:
"É
hoje em dia comum que ao se falar em cultura
brasileira se faça referência a certos
comportamentos, os quais sempre dizem
respeito a situações envolvendo desigualdade
social ou política. Supostamente os brasileiros
driblam as regras e exigências dos poderosos
dando um jeitinho, e alguém poderia concluir
que por serem capazes de burlar as relações
de poder não estão muito preocupados em modificá-las.
Essa visão de brasilidade descreve assim uma
realidade estática, desigual, mas que tem mecanismos
próprios de equilíbrio. Há ainda toda uma tradição
de falar no espírito conciliatório do brasileiro,
e
isso sugere
que é sempre possível acomodar os interesses
mais díspares e contraditórios. Notem que para
todas essas definições de brasilidade se pode
encontrar exemplos. Mas não há por que
obscurecer o fato de que as práticas conciliatórias
não querem dizer conversas entre pares, mas
implicam sim o reconhecimento de uma ordem de
poder, de uma hierarquia entre eles. É uma aceitação
de que tanto as posições nessa ordem quanto
a própria ordem não estão, ao menos provisoriamente,
sujeitas a transformação."
Os
exemplos citados podem carregar implicitamente
uma visão conservadora da sociedade, ignorando
as lutas sociais em busca da melhoria da qualidade
de vida para a população.
Ainda
no Brasil, em outras épocas atribuíam-se valores
diferentes aos grupos humanos que formavam
nossa população. Disputava-se de certa forma
a importância do europeu, indígena ou do africano
na formação da cultura brasileira. Sob este
aspecto houve uma grande tendência em se considerar
minimamente a importância das raças africanas,durante
séculos, apesar da sua grande população. Temos
novamente o predomínio de uma visão elitista.
A
discussão para saber qual o conteúdo
de uma cultura nacional implica no atendimento
que se tem sobre sua trajetória. Além
disso a maneira como se vê a sociedade
define a importância que se dá a diferentes
aspectos da dimensão cultural.
É
bom ressaltar que cultura comum não
é um conjunto delimitado de características
pois essa delimitação é um aspecto de
movimentos contemporâneos. Mas não se
pode pensar que a história da sociedade
não seja um aspecto importante para
entender a cultura. Somente a história
de uma sociedade pode explicar sua formação,
suas influências, a relação
dos núcleos sociais e seu desenvolvimento.
A
discussão de cultura sempre remete ao
processo, à experiência histórica. Não
há sentido em ver a cultura como um
sistema fechado. Isso não quer dizer
que não possamos estudá-la. Podemos,
por exemplo, indagar quais os processos
próprios dessa dimensão cultural, como
cada uma de suas áreas e manifestações
se desenvolve, tem sua dinâmica; quais
as instituições a ela ligadas mais de
perto, as concepções nela presentes,
as mensagens políticas que contêm. Podemos
indagar sobre as tendências dessa dimensão
cultural e discutir as propostas para
seu desenvolvimento ou transformação.
A
cultura em nossa sociedade
não é imune às relações de dominação
que a caracterizam. Mas é ingênuo pensar
que, se a cultura comum é usada para
fortalecer os interesses das classes
dominantes, ela deve ser por isso jogada
fora. O que interessa é que a sociedade
se democratize, e que a opressão política,
econômica e cultural seja eliminada.
A cultura é um aspecto de nossa realidade
e sua transformação, ao mesmo tempo
a expressa e a modifica. (SANTOS, 1994,p.79)
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CULTURA
E RELAÇÕES DE PODER |
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Cultura
também pode ser vista como um meio para compreender
as sociedades contemporâneas. Dentro desta discussão
sobre cultura não podemos ignorar as relações
de poder dentro de uma sociedade ou entre elas.
Portanto cultura e poder são conceitos intrinsecamente
relacionados. Sobre isso, Santos (1994, p. 80)
afirma: "[...] a cultura é um produto da
história coletiva por cuja transformação e por
cujos benefícios as forças sociais se defrontam."
Saber
e poder
Por
que relacionar cultura e poder?
É
bom ressaltar que tanto uma quanto o outro se
consolidaram com o processo de formação de nações
quando sempre havia uma classe social dominante.
"As
preocupações com cultura surgiram assim
associadas tanto ao progresso da sociedade
e do conhecimento quanto a novas formas
de dominação. Notem que o conhecimento
não é só o conteúdo básico das concepções
da cultura; as próprias preocupações
com cultura são instrumentos de conhecimento,
respondem
a necessidades de conhecimento
da sociedade,as quais se desenvolveram
claramente associadas com relações de
poder." (SANTOS,1994,p.81,82)
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Atualmente
a preocupação com a cultura é tão evidente que
além de defini-la e entendê-la, há instituições
públicas voltadas a essa questão. Portanto essa
preocupação com cultura faz parte da organização
da própria sociedade.
"É
uma característica dos movimentos sociais
contemporâneos a exigência de que esse
setor da vida social seja expandido
e democratizado. Isso é particularmente
importante quando se considera as mazelas
culturais de um povo como o nosso, como,
por exemplo, o analfabetismo, o controle
do conhecimento e seus benefícios por
uma pequena elite, a pobreza do serviço
público de educação e de formação intelectual
das novas gerações." (SANTOS,1994,P.82)
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Concluímos
portanto que as questões culturais estão próximas
das relações de poder. Cultura freqüentemente
é associada a poder e como instrumento utilizado
como forma de dominação.
Cultura
e equívoco
Por
tudo que já foi colocado, considerando que uma
das muitas formas de se entender cultura
está associada às relações desta com o poder,
verificamos como os interesses que dominam uma
sociedade podem ser beneficiados por formas
equivocadas de se tratar da cultura.
O
relativismo, por exemplo, pode mascarar aspectos
fundamentais das sociedades e da relação entre
os povos quando consideramos o que ocorre numa
cultura está somente relacionado a ela sem levar
em conta o contexto histórico. Desta forma,
todas as demais ocorrências como opressão
e sofrimento serão analisados como relativos.
Pode-se
também ver cultura como realidade estanque capaz
de explicar o comportamento da sociedade como
algo pronto, acabado, imutável, aceitando e
justificando as relações de poder e submissão.
Outro
equívoco é limitar a discussão sobre cultura
considerando as polarizações como a oposição
entre erudito e popular ou mesmo a onipotência
dos interesses dominantes.
"É
importante insistir no entanto em que
o equívoco está na maneira de tratar
a cultura, e nem sempre nos temas e
preocupações que essas maneiras revelam.
Assim, podemos reter da comparação entre
culturas e realidades culturais diversas,
a compreensão de que suas características
não são absolutas, não respondem a exigências
naturais, mas sim que são históricas
e sujeitas a transformação. Da mesma
maneira
vimos que as preocupações com
a cultura popular podem ser resgatadas
se evitarmos a polarização
com o erudito e ressaltarmos
as relações entre as classes sociais,
e que os meios de comunicação de massa
e as instituições públicas de cultura
são elementos importantes da cultura
contemporânea. Quanto à cultura nacional,
não há por que deixar que dela se apropriem
as forças conservadoras da sociedade.
(SANTOS, 1994, p.84)
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Cultura
e mudança social
Apesar
da cultura ser uma produção de cunho coletivo,
seu controle e seus benefícios, nas sociedades
de classes, não pertencem a todos. Este fato
ocorre por que as relações entre os membros
são marcadas por desigualdades expressivas de
modo que as manifestações culturais, da sociedade
como um todo, são direcionadas de maneira a
beneficiar os interesses daqueles que dominam
o processo social. Isso acontece tanto no interior
das sociedades como na relação entre elas e
evidencia a desigualdade no aspecto cultural.
Se
por um lado há interesse de algumas potências
em tornar a cultura de suas sociedades soberana
sobre as demais, como parte de um processo de
domínio, por outro lado a luta contra essa "universalização
cultural" é forma de resistência contra
estas relações por sociedades cada vez mais
interligadas por processos histórico vivenciados
por todos.
De
qualquer modo, considerando todas as teses e
antíteses sobre o tema, é imprescindível não
esquecer que, como cita Santos (1994,p.86):
"[...] num sentido mais amplo e também
mais fundamental, cultura é o legado comum
de toda a humanidade."
Referência
Bibliográfica
Santos,
José Luiz dos. O que é cultura,
14ª ed. São Paulo: Brasiliense,
1994
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