O
que é Sociobiologia
Gláucia
Oliveira da Silva
Sociobiologia
é o estudo do comportamento social encontrado
em várias espécies do mundo animal, incluindo
invertebrados - por exemplo, formigas e abelhas - e
vertebrados - como certos macacos e os homens. Os sociobiólogos
partem do princípio de que o modo de vida gregário
é vantajoso para a adaptação dos
seres ao meio ambiente. Assim, acreditam que cada indivíduo
aja dentro de sua sociedade de forma a aumentar suas
próprias chances de sobrevivência e reprodução,
bem como a de seus "parentes" próximos.
Criada
pelo biólogo Edward O. Wilson, essa disciplina
nasceu nos Estados Unidos, entre o fim da década
de 60 e o início dos anos 70. Tendo como inspirador
Konrad Lorenz, um cientista famoso, desde a década
de 30 por suas pesquisas no campo da etologia - estudo
do comportamento animal -, Wilson publicou em 1975 o
livro Sociobiologia: a nova síntese,
no qual explicitou pela primeira vez os princípios
gerais do que acreditava ser a nova ciência. Professor
de Harvard, Edward O. Wilson fez adeptos que, ao longo
destas décadas, vêm incrementando as idéias
iniciais da sociobiologia; entre eles, é importante
lembrar Richard D. Alexander, Robert L. Trivers, William
D. Hamilton, Wynne-Edwards e Richard Dawkins.
A sociobiologia
surgiu com uma proposta de síntese. Qual seria
esta síntese? Precisamente a de unir dois objetos
que eram estudados separadamente. A sociologia e a antropologia
social tratavam das sociedades humanas, e a biologia,
nas suas várias especialidades, estudava os animais
irracionais, entre outras questões. Os sociobiólogos
começaram a perceber que as sociedades humanas
apresentavam muitos aspectos em comum com os agrupamentos
estudados pelos zoólogos, como as colméias
e os formigueiros. Em resumo, pode-se dizer que a perspectiva
básica desta ciência é a de que
existam leis comuns orientando o comportamento dos homens
e outros animais.
No
Brasil, a ausência de pesquisa nesta área
não se deve apenas aos problemas de ordem social
ou política com que se defrontam os cientistas
brasileiros. Há uma questão de tradição
acadêmica que, tanto aqui quanto nos países
europeus, mantém afastados os domínios
das ciências sociais e biológicas. Nos
Estados Unidos existe o intercâmbio entre biólogos,
de um lado, e sociólogos e antropólogos,
de outro; o que deve ter contribuído para o surgimento
e o desenvolvimento da sociobiologia, inicialmente de
forma tão localizada na academia norte-americana.
O intercâmbio por si só, entretanto, não
garante resultados positivos. Tudo vai depender de como
os pesquisadores se apropriam do conhecimento produzido
nas outras áreas e também do modo como
eles adaptam as idéias específicas da
sua disciplina aos assuntos estudados tradicionalmente
pelos diversos especialistas. No caso dos sociobiólogos,
eles tentam compreender os hábitos culturais
à luz das leis da genética e da ecologia.
A sociobiologia
não é um corpo teórico uniforme,
pois seus participantes divergem algumas vezes na forma
de explicar certos comportamentos, como, por exemplo,
o homossexualismo e a dominação dos homens
sobre as mulheres. Richard Dawkins, eminente sociobiólogo,
vai ser uma espécie de advogado do diabo, sempre
questionando seus colegas mais experientes. Por isso,
ao longo do livro, apresentarei a sua opinião
como uma espécie de contraponto àquela
da maioria dos sociobiólogos.
Durante
a leitura, talvez você duvide da seriedade da
proposta desses cientistas; creia, você não
está só. Além de a sociobiologia
estar baseada em muitas suposições que
não possuem outro suporte senão a convicção
pessoal do pesquisador, há também o problema
dos raciocínios fáceis e simplificados.
Estes, embora muito combatidos e até menosprezados
nos meios acadêmicos, exercem um fascínio
especial sobre o grande público norte-americano.
Tanto é que os sociobiólogos, nos Estados
Unidos, são repetidamente convidados a participar
de programas de televisão.
Considero
pessoalmente preconceituoso e arriscado tratar a sociobiologia
como um delírio, porque, mesmo desprovida de
bases consistentes e científicas, ela acaba falando
ao coração daqueles que querem reencontrar
"sua porção natureza" dentro
desta vida urbana e furiosa que grande parte da humanidade
acabou adotando. Não que os sociobiólogos
sejam necessariamente admiradores da onda ecológica,
que em boa hora chega, mas a ênfase na valorização
do homem como um ser regido por leis naturais cria condições
para que se entenda as duas coisas (sociobiologia e
ecologia) como semelhantes. Ao tentarem mostrar como
o homem é um ser muito mais próximo dos
outros seres vivos do que supõem as ciências,
acabam (me desculpe o trocadilho) encontrando eco em
meio a este alarme ecológico do qual eu mesma
compartilho.
A sociobiologia
tem uma preocupação digna dos maiores
elogios, mas faz um caminho desaconselhável a
quem quer chegar lá. Contudo, para contestá-la,
devemos percorrê-lo e, como os sociobiologistas
são espirituosos e até corajosos quando
expressam livremente seus preconceitos, você pode
confiar que a viagem é agradável.
ALGUNS CONCEITOS DA
BIOLOGIA
Certos
conceitos básicos da biologia, freqüentemente
utilizados pelos sociobiólogos, estão
aqui relacionados. A partir da próxima seção,
a presença de um asterisco lembrará a
você que, em caso de dúvida, encontrará
nesta parte a definição correspondente.
Os
genes são estruturas que se localizam nos núcleos
das células, sendo responsáveis por todas
as informações biológicas necessárias
à constituição de um organismo.
A definição do que seja um gene ainda
é objeto de discussão entre os biólogos,
mas há um certo consenso de que se possa defini-lo
como uma unidade responsável pela fabricação
de uma proteína específica. Ele é
constituído de DNA (ácido desoxirribonucléico),
uma substância que tem o poder de autoduplicação.
É através da capacidade de síntese
protéica que os genes determinam as características
de um ser; e, devido à autoduplicação,
uma célula transmite às suas células-filhas
o mesmo material genético de que dispõe.
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Os
genes estão dispostos em cromossomos,
isto é, filamentos de DNA que, nos núcleos
celulares de muitos organismos, como, por exemplo, o
homem, são encontrados aos pares. O conjunto
de cromossomos de um ser é chamado genoma;
dois cromossomos de um mesmo tipo e, portanto, formando
um par, são denominados homólogos.
Os genes que se situam no mesmo lugar em cromossomos
homólogos, contendo informações
para a mesma característica, são denominados
alelos. O conjunto de genes que, num indivíduo,
rege um caráter, é chamado genótipo;
a interação entre a mensagem contida neste
genótipo e o meio ambiente é chamada de
fenótipo.
Uma
célula pode produzir gametas através
do processo de meiose. Os gametas possuem um
só representante de cada par de cromossomos homólogos.
Esses pares voltarão a ser formados na fecundação
quando um gameta se fundir com outro que também
não tenha pares de cromossomos e, sim, apenas
um representante de cada tipo. Logo, a metade dos genes
do novo ser que se forma na fecundação
é proveniente da mãe, e a outra metade
é herdada do pai. Por este mecanismo um organismo
permanece com o mesmo número de cromossomos que
cada um dos seus progenitores possui.
Existe,
porém um fenômeno conhecido por mutação,
que pode alterar os genes quimicamente e, com isso,
acarretar uma mudança na informação
de determinada característica. Se o caráter
novo, resultante da mutação, vier a aumentar
a capacidade de sobrevivência do organismo ou
sua capacidade reprodutiva; então, esta nova
informação vai se difundir através
das gerações. Caso a mutação
não seja benéfica e reduza as chances
do indivíduo, este gene mutante não tenderá
a se espalhar na população.
As idéias do naturalista inglês Charles
Darwin (1809-1882)têm grande importância
até hoje na biologia. Ele chamou de seleção
natural, ou sobrevivência dos mais aptos, ao processo
de adaptação dos seres ao meio ambiente.
Observou que, em uma população, ou seja,
num grupo de indivíduos da mesma espécie
e que vivem num certo território, há diferenças
genéticas individuais. Conforme o ambiente, certas
características são selecionadas e por
isso aumentam de freqüência entre eles, uma
vez que garantem a seus portadores maior aptidão,
isto é, melhores condições de sobrevivência
e sucesso reprodutivo.
Uma importante forma de seleção natural
é o que Darwin denominou de seleção
sexual, através da qual indivíduos possuidores
de genes determinantes de traços que os tornam
mais atraentes sexualmente deixam maior número
de descendentes. Estes traços podem ser, por
exemplo, cores mais vivas (no caso de borboletas e aves),
cheiro mais ativo (entre percevejos), ou então
habilidade de emitir sons peculiares (cigarras, grilos,
pássaros).
As
mutações ocorrem ao acaso; isso quer dizer
que ao surgir uma nova característica nada indica
de antemão se ela é adaptativa ou não
ao organismo. É o ambiente onde este novo traço
surge que poderá selecioná-lo ou então
extingui-lo. Portanto, para o darwinismo, as novas características
aparecem aleatoriamente e, com o tempo, os indivíduos
que as apresentam são submetidos ao processo
de seleção natural empreendido pelo meio
ambiente. Essa idéia é bem diferente da
que outro naturalista; Jean Baptiste Lamarck (1744-1820),
postulava.
Para
Lamarck, o ambiente induziria a mudanças, criando
no organismo uma "necessidade" de desenvolver
certo traço adaptativo. Há o famoso exemplo
do pescoço das girafas, cuja extensão
explicava-se pelo uso contínuo de esticá-lo
para comer folhas do alto das árvores (lei
do uso e desuso). Ainda segundo Lamarck, esse acréscimo
de comprimento seria transmitido às gerações
seguintes (lei dos caracteres adquiridos).
O lamarquismo está muito desacreditado
entre os biólogos desde que Darwin criou o conceito
de seleção natural. Porém alguns
adeptos da sociobiologia aproveitam as leis de Lamarck
para defenderem suas idéias, como veremos adiante.
Quando
Lamarck e Darwin construíram suas teorias, os
genes eram desconhecidos. A genética -
estudo dos caracteres hereditários e da sua transmissão
veio consolidar as formulações darwinistas
num corpo teórico conhecido por Teoria Sintética.
A ecologia - estudo das relações
dos seres vivos entre si e com seu ambiente - já
nasceu dentro de uma perspectiva evolucionista nos moldes
de Darwin. Os sociobiólogos tomam dela vários
conceitos de empréstimo, sobretudo aqueles concernentes
aos animais gregários, como, por exemplo, os
de colônia e de sociedade.
Colônias
são grupamentos de indivíduos da mesma
espécie unidos fisicamente, e com tal grau de
interdependência que lhes é impossível
viver isolados. Como exemplos, pode-se citar cracas,
corais, caravelas etc. As sociedades são
grupos de indivíduos isolados fisicamente, com
um grau de interdependência bem menor do que aquele
existente entre seres coloniais. Vivem em sociedades
alguns tipos de insetos (abelhas, formigas, cupins e
vespas), mamíferos que andam em bandos, como
os elefantes, lobos, macacos, alguns peixes e aves.
Os animais sociais mantêm uma comunicação
mais intensa entre si do que os não-sociais.
Familiarizados
com esses conceitos, podemos agora saber enfim o que
pensam os sociobiólogos.
A SOCIOBIOLOGIA: ASPECTOS
GERAIS
Para
a sociobiologia dar conta de uma explicação
biologizante das sociedades humanas,isto
é, para explicar as instituições
sociais (casamento, guerra, religião etc.) como
se fossem produto de um condicionamento genético
ou do processo adaptativo de certa população,
ela precisa dos ensinamentos da biologia e da antropologia
social. A predileção dos sociobiólogos
pela antropologia, dentre todas as ciências sociais,
é devido ao fato de ela ter se dedicado ao estudo
dos povos tribais que povoam vários continentes
como África, América e Austrália.
Tais
povos, entre os quais enquadramos as nações
indígenas do Brasil, são ainda considerados
"primitivos" até mesmo por pessoas
esclarecidas, incluindo certos antropólogos.
Mas a grande maioria destes já se convenceu de
que avaliar as sociedades conforme seu grau de evolução
tecnológica é uma maneira tendenciosa
de interpretar os grupos humanos. É, na verdade,
mais um julgamento do que uma tentativa de entender
as várias formas que os homens inventaram para
conviver socialmente.
Os
sociobiólogos acreditam que os povos a que se
denominam "primitivos" podem auxiliar muito
na compreensão das sociedades que prevaleceram
na pré-história. Para eles, é como
se as sociedades tribais fossem uma "sobrevivência"
inalterada - ou quase dos grupos de caçadores-coletores
que existiram nos primórdios da humanidade. Mas
a maioria dos antropólogos afirma que qualquer
sociedade tribal está tão afastada da
Pré-história quanto as sociedades industrializadas
e que o fator diferenciador são seus respectivos
valores culturais; não o acúmulo de tecnologia
em si, já que este constitui um valor cultural
específico e não universal ou obrigatório.
Portanto, fica claro que, relativamente à comparação
entre sociedades tribais e pré-históricas,
apenas alguns antropólogos estão de acordo
com os sociobiólogos.
As
análises da sociobiologia não dizem respeito
somente às sociedades tribais; estendem-se também
às sociedades complexas. A extensão é
decorrência da visão sociobiológica
que considera estas como produtos hipertrofiados daquelas.
Assim, as características mais simples da "natureza
humana" estariam escondidas sob as complicadas
instituições das sociedades industrializadas.
O conceito
de natureza humana é visto com desconfiança
pelos cientistas sociais. O que seria natureza humana?
Um conjunto de instintos? Algumas tendências psicológicas
universais? Hábitos culturais presentes em todas
as sociedades? Você, leitor, pode ter a sua opinião
e cada cientista também, mas o certo é
que atualmente nada além de uma opinião
pode ser expressa sobre o assunto. Atribuir ao termo
natureza humana um status científico é,
portanto, arriscado. E isso é mais uma questão
discutível dentro da sociobiologia, que entende
haver uma natureza humana visível no comportamento
social do homem, sendo que tal natureza o aproxima de
outros animais também sociais.
Exemplificando
o raciocínio dos sociobiólogos, pode-se
mencionar os fenômenos sociais conhecidos como
nacionalismo e racismo. São fatos complexos,
trazendo freqüentemente resultados nefastos para
o mundo, que a sociobiologia acredita constituírem-se
nos descendentes modernos de um tribalismo ancestral.
Explicando melhor, haveria uma origem comum aos movimentos
de defesa da tribo e seu território e os contemporâneos
fenômenos nacionalistas e racistas. Essas manifestações
sociais são comparadas àquelas exibidas
por grupos de mamíferos que vivem em bando e
demarcam seus territórios, agredindo instintivamente
os invasores. A "natureza humana", este conceito
por demais complexo, porque se ignora como e onde se
realiza, acaba sendo uma natureza não-humana,
nada específìca aos homens, passível
de ser encontrada no comportamento animal gregário,
que, para os sociobiólogos, é constituído
por quatro componentes básicos: o altruísmo,
o egoísmo, a agressão e a conduta sexual.
Os
sociobiólogos, entretanto, não concordam
quanto ao peso de cada componente no somatório
geral que é o comportamento. Os seres sociais
são mais altruístas ou mais egoístas?
A sociobiologia se divide para responder à pergunta,
porque esta questão depende da definição
dada pelo cientista sobre como atua a seleção
natural. Há sociobiólogos que consideram
a seleção natural como um agente que opera
sobre o grupo (espécie, população,
parentela): acreditam, portanto, que o altruísmo
seja um importante motivador das condutas sociais. Se
a seleção natural age no sentido de preservar
ou extinguir um grupamento, então os indivíduos,
ao auxiliarem-se altruisticamente, aumentam as chances
de sobrevivência e crescimento de todo o grupo.
Os
que consideram que a única forma de seleção
possível é a individual passam a ver no
egoísmo o móvel básico dos comportamentos
sociais. Os adeptos da seleção do indivíduo
partem do princípio de que a unidade concreta
é o organismo individual. Exemplificando, para
ocorrer uma diminuição ou aumento da taxa
de natalidade de uma população, faz-se
necessário que cada animal individualmente se
reproduza com menor ou maior velocidade. Por isso, sociobiólogos
como Dawkins acham impossível que o meio ambiente
direcione pressões seletivas ao grupo, que seria
um conjunto virtual de indivíduos reais. Acreditam
ainda que os membros de uma sociedade buscam a sua própria
sobrevivência, mesmo que para isto prejudiquem
seus companheiros de espécie. Em outros termos,
pensam que, se a seleção age apenas no
sentido de preservar ou eliminar os indivíduos,
então, cada um deles estará melhor adaptado
à medida que for mais egoísta.
Finalmente,
há os sociobiólogos que concebem a seleção
natural como uma força orientada para o indivíduo,
mas aceitam variações nesta regra e admitem
certas formas de seleção de grupo; embora
enfatizem o egoísmo, criam fórmulas que
englobam também o altruísmo como motivador
do comportamento em sociedade. Pensam que, se a seleção
natural age principalmente sobre os indivíduos,
estes devem ter uma conduta marcada majoritariamente
pelo egoísmo, isto é, pelo autobenefício,
mesmo que isso acarrete o prejuízo dos outros
companheiros; porém, se a seleção
pode atuar também, em casos especiais, sobre
grupos, então, os indivíduos devem se
comportar em certos momentos de forma altruística,
auxiliando outros membros, mesmo que resulte em drástico
prejuízo para o autor do feito beneficiador.
Os
sociobiólogos concebem os genes como controladores
do comportamento social e, por isso, da organização
e do funcionamento das sociedades. É comum considerarem
as condutas e os hábitos das sociedades como
fenótipos. Mas uma característica genética
não é algo imutável. A sociobiologia
aceita que o comportamento seja influenciado pelos estágios
da vida do indivíduo, pela densidade populacional
e pelo meio ambiente. Por exemplo, uma sociedade pode
ter o índice de agressividade entre seus membros
aumentado em momentos de escassez de alimento, provocada
tanto por fatores ambientais quanto pela explosão
demográfica; como também um indivíduo
é capaz de tornar-se bastante agressivo numa
fase especial de sua vida que é a adolescência.
Logo, conclui a sociobiologia, a organização
social, bem como o comportamento são passíveis
de serem tratados como "órgãos"
de alto valor adaptativo.
Admitindo
que os genes estão por trás das condutas
sociais, a maioria dos sociobiólogos neutraliza
a oposição entre inato e adquirido. A
idéia, comum entre os geneticistas, de que todo
o caráter geneticamente determinado traz na sua
expressão uma dimensão do meio ambiente,
está na base da definição de fenótipo.
A altura de um indivíduo, por exemplo, é
o resultado da expressão do seu genótipo,
sob a influência de um certo ambiente (que inclui
alimentação, exercícios físicos,
agentes patogênicos etc.). Os sociobiólogos
aproveitam este viés e negam uma dicotomia entre
comportamentos inatos e adquiridos, postulando uma interação:
toda conduta reflete determinação genética
e influência ambiental.
Os
sociobiólogos criticam, então, tanto geneticistas
de renome, que negam a ação dos genes
sobre os hábitos culturais, quanto certas correntes
da psicologia que reduzem o comportamento humano (incluindo
aí práticas sociais) a respostas condicionadas
ao ambiente e desprezam a bagagem genética. Para
a sociobiologia, as semelhanças comportamentais
entre o homem e outros mamíferos, especialmente
os primatas - a agressividade, o controle das fêmeas
pelos machos, os cuidados paternais prolongados, a territorialidade,
entre outras -, servem como evidências de que
há um componente genético nas condutas
sociais das espécies.
Os
sociobiólogos não acreditam que a grande
diversidade das formas sociais humanas possa invalidar
a sua pressuposição de que os genes estão
por trás dos padrões culturais de comportamento.
Apenas uma minoria entre eles desconfia da possibilidade
de uma sociobiologia aplicada ao homem. Eles explicam
que a alta variabilidade dos costumes mostra a função
adaptativa da cultura em relação ao meio
ambiente. Atribuem a possibilidade da variedade apresentada
pelas culturas às condutas individuais. Os genes
que promovem tal maleabilidade do comportamento social
sofrem os efeitos da seleção natural,
atuante sobre o organismo individual, garantindo à
espécie humana suficiente potencial de sobrevivência.
Ilustrando,
a sociobiologia acredita que, se o cérebro cresceu
sob a pressão da seleção natural,
então, opiniões estéticas e morais
podem ter sua origem neste mecanismo adaptativo. Em
outros termos, partindo-se da hipótese amplamente
aceita pelos biólogos segundo a qual o ambiente
favoreceu a sobrevivência dos homens primitivos
dotados de cérebros mais complexos e, logo, mais
hábeis e inventivos, então algumas normas
morais e estéticas podem ter sido mantidas por
serem úteis à preservação
da humanidade como espécie. Contudo, mesmo se
a sociobiologia tivesse como provar a existência
desse mecanismo, não há evidência
nenhuma de que existam idéias ou costumes determinados
por genes.
Os
sociobiólogos criticam a prática comum
às ciências sociais de criar uma ruptura
entre as sociedades humanas e as de outros animais.
Tal corte seria nada mais do que um vício antropocêntrico
que impediria a assunção da existência
de dispositivos naturais determinantes dos mais diversos
costumes culturais. Eles lembram que não só
os homens, mas também os chimpanzés têm
capacidade de simbolização, possuindo
estes uma "cultura rudimentar" que inclui
o uso de ferramentas e invenção - transmissão
- de técnicas. Comparam as sociedades humanas
com as das formigas, insistindo que entre estas há
presença da linguagem, da ética, do canibalismo,
da cosmologia, dos cuidados com a prole, das creches
comunais e da utilização de calendários.
Os
sociobiólogos comparam também costumes
da Índia pré-colonial e algumas espécies
de aves e mamíferos. Observam que a hipergamia,
isto é, a prática feminina do casamento
com homens das camadas mais ricas da sociedade, bem
como a prática do infanticídio feminino
nas castas mais altas eram tão comuns na Índia
quanto, entre aves e mamíferos, é banal
machos grandes e saudáveis acasalarem-se com
maior freqüência do que os menores e mais
fracos. Consideram duas formas de ascensão social,
baseadas na seleção natural, ou seja,
vencem e reproduzem-se os mais aptos.
A sociobiologia
tem motivos para acusar os cientistas sociais de antropocentrismo,
pois eles realmente não levam em conta que o
homem é regido também por leis biológicas.
Os sociobiólogos, na ânsia de superação
do antropocentrismo, acabam tornando-se descuidados
com o uso de conceitos. E não se pode deixar
de considerar que entre um organismo biológico
e uma sociedade, tal como a humana, existe muita diferença.
Ocorre que se atribui o termo canibalismo, tanto ao
ato de uma formiga devorar outra quanto ao fato de,
em certas sociedades tribais, realizar-se a ingestão
ritualizada de seres humanos. Contudo ambos os procedimentos,
englobados sob o mesmo título, não possuem
as mesmas razões: explicando-se o canibalismo
entre formigas, escusa-se entender esta prática
entre os homens e vice-versa.
A seguir,
veremos exemplos utilizados pelos sociobiólogos
na ilustração de suas convicções
acerca dos modos de atuação da seleção
natural.
O CASO DO GENE EGOÍSTA
Como
já foi dito, a sociobiologia abriga três
correntes de opinião diversas sobre como age
a seleção natural. Vários tipos
de condutas entre os animais são lembrados pelos
adeptos da seleção de grupo para ilustrá-la.
Pensam que somente esta forma de seleção
poderia ser capaz de explicar o funcionamento de sociedades
de insetos como, por exemplo, uma colméia, onde
há apenas uma fêmea fértil, denominada
rainha, e um altíssimo número de fêmeas
estéreis (operárias), que, altruisticamente,
dedicam-se de maneira plena aos cuidados com a reprodutora
e as larvas em desenvolvimento nas celas. Em termos
genéticos e fisiológicos, rainha e operárias
têm o mesmo potencial reprodutivo; o que determina
a fertilidade é uma superalimentação
que só a primeira obtém, graças
aos esforços das outras. As operárias,
embora estéreis, são fundamentais pelo
seu altruísmo à manutenção
da colméia como um todo.
Para
os partidários da seleção de grupo,
o grau de benefício rendido ao grupo só
pode ser explicado por esse tipo de relação
altruísta; é o que ocorre, por exemplo,
entre aves e mamíferos: um indivíduo,
ao perceber a presença de um predador, lança
um grito de aviso aos companheiros próximos,
arriscando-se a ser presa fácil, já que,
com o gesto, chamou a atenção do inimigo
sobre si. Argumentam também que a seleção
de grupo favorece as populações em que
as fêmeas ajustam suas taxas de natalidade de
modo que a reserva de alimento não fique ameaçada.
Mas essas hipóteses caíram no descrédito
à medida que outras explicações
foram sendo dadas para os mesmos fenômenos, buscando
evidenciar a seleção individual. Os adeptos
desta última formularam uma pergunta que atrapalhou
seus oponentes: como os genes para altruísmo
se espalham numa população se seus portadores
são os mais sacrificados?
O sociobiólogo
R. Dawkins considera que os genes alelos são
rivais e que competem pela sobrevivência. Ele
considera os genes como partículas egoístas
porque criam estratégias para aumentar sua proporção
no conjunto de genes da população. Os
genes são potencialmente imortais, e o indivíduo,
sua "máquina de sobrevivência",
passa a ser encarado como uma confederação
efêmera de genes duradouros. Este indivíduo
é o veículo através do qual os
genes se propagam. As células e os cromossomos
também são seus veículos, mas é
o organismo individual que pode ser considerado o mais
coerente e importante unidade de seleção.
Este cientista pondera que uma população
não é uma unidade suficientemente isolada
de outras para sofrer uniformemente a seleção
natural, e nem é estável o bastante para
ser selecionada em detrimento de outra população.
Todos
os fatos explicados pelos defensores da seleção
de grupo, segundo Dawkins, também podem ser interpretados
à luz da sua teoria do gene egoísta. Por
exemplo, as fêmeas que possuem a capacidade de
regular suas taxas de natalidade estariam longe de abdicar
altruisticamente de ter um maior número de filhotes,
para assegurar o bem-estar e a possibilidade de sobrevivência
da população num ambiente superpovoado.
Estariam antes maximizando o número de filhotes
sobreviventes que venham a ter, evitando assim a exploração
excessiva de suas possibilidades. Em outros termos,
evidencia-se que seria um desperdício chocarem
muitos ovos se a possibilidade de sobrevivência,
em condições de escassez de alimento,
decresce.
Para
Dawkins não existem atos altruístas. O
exemplo do indivíduo que se arrisca ao dar o
grito de alerta também é questionado por
ele, uma vez que vários estudos mostraram que
o som emitido tem propriedades acústicas que
o tornam altamente perceptível pelos organismos
da mesma espécie é muito pouco detectável
por seres incapazes de emiti-lo.
Um
dos grandes problemas dos sociobiólogos é
explicar como os animais (racionais ou não) desenvolveram
uma percepção tão fina e sofisticada
das alternativas de maximizar sua sobrevivência
e reprodução. Dawkins discute a questão
a partir da teoria denominada "Estratégia
Evolutiva Estável" (EEE), segundo a qual
os animais seriam organismos aptos a fazer avaliações
simples de situações de vida, tais como
acasalamento e disputa por comida ou território,
levando em conta os possíveis benefícios
e prejuízos resultantes das condutas adotadas.
Dawkins não quer dizer que seja um processo consciente,
mas sim geneticamente determinado. Exemplifica ricamente
a idéia com tipos de ordens codificadas no genótipo
e que poderiam desencadear um comportamento maximizador
no animal, sem que isto seja um procedimento consciente.
Um deles é o da disputa conhecida por guerra
de desgaste, onde os rivais não se agridem, apenas
mantêm-se firmes fitando o oponente até
que ele desista. Dawkins, em seu livro O gene egoísta,
ilustra:
“Nenhum
animal, obviamente, pode-se permitir gastar um tempo
infinito ameaçando. Há coisas importantes
a fazer em outro lugar. O recurso pelo qual ele está
competindo talvez seja valioso. (...) O tempo é
a moeda corrente deste leilão de dois licitantes.
‘Obviamente é de importância vital
na guerra de desgaste que os indivíduos não
dêem indicação de quando desistirão.
Qualquer um que revelasse pela mais leve agitação
de uma vibrissa que estava começando a pensar
em entregar os pontos teria um instante de desvantagem.
Se o agitar de uma vibrissa, por exemplo, fosse uma
indicação confiável de que a retirada
se seguiria dentro de um minuto, haveria uma estratégia
de vitória muito simples: se as vibrissas de
seu oponente se agitarem, espere mais um minuto, independente
de quais sejam seus planos prévios sobre desistência.
Se as vibrissas de seu oponente ainda não se
agitaram e falta um minuto para o instante no qual você
pretende desistir de qualquer forma, desista imediatamente
e não perca mais tempo. Nunca agite suas próprias
vibrissas'. A seleção natural, assim,
rapidamente puniria o agitar de vibrissas e quaisquer
indicações análogas de comportamento
futuro. A expressão impassível evoluiria”.
Dawkins
construiu um modelo explicativo, com base matemática,
para um tipo de comportamento ditado geneticamente.
Mas esta explicação parte do princípio
de que a lógica da natureza é a mesma
do empresário capitalista. Assim, os animais
não podem perder tempo, que seria a "moeda
corrente" no jogo dos seres vivos. Este esquema
só faz sentido se admitirmos que a natureza opera
segundo uma lógica parecida com a das sociedades
industrializadas. E se os organismos não forem
esses maximizadores por excelência, que estão
sempre tentando ganhar tempo, procriar e se alimentar
em condições ótimas para obter
os melhores resultados? Neste caso, o modelo de Dawkins
é falho.
ABELHAS OPERÁRIAS:
EXEMPLO DE ALTRUÍSMO?
 |
Muitos
sociobiólogos, mesmo acreditando que o egoísmo
seja a base mais importante do comportamento social
e considerando a seleção do indivíduo
a força motriz da evolução, acabam
explicando a conduta dos membros de uma colméia
como um caso de altruísmo favorecedor da seleção
de grupo. A exceção feita às abelhas
está justificada por dois conceitos: o de aptidão
inclusiva e o de seleção de parentes;
ambos aplicados às sociedades de insetos e, posteriormente,
às humanas.
Para
uma definição da aptidão inclusiva,
é importante que se tenha em mente que o conceito
de aptidão genética, utilizado na biologia,
refere-se à chance de um indivíduo ter
seus genes representados, em proporção
maior, na geração seguinte à sua.
É, em outras palavras, a vantagem diferencial
de um indivíduo sobre outros, devido às
suas características hereditárias. A aptidão
inclusiva é a aptidão de um indivíduo
juntamente com a influência dessa mesma aptidão
sobre seus parentes que não sejam seus descendentes
diretos. Segundo este raciocínio, a aptidão
inclusiva é a motivação do altruísmo
entre parentes. Considere-se que, para o ego, vale a
pena ser altruísta com seus parentes porque eles
transmitirão cópias de seus genes.
Os
biólogos, apoiando-se em cálculos estatísticos,
sabem que um indivíduo compartilha metade de
seus genes com sua mãe e outra com seu pai. Para
o irmão desse indivíduo podemos raciocinar
da mesma forma e concluir que irmãos compartilham
em média metade de seus genes. A quantidade de
genes compartilhados por dois parentes é denominada
coeficiente de parentesco. Entre irmãos e entre
pais e filhos, ele é de 1/2. Entre um tio e seu
sobrinho, é de 1/4, entre primos de primeiro
grau, 1/8, e entre primos de segundo grau, é
de 1/16. A seleção de parentes age, segundo
os sociobiólogos, aumentando as chances de um
indivíduo que é altruísta com seus
parentes, já que a transmissão de seu
conjunto genético pode ser feita também
por eles. Por exemplo, arriscar a própria vida
em prol de mais de dois irmãos ou mais de quatro
primos de primeiro grau pode ser muito vantajoso do
ponto de vista da seleção natural, porque
é um meio de preservar a própria herança
genética.
Entre
as abelhas, devido à forma de reprodução
dos insetos sociais, as fêmeas são muito
mais aparentadas com suas irmãs (3/4) do que
com sua mãe e virtuais filhas (1/2). Geneticamente
é mais vantajoso que as operárias reúnam
esforços para auxiliar sua mãe (rainha)
a produzir mais irmãs do que apostarem na própria
reprodução. Pelo menos é o que
afirmam os sociobiólogos que explicam pelo altruísmo
o funcionamento da colméia.
Todos
esses cálculos, rigorosamente certos, vistos
de uma ótica matemática, são altamente
criticáveis quando utilizados para explicar o
comportamento humano. A sociobiologia faz grande confusão
entre relações biológicas e relações
de parentesco. Mas neste ponto a antropologia social
pode ajudar a desfazer o mal-entendido.
 |
Os
antropólogos sabem que cada sociedade humana
possui uma forma de designar e tratar aquelas pessoas
que consideram "parentes", isto é,
relacionadas através de vínculos específicos.
Nem sempre esta forma coincide com os laços biológicos,
o que não quer dizer que este sistema de organizar
a parentela seja falso. Significa apenas que os critérios
considerados para a determinação de quem
são parentes variam. Um exemplo clássico
é o da diferenciação feita em algumas
sociedades tribais entre primos cruzados (ou seja, filhos
do irmão da mãe e filhos do irmão
do pai) e primos paralelos (filhos do irmão do
pai ou da irmã da mãe). O casamento entre
primos cruzados é aconselhado; entre primos paralelos
é proibido, por ser considerado incestuoso. Do
ponto de vista genético, que é a base
para a determinação do parentesco na sociedade
ocidental, não há sentido em se classificar
de incestuosa a ligação de alguém
com a filha do irmão de seu pai, ao mesmo tempo
em que se aprova o casamento desta mesma pessoa com
a filha do irmão de sua mãe. Esta distinção,
porém, garante o bom funcionamento de tais sociedades.
Enquanto
os antropólogos admitem que os laços de
parentesco são construídos socialmente,
podendo ou não haver coincidência com as
relações genéticas, os sociobiólogos
só levam em consideração os vínculos
biológicos, os quais denominam "verdadeiros".
Assim, sem discernir o parentesco, como algo socialmente
estipulado, das ligações genéticas
existentes entre seres humanos, a sociobiologia aplica
o raciocínio desenvolvido para explicar as abelhas
em uma colméia às sociedades tribais;
aqui, a solidariedade entre parentes próximos
passa a ser vista como um mecanismo geneticamente determinado
visando à sobrevivência frente às
pressões seletivas do meio ambiente.
Dawkins,
por exemplo, critica os antropólogos e estudiosos
do parentesco em sociedades tribais porque, segundo
ele; não se restringem ao parentesco "verdadeiro"
(ou seja, biológico) e terminam por levar em
consideração as explicações
nativas, desenvolvendo proposições "subjetivas"
a respeito delas. Critica também aqueles colegas
que interpretam o comportamento dos insetos sociais
como altruísta. Para ele um ato de altruísmo
é sempre fachada para uma perspectiva egoísta
inerente aos genes. Uma conduta altruísta em
relação a um não-parente pode ser
visto ou como produto do reconhecimento de que o indivíduo
ajudado possui genes altruístas (o que só
pode ser admitido se tal indivíduo tiver sido
observado praticando um benefício anteriormente);
ou como resultado de uma avaliação baseada
na maximização, conforme o que preconiza
a EEE. Como para Dawkins a seleção de
grupo não existe, considera que a seleção
de parentes é a aparência do egoísmo
genético. Acha que a reciprocidade entre abelhas
e entre quaisquer seres não ocorre em prof da
"família", mas visando à manutenção
de alguns genes no conjunto genético da espécie.
Aos
sociobiologistas como Dawkins, que não acreditam
existir um mecanismo natural altruísta puro,
sem que se espere recompensa, fica difícil explicar
um comportamento como a adoção, prática
difundida entre vários animais. Para isto, ele
tem duas explicações possíveis:
a primeira seria a de que as mães adotivas estariam
se beneficiando ao adquirirem prática na arte
de criar prole; a segunda, que parece ser a que mais
o satisfaz, é a de que seria a adoção
uma falha, mas um erro que ocorre tão raramente
que a seleção natural se "preocupou
em mudar a regra".
Apesar
de Dawkins divergir muitas vezes de seus colegas, ele
parte de premissas bem aceitas entre os sociobiólogos.
Para exemplificar, vamos retomar aquela crítica
direcionada aos antropólogos que estudam o parentesco.
Dawkins reclama que a antropologia leva a sério
distinções nativas entre primos cruzados
e paralelos que, a seu ver, são subjetivas. O
que para ele é subjetivo, para os antropólogos
é cultural. É a cultura de cada povo que
torna as sociedades diferentes uma das outras e faz
do termo humanidade algo tão complexo de ser
definido e impossível de ser julgado na sua totalidade
sem que se cometam injustiças.
Considerar
verdadeiro o sistema de parentesco baseado nos laços
biológicos, englobando outras formas se conceber
a parentela como falsas, porque não apóiam
nos critérios estabelecidos pela biologia, é
a visão típica de quem ainda aceita o
conhecimento científico como a única fonte
de verdade possível. A antropologia tem aprendido
humildemente que outros povos desenvolveram formas de
pensar e entender o mundo diversas daquela a que estamos
acostumados chamada sociedade ocidental. Essas formas
nada têm de científicas, mas são
válidas para as populações nas
quais são aceitas como verdadeiras; será
uma atitude científica menosprezá-las?
O EGOÍSMO ESCLARECIDO
Em
sociobiologia, denomina-se manipulação
parental ao conjunto de mecanismos desenvolvidos pelos
pais para forçar um filho a ter um comportamento
altruísta em relação a seus irmãos.
Entre os exemplos, é mencionada a prática
do canibalismo, tanto em vertebrados superiores (nos
quais os filhos raquíticos são devorados
pelos irmãos mais saudáveis ou pela mãe
que, amamentando, distribui entre os filhotes a matéria
daquele que foi devorado), quanto entre seres humanos,
mais exatamente os aborígines australianos que
"sacrificam caçulas para alimentar os mais
velhos". O filósofo e simpatizante da sociobiologia
Michael Ruse faz um interessante comentário sobre
esta forma de canibalismo; afirma que há uma
contradição em se chamar de altruísta
um comportamento obtido sem espontaneidade por parte
do sacrificado. Tanto o caso dos filhotes raquíticos
que servem de alimento aos saudáveis quanto o
costume atribuído aos aborígines não
exemplificam situações altruístas.
Outro
exemplo de manipulação parental, que os
sociobiólogos usam sem constrangimentos, seria
o que afirmam ocorrer em meios rurais de vários
países, nos quais a família, para evitar
o desmembramento de uma fazenda, insiste com os filhos
mais novos para desistirem da sua parte, induzindo-os
a não se reproduzir e levando-os a seguir carreiras
sacerdotais. Uma outra maneira de evitar a reprodução
dos filhos seria a indução (inconsciente)
destes pelos pais ao homossexualismo.
Além
dessas formas de altruísmo um tanto forçado,
há também na sociobiologia o que se convencionou
chamar de altruísmo recíproco, que significa
a troca, realizada com um intervalo de tempo determinado
entre a primeira ação beneficiadora e
a segunda, de atos altruístas entre dois indivíduos.
Também denominado egoísmo esclarecido,
essas atitudes são encontradas, por exemplo,
entre pombos, quando catam parasitas da pele de um companheiro,
ou entre pessoas, numa situação de afogamento,
quando uma salva outra na expectativa de que, se a situação
fosse a inversa, receberia o mesmo tipo de ajuda.
Na
sociobiologia parece haver uma regra que atribui a cada
filho altruísta um pai egoísta. Pelo menos
é o que sugere o conceito conhecido por investimento
parental. Sob este título compreendem-se as condutas
que são dirigidas à prole a fim de proporcionar
um aumento tal das suas chances de sobrevivência,
que compense o fato de o progenitor não estar
cuidando de uma outra prole virtualmente seguinte àquela.
Geralmente são as fêmeas que investem mais
desde a concepção. De acordo com a sociobiologia,
o investimento parental pode explicar a grande aversão
do homem à esposa adúltera, observada
"inclusive entre povos primitivos como os bosquímanos
do Kalahari e aborígines australianos",
justamente pelo fato de não ser interessante
investir numa prole que não carregue seus genes.
Por outro lado, há vantagem para o homem que
foi o motivo do adultério porque poderá
aumentar sua descendência sem investimento.
Dawkins
afirma que a hipótese do investimento parental
é consistente com sua proposta de gene egoísta.
Nessa ótica, analisa a menopausa como um fenômeno
benéfico para a difusão do genótipo
de uma fêmea porque, se ela orientasse toda a
sua vida para reprodução, o organismo
envelhecido começaria a utilizar óvulos
desgastados, e conseqüentemente produzir filhotes
defeituosos, não valendo a pena tal investimento.
Assim, as avós que cuidam de seus netos estão
somente praticando uma forma de investir em seus próprios
genes muito mais vantajosa do que continuar engravidando.
O desmame
também integra o conjunto de casos das condutas
classificadas como investimento parental porque é
considerado uma etapa na vida da mãe e do filhote
caracterizada pela avaliação de que amamentar
não é mais proveitoso, em termos de manutenção
de seus próprios genes. O desmame permite à
mãe reiniciar novo período reprodutivo
e, ao filho, alimentar-se adequadamente às novas
condições físicas impostas pelo
crescimento de seu organismo.
A interrupção
do aleitamento, mesmo sendo positiva, nesta etapa, para
ambas as partes, provoca conflitos porque em geral o
filhote não aceita de bom grado o desmame. Dawkins
explica que os filhos tendem a ser egoístas,
exigindo muitas vezes dos pais mais do que precisam
na realidade; lembra que este comportamento é
adaptativo; e acrescenta que, se há uma moral
humana a ser estabelecida e se ela inclui o altruísmo,
deve ser ensinada, já que não se pode
esperar comportamentos altruístas determinados
geneticamente.
A natureza,
tal como ela é percebida pelos sociobiólogos,
não determina apenas os conflitos entre pais
e filhos ou entre irmãos que competem pelos cuidados
dos pais. Há disputas entre os parceiros sexuais
também, embora se revele uma tendência
à cooperação, uma vez que tanto
o pai como a mãe estão interessados no
bem-estar das (diferentes) metades genéticas
que compõem cada uma de suas crias. A fêmea
investe geralmente mais do que o macho em sua prole;
a começar pelo tamanho do gameta, pois os óvulos
são bem maiores que os espermatozóides.
Aliás, para Dawkins esta é a base do que
se convencionou chamar de "dominação
masculina sobre as mulheres". As fêmeas de
mamíferos, uma vez que investem durante meses
pesadamente na prole, preferem continuar a fazê-lo
após o nascimento, para ter seu esforço
compensado e os benefícios genéticos.
O macho, tendo participado apenas com células
diminutas, perde muito menos se deixar a prole jogada
à própria sorte.
Toda
esta argumentação leva Dawkins a criar
dois modelos explicativos, para os conflitos que admite
existirem entre parceiros sexuais, que recebem títulos
bem descontraídos: o da falsa tímida,
protagonizada pelas fêmeas, e o do machão,
obviamente desempenhado pelos machos.
Se
o mais interessante do ponto de vista genético
é reproduzir o máximo possível,
os cuidados com a prole serão uma "perda
de tempo" para ambos os pais e, como muitas vezes
torna-se impossível para a fêmea (sobretudo
entre aves) cuidar da prole sozinha, é interessante
para ela conseguir a ajuda do macho. A técnica
da falsa timidez, caracterizada pela não aceitação
imediata do macho, vem justamente para que, através
da exigência de um período longo de corte,
a fêmea possa avaliar quão "paciente"
é o seu parceiro. Quanto mais paciente ele for,
mais provável que ele esteja disponível
ao auxílio com a prole. Isso requer que o macho
tenha ambos os potenciais geneticamente determinados
e que, pela seleção natural as unidades
genéticas condicionadoras de ambos os comportamentos
(disponibilidade para a corte demorada e para o cuidado
com a prole) estejam sempre juntas no organismo.
A técnica
do machão está ligada ao conceito de seleção
sexual criado por Darwin. Dawkins interpreta essa idéia
à luz da teoria do gene egoísta, afirmando
que a fêmea escolhe os melhores genes para associá-los
aos seus. Portanto, os machos mais viris, que lutam
bem com seus rivais, ou os mais exuberantes, que levam
vantagem sobre os outros por chamarem a atenção
do sexo oposto com detalhes físicos atraentes,
deixam maior prole justamente porque são preferidos
pelas fêmeas.
COMPORTAMENTO SEXUAL
E COMPORTAMENTO AGRESSIVO
 |
Segundo
a sociobiologia, se vale a pena para os machos serem
agressivos com seus rivais e volúveis em relação
às fêmeas, tentando assim maximizar sua
prole através de várias parceiras, para
as fêmeas, a conduta mais vantajosa é a
do acanhamento, através da qual tentam discriminar
os machos mais volúveis dos mais dispostos à
solidariedade. Esse modelo é estendido à
espécie humana na qual os sociobiólogos
acreditam haver dois tipos de temperamentos associáveis
aos dois sexos: as mulheres seriam passivas e menos
agressivas do que os homens por uma questão física,
o que explicaria a denominada "dominação
masculina universal".
Como
já foi comentado, Dawkins prefere compreender
esta dominação tão difundida a
partir da idéia de investimento parental. Ele
afirma que, se a fêmea investe mais, não
pode ser muito volúvel. Observa também
que não se deve estender mecanicamente características
das sociedades naturais às humanas porque há
certas inversões entre as duas, pelo menos no
que diz respeito aos papéis masculino e feminino.
Exemplifica comentando que, na natureza, o macho é
mais vaidoso e mais vistoso do que a fêmea, enquanto
os homens (em geral) são menos vaidosos que as
mulheres; além disso, na natureza, as disputas
ocorrem entre machos por uma fêmea, mas, entre
os homens ocidentais modernos, estes tornam-se o sexo
procurado, ainda que o espirituoso Dawkins declare não
saber o motivo disso.
Outra
hipótese amplamente aceita na sociobiologia,
mas que os próprios sociobiólogos observam
que está alicerçada em bem poucos fatos,
é que a "família humana" (presumivelmente,
trata-se da família monogâmica) teve sua
origem na adaptação a condições
ambientais peculiares. Esse pressuposto fundamenta-se
no comportamento de alguns primatas (sagüis e gibões)
que se organizam em grupos familiares superficialmente
parecidos com os da espécie humana. Pares de
adultos acasalam-se para toda a vida e cooperam para
criar a prole até à maturidade. Os zoólogos
acreditam que os ambientes especiais das florestas,
nos quais essas espécies habitam, conferem vantagem
de sobrevivência aos que partilham de vínculos
sexuais duradouros e da estabilidade familiar. A união
monogâmica, na sociobiologia, é vista como
fruto de um mecanismo de altruísmo recíproco
entre os membros de um casal. Parte do princípio
de que era vantajoso que cada mulher do bando de caçadores
assegurasse a lealdade de um homem que contribuiria
com carne e peles, ao mesmo tempo em que compartilharia
o trabalho de criação dos filhos. Deve
ter sido reciprocamente vantajoso para cada homem obter
direitos sexuais exclusivos sobre uma mulher e monopolizar
sua produtividade econômica.
Dawkins
admite que possa existir uma base genética para
a promiscuidade dos homens e a monogamia das mulheres,
já que isto é plenamente previsível
do ponto de vista evolutivo, ou seja, é compreensível
pelas suas hipóteses do "machão"
e da "falsa tímida". Mas afirma que,
para essas tendências vigorarem ou não
em certa sociedade, detalhes culturais e ecológicos
influenciarão decisivamente.
Também
encontra ressonância entre os sociobiólogos
a idéia de que o tabu do incesto traz vantagem
adaptativa. Acreditam que haja uma exclusão automática
dos vínculos sexuais entre indivíduos
que previamente compartilhavam de outros tipos de relações
em que permaneciam juntos durante muito tempo. Surge,
então, o que chamam de sentimento visceral de
repulsa ao incesto. A origem deste sentimento estaria
nos resultados nefastos (filhos defeituosos) de casamentos
incestuosos. Com o tempo, a observação
de que o endocruzamento não era proveitoso do
ponto de vista da seleção natural, já
que originava descendentes pouco aptos, passou para
o plano inconsciente, e a repulsa psicológica
se transformou na explicação objetiva
para o tabu.
Para
Dawkins, devido a maior participação das
fêmeas no cuidado com os filhos, deve-se esperar
que elas sejam mais rígidas na observação
do tabu do que os machos, uma vez que, para elas, seria
um prejuízo ainda maior do que para os parceiros
investir numa prole defeituosa. Então, raciocina
que geralmente sendo o autor da iniciativa o parceiro
mais velho, o incesto entre pai e filha deve ser mais
comum do que entre mãe e filho.
O antropólogo
francês Claude Lévi-Strauss estudou a fundo
o problema do incesto. Ele discorda totalmente da visão
que defende o tabu do incesto como conseqüência
da observação de seus resultados prejudiciais,
conforme acreditam os sociobiólogos. Entre os
australianos, há uma rica coleção
de crenças que previam monstruosidades na descendência
dos que desrespeitassem o tabu. Porém, eles não
classificavam o casamento entre tio-avô e sobrinha-neta
como incesto e, portanto, esta união era permitida
sem problemas. Tal atitude torna incoerente a pressuposição
de que este povo proibia certas ligações
sexuais por ter observado na prática seus efeitos
negativos. Lévi-Strauss ainda atenta para ó
fato de que, seguindo-se os ensinamentos da biologia
atual, conclui-se o contrário: o perigo contemporâneo
dos casamentos consangüíneos é devido
à ausência da prática promíscua
na humanidade desde seu surgimento. A promiscuidade
exporia logo muitos genes prejudiciais à seleção
natural, tornando o casamento sem interdições
tão adaptativo quanto o é entre todas
as espécies vivas que não desenvolveram
o tabu.
No
entender dos sociobiólogos, a agressividade e
o sexo são componentes comportamentais que se
encontram associados em determinadas situações,
como, por exemplo, na seleção sexual.
Além disso, a agressão é fundamental
para a sobrevivência das espécies sociais
porque, através dela, obtêm-se alimentos
e conseguem defender seus territórios, os filhotes
e a si próprios. Consideram as guerras um hábito
cultural que expressa uma técnica de agressão
que difere das manifestações individuais
e difusas apenas por serem mais organizadas.
Há
sete modalidades de agressão que podem ser estabelecidas:
1. defesa e conquista de território;
2. afirmação da dominância de grupos
hierarquizados;
3. agressão sexual;
4. atos de hostilidade, incluindo o desmame;
5. agressão contra presas;
6. contra-ataques;
7. pressão moralista e disciplinadora da sociedade.
Já
foi comentado que os sociobiologistas vêem o racismo
e o nacionalismo como hipertrofias da noção
de territorialidade, característica marcada pela
conduta agressiva. Admitem que o estudo do comportamento
territorial humano esteja muito incipiente e afirmam
ser bastante saber que os caçadores-coletores
são agressivos na defesa de seus territórios,
para se concluir que tal conduta não difere fundamentalmente
daquelas de outros animais, com claro valor adaptativo.
Advertem
que formas específicas de violência organizada,
como torturas, caça a cabeças entre sociedades
tribais, duelo entre heróis etc., não
são herdadas geneticamente. Mas admitem que a
predisposição genética para a aprendizagem
da agressão é uma das três peças
da engrenagem evolutiva da conduta agressiva. As outras
duas são: a necessidade imposta pelo meio ambiente
e a história anterior do grupo cultural. Com
relação às guerras, observam que
podem ser manifestações de um comportamento
natural e previsível, posto que decorrem muitas
vezes da agressão vinculada à territorialidade.
É
claro que essa idéia de naturalização
das guerras provocou uma enxurrada de críticas
ao trabalho dos sociobiólogos. Não podia
ser diferente. Mal se passaram duas décadas da
Segunda Grande Guerra e um grupo de pessoas, em nome
da ciência, vinha mostrar que aquilo tudo era
muito natural... A sociobiologia recuou dizendo que
suas teorias eram válidas só para as guerras
tribais e não para as das sociedades industrializadas.
Argumento fraco porque, se os sociobiólogos acham
que existe um substrato genético ou, pelo menos,
uma natureza humana por trás de um acontecimento
da magnitude de uma guerra, qual o motivo de a biologia
humana variar tanto entre povos tribais e outras sociedades?
SOCIOBIOLOGIA
E MORAL
O
fundador da sociobiologia, Edward O. Wilson, nota uma
grande diferença entre os papéis existentes
nas sociedades de insetos, como operárias e rainhas,
e os papéis vividos pelos homens em sociedade;
enquanto os insetos apenas cooperam e desempenham uma
só função durante suas vidas, os
seres humanos tanto cooperam quanto competem e possuem
a possibilidade de alcançar níveis sociais
mais altos, mudando de papéis. Para Wilson, uma
das questões-chave da biologia humana é
verificar se há alguma predisposição
genética para conquistar certas posições
dentro da sociedade ou desempenhar determinados papéis;
ele pessoalmente crê que haja uma pequena evidência
de solidificação hereditária do
status, isto é, concentrações de
genes específicos em determinadas classes sociais.
Wilson
então acredita que a função social
de cada indivíduo, bem como suas aspirações
possam ser explicadas por sua bagagem genética.
Os casamentos no interior de uma determinada classe
social acabariam por consolidar um certo conjunto de
genes que seriam os responsáveis pelas especificidades
daquela classe, ou melhor, pelas condutas dos indivíduos
que a compõem. Entretanto, há realmente
evidências sobre a fixação do status
através da hereditariedade como ele afirma? Não,
pelo menos até agora não existe trabalho
de geneticistas neste caminho. O que Wilson chama de
evidência de solidificação hereditária
do status é a freqüência com que os
filhos continuam o que os pais iniciaram.
Utilizando
uma linguagem nada ortodoxa, podemos admitir que filhos
de pais ricos gostem de sua situação financeira
e se esforcem para mantê-la; filhos de pais pobres
ambiciosos podem vir a realizar o sonho de riqueza dos
pais; e filhos de pais pobres não-ambiciosos
podem conviver bem com sua condição social
sem maiores esforços para modificá-la.
Isso pode dar-se tão freqüentemente a ponto
de ser algo evidente, mas não é uma evidência
de que haja uma configuração genética
que levaria os filhos a terem certos comportamentos.
Outras explicações possíveis para
o mesmo fenômeno podem ser dadas pela psicologia,
sociologia e pela antropologia.
Wilson
acha pouco provável que exista um código
genético, moral e ético funcionando para
todos os grupos de sexo e de idade, sendo mais plausível
a existência de um conjunto de genes que assegurem
prescrições éticas e morais adequadas
aos papéis e estágios da vida dos indivíduos.
Considera que haja vantagem seletiva para uma criança
em ser egoísta e autocentrada porque, deste modo,
atrai maior atenção dos pais. É
igualmente vantajoso que adolescentes sejam carentes
de afeto e tenham um comportamento sexual moralmente
diferente dos adultos. A necessidade de aprovação,
que os torna preocupados em agradar o sexo oposto, e
a disposição sexual favorecem as alianças.
Wilson,
portanto, reconhecendo o simplismo de separar as condutas
em dois tipos - egoístas e altruístas
-, pensa na possibilidade de os seres humanos serem
mais ou menos egoístas conforme a época
de sua vida. Porém isto não resolve a
fragilidade de seu raciocínio. Ele trabalha com
noções tipicamente ocidentais e que não
são aplicáveis a toda a humanidade. Vamos
supor que, como quer Wilson, seja produtivo, para entender
o comportamento humano, ressaltar o egoísmo e
o altruísmo dentro de todo um conjunto de valores
que usualmente é denominado ética ou moral.
Serão esses conceitos - de altruísmo e
egoísmo - percebidos da mesma maneira em todas
as sociedades humanas? Claro que não, dizem os
antropólogos.
Os
atos classificados de egoístas numa sociedade
de tradição cristã, como a nossa,
podem não ser encarados desta mesma maneira em
outra. Entre nós, os egoístas são
considerados pessoas nefastas, e os sociobiólogos
até apresentam uma contribuição
importante na "humanização"
do egoísmo ao considerarem-no indispensável
à sobrevivência. Dito de outra forma, o
egoísmo faria parte da "natureza humana".
Mas esses pesquisadores esquecem que conceitos como
egoísmo e altruísmo não são
científicos e sim morais; portanto, cada sociedade
vai dar uma conotação específica
a esses conceitos; além disso, vai deliberar
à sua maneira se o melhor é ser egoísta
ou não, no sentido ocidental do termo. Ser altruísta
no Brasil é a mesma coisa que ser altruísta
no Japão?
A nossa
sociedade tende a considerar altruísta aquela
pessoa que se dedica aos outros e que é capaz
de dar sua vida por um ideal ou alguém. No Japão,
por exemplo, essas atitudes são encaradas de
um porito de vista totalmente distinto da dicotomia
altruísmo/egoísmo. Um trabalho escrito
por Ruth Benedict, antropóloga norte-americana,
na década de 40, procura mostrar as grandes diferenças
que existem entre a cultura japonesa e a dos Estados
Unidos. Neste livro, intitulado O crisântemo
e a espada, ela afirma que morrer pelo imperador,
pela pátria ou pelo seu nome de família
não significa na sociedade japonesa ser altruísta;
trata-se de manter a própria honra, idéia
básica que norteia o sentido da vida na cultura
japonesa. Logo, dar a vida em troca da de outrem entre
os japoneses não pode ser explicado pelas premissas
da sociobiologia que admitem duas categorias classificatórias
para estas condutas.
Wilson
afirma que os comportamentos egoístas e altruístas
são formalizados entre os homens em códigos
morais e éticos que só podem ser compreendidos
se vistos como um produto do processo de adaptação
biológica. Para entendermos esta colocação,
é necessário que tenhamos em mente que
moral e ética, ou seja, os valores de uma sociedade,
estão intimamente ligados à biologia humana,
segundo a sociobiologia. Acreditam que tais valores
precisam de um efeito adaptativo; devem corroborar para
a manutenção da população
em seu meio ambiente. Segundo essa linha de pensamento,
haveria genes determinadores do egoísmo e do
altruísmo, sustentáculos da ética
humana, e Wilson cria um modelo para a existência
dos dois tipos de genes. Ele calcula que os genes para
o altruísmo se espalharam na população
graças à seleção de grupo,
e seus alelos para o egoísmo se fixaram pela
seleção individual; as ações
antagônicas das duas formas de seleção
em dado momento se equilibraram, acarretando uma população
na qual há indivíduos egoístas
e altruístas.
O fundador
da sociobiologia acreditava inicialmente numa equivalência
entre o peso do egoísmo e do altruísmo
nas sociedades humanas. Argumentava que os membros individualistas
e os egoístas terminam por conseguir ascender
socialmente, espalhando seus genes; porém, quando
o número de egoístas aumenta demais, a
sociedade tende à extinção. Mas,
com o tempo, passou a concordar com Dawkins, e concluiu
que a solidariedade é a aparência do egoísmo.
Assim, Wilson crê que tanto a conduta individual
como as ações voltadas para a coletividade,
em benefício da tribo ou da nação,
visam ao bem-estar individual. Considera o altruísmo
humano muito relativo porque, mesmo quando direcionado
aos parentes, não chega a ser comparável
ao de certos invertebrados que se unem em colônias.
O egoísmo
seria então natural do homem, já que todos
os atos altruístas podem ser interpretados como
egoístas, em última análise. Eu
não quero simplesmente o bem do meu próximo;
quero o bem do outro na medida em que o meu próprio
bem-estar depende disto. E, diria ainda Wilson, na espécie
humana as atitudes egoístas podem ser tomadas
por altruístas porque os homens são animais
sociais e precisam uns dos outros. Mas esta idéia
de que a sociedade é o produto de uma união
contra o risco de sucumbir à natureza é
tão antigo quanto pouco provável.
Parece
óbvio que as culturas humanas achem-se adaptadas
aos ambientes onde se encontram; nisto, a humanidade
em nada se distingue dos outros seres vivos. O que vive
seja uma árvore, uma ameba ou um chimpanzé,
só o faz porque teve a capacidade de se adaptar
e sobreviver, individualmente ou em grupo. Mas explicar
os hábitos culturais como se eles fossem criados
por uma necessidade de sobrevivência é
que parece falho, e há uma extensa produção
na antropologia para demonstrá-lo.
Para
Wilson e outros sociobiólogos, a sociedade humana
é o resultado de uma natureza basicamente egoísta,
mas que tem uma aparência altruísta. O
problema de explicar a existência da vida social
através de uma tendência humana, seja ela
egoísta ou não, é que essas tendências
nunca são as mesmas, variando conforme a cultura.
Medir as expressões dessas tendências através
de comportamentos torna a tarefa ainda mais árdua
porque as condutas individuais e coletivas, em qualquer
sociedade, constituem um somatório de fatores
que são sociais, psicológicos e físicos.
É
bem verdade que os sociobiólogos não estão
interessados apenas em algo tão fixo e imutável
como a natureza dos homens. Eles freqüentemente
estão se referindo à evolução
da humanidade.
SOCIOBIOLOGIA E EVOLUÇÃO
 |
A
maioria dos sociobiólogos concorda que houve
modificações profundas na maneira da humanidade
viver e que tornaram possível a existência
de formas avançadas de civilização.
Acreditam que a seleção sexual foi o motor
que dirigiu a evolução humana na sua origem,
porque os machos que eram melhores na caça tinham
mais chances na competição pelas fêmeas.
Uma vez que há uma grande inter-relação
entre a destreza para a caça e o sucesso no casamento,
a evolução social pôde proceder
indefinidamente sem outras ameaças ambientais:
os melhores caçadores não tinham problemas
para conseguir uma esposa e assim deixavam um bom número
de filhos com a mesma habilidade. Para a sociobiologia,
isso teria garantido a sobrevivência da espécie
nos seus primórdios.
Os
sociobiólogos consideram que existem genes, realmente,
que proporcionam as inovações culturais
e então admitem que a cada gene que favorece
a expansão da capacidade de aprender deve corresponder
um grande desenvolvimento da cultura; a tecnologia acaba
sendo o parâmetro fundamental para esta evolução.
O aumento da capacidade intelectiva, garantido pelos
novos genes que surgiam, e a complexificação
da capacidade tecnológica - ou cultural propiciaram
o incremento da agricultura e o conseqüente adensamento
populacional.
Para
a sociobiologia, a guerra tribal deve ter desempenhado
um importante papel na evolução na medida
em que a dominação das mulheres de outra
população ("usurpação
genética") foi uma força efetiva
na seleção de grupo. Além disso,
acreditam que as únicas combinações
genéticas capazes de conferir uma aptidão
superior numa luta com agressores genocidas são
aquelas em que ou se desenvolve a capacidade de evitar
o genocídio, ou criam-se técnicas de agressão
muito mais poderosas do que as do adversário.
A sociobiologia admite a hipótese de as duas
alternativas terem interagido ocasionando avanços
mentais e culturais. Crêem então que o
complexo sistema no qual se transformou a cultura tornou
a humanidade de certa forma independente dos constrangimentos
ambientais, e a evolução social hoje é
seu próprio motor.
Os
sociobiólogos trabalham com termos problemáticos
do ponto de vista da antropologia. Evolução
cultural e evolução da humanidade são
dois deles. Inicialmente, porque a diversidade de hábitos
de uma população para outra é tão
grande que se falar de história da humanidade,
sociedade humana ou evolução da humanidade
torna-se algo questionável. Quando discorremos
sobre a história da humanidade, necessariamente
estamos nos referindo a histórias particulares,
de povos específicos habitando certas regiões
e que encadeamos numa mesma linha. Porém, ao
contarmos esta história, esquecemos os povos
de outros lugares e que não se vinculam aos protagonistas
eleitos para narrarem a denominada história da
humanidade como um todo. Assim também acontece
com os termos sociedade humana e evolução.
Os
biólogos aceitam que os seres vivos evoluam e
possuem um modelo explicativo para o fenômeno,
baseado no legado teórico de Darwin, conhecido
por evolucionismo biológico. Os fósseis
constituem uma forte evidência de que essa maneira
de pensar é correta. Através deles fica
bastante óbvio que os seres se modificam ao longo
do tempo. Quando as mudanças ocorrem de uma maneira
tal que acabam por tornar o ser melhor adaptado ao meio
ambiente onde ele se encontra, diz-se que há
evolução; quando acontece o inverso, e
as modificações são desfavoráveis,
a espécie tende a desaparecer.
O termo
evolução na biologia está intimamente
ligado a adaptação. É o mecanismo
de seleção natural que separa os organismos
adaptados dos inaptos. A evolução biológica
do homem também é explicada desta maneira.
Homens e macacos atuais, vieram todos muito provavelmente
de um longínquo, entretanto, único ancestral.
Os "pré-homens" tornaram-se homens
no decorrer de um processo em que a capacidade de produzir
cultura e a estruturação orgânica
interagiram precoce e intensamente. Atualmente, os homo
sapiens sapiens, a despeito da extrema unidade
biológica que os reúne sob uma mesma espécie,
exibem uma atordoante multiplicidade de hábitos
e convenções culturais.
Sabemos
que a seleção natural atua e atuou sobre
a humanidade, como sobre qualquer ser vivo, propiciando
a evolução biológica dos seres,
mas como explicar a evolução social? Primeiramente,
devemos distinguir capacidade de produzir cultura, como
uma habilidade abstrata, e a produção
de uma cultura em particular. A primeira pode ser entendida
através do mecanismo de seleção
natural. Entretanto, o mesmo não acontece com
a segunda. Para a antropologia, a constituição
de uma sociedade ou cultura determinada nada tem a ver
com as leis biológicas.
A biologia
está bem alicerçada para discorrer sobre
a evolução dos seres vivos, já
que ela tem um parâmetro - adaptação
ao meio ambiente - para assim qualificar as mudanças
que ocorrem nas espécies. Embora seja sabido
que toda sociedade se modifique ao longo do tempo, as
transformações sociais não ofereceram
até então aos estudiosos indícios
de que obedeçam a algum critério que justifique
entendê-las como uma evolução, uma
melhora. Transferir o conceito de adaptação
ao meio ambiente das ciências naturais para as
sociais não é nada garantido. Primeiro,
porque toda população humana que subsistiu
da sua origem à atualidade torna-se a prova viva
de sua adaptação. Segundo, porque isso
desemboca na avaliação do "estágio
evolutivo" alcançado por uma cultura, que,
por sua vez, redunda na análise do desenvolvimento
tecnológico das sociedades.
As
sociedades humanas, na realidade, são bem mais
que tecnologia acumulada. Elas constituem um conjunto
de regras e crenças, toda uma forma de pensar
e lidar com o mundo. No campo da mitologia, da moral,
da religião, do parentesco, não dá
para dizer o que é mais evoluído. Os sociobiólogos
não se prendem a isso, porque julgam que a sua
própria sociedade é evoluída, é
a mais evoluída. Porém, aqui a palavra
evolução não se acha aplicada no
sentido darwinista, segundo o qual evoluir é
adaptar-se. As sociedades industrializadas são
as que mais agridem a camada de ozônio; o que
pensar? Estariam elas inaptas para a sobrevivência
num planeta que se cobre com um tênue véu
gasoso sem o qual a vida é inviável?
Para
acreditar que a identificação de sociedades
evoluídas e primitivas auxilia o entendimento
do que seja humanidade, é preciso que se aceite
o desenvolvimento tecnológico como o padrão
por excelência na medida da evolução.
Todavia, a maioria dos antropólogos opta por
compreender as diversas sociedades tais como elas são.
Preferem considerar a humanidade como um conjunto extremamente
semelhante do ponto de vista orgânico, mas encantadoramente
diverso culturalmente falando. Não existe sociedade
humana, e sim sociedades humanas; não existe
cultura humana, mas culturas humanas. Não existe
evolução social humana; o que há
é um grande desenvolvimento tecnológico
empreendido por parte desta humanidade e que em nada
a torna mais feliz ou adaptada do que a outra.
SOCIOBIOLOGIA E TRANSMISSÃO
CULTURAL
Dawkins
afirma que para a compreensão da "evolução
humana" deve-se desprezar os genes como a única
base determinadora deste processo. Apesar de extrair
das sociedades humanas muitos exemplos para suas hipóteses,
não endossa formalmente a expectativa de construir
uma sociobiologia aplicável aos homens. O mecanismo
genético entra em suas formulações
como sustentáculo para uma comparação
entre a transmissão hereditária e a transmissão
cultural. Acha que ambas, apesar de serem conservadoras,
ou seja, tenderem a repetir as mensagens - genéticas
ou culturais - que deverão ser transmitidas e
não inová-las, são passíveis
de evolução. A noção de
"meme", conceito criado por ele, remete-se
a esta semelhança postulada entre os planos genético
e cultural. O termo meme faz alusão tanto a gene
quanto a imitação.
Os
memes são idéias e ideologias que atuam
como replicadores (ou reprodutores) culturais, ao passo
que os genes são replicadores biológicos,
e, segundo Dawkins, o mecanismo de perpetuação
é parecido. Um exemplo de meme seria a idéia
de Deus. É um meme extremamente bem-sucedido
e se espalhou de um modo tal que se pode concluir que
teve boas chances de reprodução, tendo
sido inculcado no cérebro das populações
humanas com grande aceitação. Memes e
genes são replicadores transportados por veículos,
que são os organismos individuais. Os memes são
incorporados pelos indivíduos e promovem a comunicação
entre eles.
Em
termos fisiológicos, afirma Dawkins que o cérebro
estoca uma informação com um padrão
específico de conexões entre as sinapses,
que são as regiões de união entre
as células nervosas. Um meme poderia ser, a princípio,
visível num microscópio, revelando este
certo padrão de estrutura sináptica. O
seu efeito fenotípico seria o conjunto de produtos
exteriores ao cérebro como uma palavra, uma música,
imagens visuais, estilo de roupas, gestos, modo de comer
trigo entre macacos japoneses etc. Os memes não
são, portanto, característicos apenas
dos homens, estando presentes entre quaisquer tipos
de organismos que forem dotados da capacidade de transmissão
de informações.
Dawkins
é criticado pelos seus colegas por não
considerar o sucesso dos memes uma contribuição
à capacidade de sobreviver da espécie
que os possui. Embora considere os memes dependentes,
em última instância, dos genes, não
aceita que o critério último para o sucesso
da seleção de um meme seja a sobrevivência
de um gene. Crê que o relativo sucesso de um meme
dependerá do ambiente biológico e cultural;
um importante aspecto na seleção de um
meme é o conjunto de memes numerosos no conjunto
genético de uma certa população.
Para exemplificar, Dawkins argumenta que dificilmente
uma idéia contrária àquelas aceitas
pelo marxismo e pelo nazismo, respectivamente, sobreviverão
em sociedades que adotam tais ideologias.
Ao
mesmo tempo em que os sociobiólogos são
darwinistas na sua forma de analisar o comportamento
social, eles são lamarquistas quando interpretam
o fenômeno da transmissão cultural. Lamarck
postulou a lei do uso e desuso, segundo a qual um órgão
poderia se atrofiar ou se hipertrofiar, conforme a constância
de sua utilização, e a lei dos caracteres
adquiridos, que admitia ser possível a transmissão
para a prole desta atrofia ou hipertrofia, obtida por
um progenitor. Dentro do espírito dessas leis,
Dawkins afirma que os memes funcionam direcionando o
fenótipo e também sofrendo influência
do ambiente. Em outros termos, embora os músculos
hipertrofiados de um halterofilista não tenham
seu grande desenvolvimento incorporado aos genes, como
imaginava Lamarck, no plano das ideologias o processo
é outro. Novas idéias podem ser perfeitamente
absorvidas pela mente de uma pessoa determinando novos
comportamentos e assim ser transmitidas a seus filhos.
Este exemplo mostra que, para Dawkins, os memes se modificam
direcionados por estímulos ambientais, enquanto
os genes não se alteram orientados pelo meio
ambiente.
Todos
esses malabarismos conceituais de Dawkins têm
a importância de chamar a atenção
para o aprendizado que, entre os homens, torna-se uma
habilidade fundamental para distingui-los de outras
espécies. Alguns sociobiólogos começam
a valorizar a capacidade de aprender dentro do comportamento
humano e desconfiar da idéia de uma pura sobredeterminação
genética orientando as condutas humanas. Voltam-se,
portanto para o entendimento do processo de aprendizagem
e sua função na formação
do comportamento.
A interação
entre os genes e o comportamento, para esses sociobiólogos,
se daria através de mecanismos em que os primeiros
escolhem, entre condutas alternativas, aquela que aumenta
sua chance de replicação. Os genes seriam
como investidores do mercado de ações
que não podem mudar suas instruções
iniciais para o organismo que funciona como um corretor
intermediário. Uma situação imprevista,
na qual os genes corretores não podem escolher
diretamente; pode causar prejuízos incalculáveis,
ameaçando a sobrevivência do organismo.
A solução seria os genes determinarem
um conjunto de respostas possíveis, incluindo
a possibilidade de o organismo ter de aprender algo
não codificado, e deixar o organismo escolher
a que melhor garanta sua capacidade de replicação.
Com isso o indivíduo passa a ter maior independência
do seu genoma para agir, conseguindo um maior grau de
emancipação em relação à
influência direta da seleção natural,
porque assim pode desenvolver condutas não codificadas
em seus genes, através da imitação
das atitudes de outros seres. Então, o comportamento
geneticamente não programado seria, segundo esses
sociobiólogos, uma alternativa para a ausência
de previsibilidade dos genes.
Uma
característica genética, portanto, se
espalharia ria população em caso de ser
adaptativa, aumentando as chances de seus portadores
sobreviverem e deixarem mais descendentes que os não
portadores. Da mesma forma, um hábito cultural
se propagaria tanto mais quanto maior fosse a chance
de ser ensinado a novos praticantes e também
como conseqüência da aptidão que ele
conferisse à população que o praticasse.
Uma vez que a biologia mostra que os genes são
responsáveis pelo desenvolvimento do cérebro,
esses sociobiólogos acreditam que os genes constituem
um programa de aprendizado que determina quão
flexível ou estereotipado será o comportamento
do indivíduo.
Ainda
seguindo as pistas desses sociobiólogos, preocupados
com o papel da aprendizagem nas condutas humanas, o
comportamento estaria baseado em critérios herdados
para a distinção de sentimentos originados
por estímulos primários, isto é,
naturais. Darwin apontou quatro emoções
básicas decorrentes desse tipo de estímulo:
dor, prazer, raiva e medo. Entretanto, o homem e outros
animais, com capacidade de aprendizado e de transmissão
de informações, podem também viver
qualquer uma das quatro emoções através
de estímulos secundários, criados pela
cultura. Em resumo, Darwin chamou atenção
para as emoções primárias e os
sociobiologistas acrescentaram que há emoções
secundárias, como, por exemplo, determinado medo;
este pode persistir numa população por
transmissão cultural, pois, mesmo que infundado,
seria reforçado pelas lendas.
A estrutura
social e a cultura consistiriam, para esses sociobiólogos,
no resultado de todos os indivíduos participantes
tomando decisões individuais a partir das informações
já armazenadas pelo organismo, que optaria por
uma conduta que fosse consistente com as possibilidades
de aumentar o prazer e evitar a dor, a raiva e o medo.
Mas deste raciocínio não se segue que
a cultura possa ser definida como um conjunto de comportamentos
adaptativos, embora assim acredite a maioria dos sociobiólogos.
Como os hábitos culturais não mudam com
facilidade, muitas vezes podem se tornar mal adaptativos
em termos genéticos. Um exemplo disto seria a
ênfase social em comportamentos altruístas
que questionam a sobrevivência do indivíduo.
Assim, conclui-se que, tal como Wilson e o irreverente
Dawkins, esses sociobiólogos concordam quanto
à evolução cultural possuir suas
origens e algumas leis vindas dos genes; sendo que,
num momento da história da humanidade, tal evolução
adquire leis próprias.
Um
importante passo para o refinamento da sociobiologia
é recuperar a capacidade de aprendizado, desvinculada
da determinação dos genes. Mas a ênfase
no papel da imitação dentro do comportamento
humano é que torna-se algo discutível.
Além disso, a transmissão cultural é
um processo que tem uma característica que dificulta
a sua comparação com o processo de transmissão
genética. A transmissão de qualquer hábito
ou idéia, partilhados por uma cultura, acontece
através de um complexo mecanismo de socialização.
A reprodução social está sujeita
a muitas variações que são decorrentes
sobretudo da capacidade de os homens atribuírem
novos significados a velhos hábitos ou idéias.
Se até os genes, que são partículas
materiais, podem ser alterados e, desta maneira, transmitir
informações diferentes das originais;
o que dizer da transferência dos valores culturais
através das gerações? Se não
fosse assim, haveria sociedades estáticas, imutáveis,
e alguma delas já deveria ter sido constatada
pelos antropólogos, fato que ainda não
ocorreu.
OU
ISTO OU AQUILO
A
sociobiologia tem a ambição de explicar
o motivo que leva alguns tipos de seres a viverem em
sociedade. Acreditam os sociobiólogos que a vida
comunitária seja uma resposta adaptativa ao meio
ambiente e que, por isso, o comportamento desenvolvido
por seres sociais seja regido pelos mesmos princípios.
Para mostrar que as sociedades humanas têm profundas
semelhanças com as de insetos e primatas, os
sociobiólogos tratam as sociedades humanas como
se fossem produto de instintos de sobrevivência
ou como se os homens não tivessem consciência
de seus atos.
É
interessante observar que, paralelamente ao fato de
a sociobiologia aceitar que os genes dotam os organismos
com a capacidade de cálculos inconscientes, que
estipulam quão maximizador pode ser certo comportamento,
ela emprega a mesma premissa às sociedades humanas,
destituindo-as da condição reflexiva e
criativa que lhes é característica. Marshall
Sahlins, antropólogo norte-americano e crítico
ferrenho de seus compatriotas sociobiólogos,
mostra a inconsistência de se humanizar a natureza
ao mesmo tempo que se desumaniza a sociedade dos homens.
Isso
está ligado ao uso inadequado de conceitos tais
como parentesco, egoísmo ou altruísmo
aplicado a animais que não convencionaram um
código moral a ser seguido. Uma abelha não
pode ser nem altruísta nem egoísta simplesmente
porque ela é uma serva de seus instintos. Ela
não passa a vida alimentando a abelha rainha
por opção nem tampouco convicção
de certos valores. Entre os homens há a possibilidade
de escolha; é possível ser egoísta
ou altruísta porque as sociedades regulamentam
o que seja um comportamento anti-social, distinto daquela
conduta sociável e esperada. Além disso,
os homens agem segundo uma série de fatores:
o biológico, o emocional e o social. O egoísmo,
o altruísmo, a agressividade ou a conduta sexual
não podem ser explicados por apenas um aspecto.
Para
fazer esta correlação tão direta
entre homens e outros animais, a sociobiologia aplica
conceitos indistintamente. Por exemplo, entre animais
irracionais não há parentesco no sentido
do que conhecemos. Eles não distinguem parentes
afins de consangüíneos, nem desenvolveram
as intrincadas fórmulas derivadas da prática
do interdito do incesto que as sociedades humanas possuem.
Ser parente em qualquer contexto cultural extrapola
o âmbito das ligações biológicas
entre os indivíduos. Portanto, é graças
ao desprezo pelo bom uso dos conceitos e a este mecanismo
de deixar de lado a consciência, não só
como motor das condutas, mas da própria razão
de ser de certa cultura, que os sociobiólogos
podem dar o mesmo título a atos com significados
completamente distintos. Isso explica como a guerra
entre tribos ou um assassinato por vingança são
igualmente vistos pelos sociobiólogos como manifestações
de um comportamento agressivo, inerente às condutas
sociais.
O objeto
principal da sociobiologia é o comportamento;
a cultura e os genes são seus componentes, cujos
pesos e importância variam de autor para autor.
Há os que afirmam que os genes são os
únicos responsáveis pelas condutas; há
os que subdividem o comportamento em duas modalidades:
o diretamente determinado pelos genes e aquele em que
estes entram em recesso determinando um espaço
para o aprendizado. Wilson curiosamente acredita numa
completa determinação dos genes sobre
as ações sociais entre os povos tribais;
para as sociedades industrializadas, acredita que a
lei seja outra. Nestas os homens não estariam
mais sob o jugo da seleção natural.
Parece
então que os sociobiólogos recuam um pouco
nas suas intenções, pois se, por um lado,
têm um projeto de traçar características
que unificariam todo o tipo de comportamento social,
por outro, não encontram a sonhada unidade dentro
da própria espécie humana. Assim, Wilson
admite duas explicações distintas para
a guerra: na sociedade tribal, ela seria produto da
agressividade voltada para a defesa de um território;
nas sociedades industrializadas, admite que o fenômeno
exige uma explicação mais complexa.
Marshall
Sahlins ainda observa que os sociobiólogos parecem
projetar no reino natural o modelo proposto pela sociedade
capitalista. Além de a sociobiologia ter afeição
por metáforas econômicas, do tipo genes
como operadores de mercado financeiro, estabelece que
há uma lógica econômica embutida
na seleção natural, segundo a qual os
organismos viveriam voltados para a maximização
das condições de sua existência.
Talvez esta interpretação do conceito
de seleção natural já esteja facilitada
pelo próprio Darwin, autor do termo.
Atualmente,
os filósofos discutem a respeito da cientificidade
do conceito de seleção natural, processo
determinador da evolução dos seres vivos.
A evolução das espécies é
bem fácil de ser admitida, mas o modo pelo qual
ela acontece é menos simples de ser explicado.
Esse problema deverá ser enfrentado pelos sociobiólogos,
que pretendem cumprir a difícil tarefa de estabelecer
sua disciplina como uma ciência objetiva, de premissas
empiricamente testáveis. Richard Dawkins vislumbrou
tal dificuldade ao afirmar que a hipótese de
seleção de grupo, embora equivocada na
sua opinião, nunca poderá ser contrariada
pelos fatos e ela pode interpretar muitos fenômenos
igualmente interpretados pelos adeptos da seleção
individual.
Finalmente,
a sociobiologia defende uma visão carregada de
um materialismo darwinista muito simplificador dos fenômenos
humanos. Ela quer dizer que a vontade maior dos homens
é sobreviver e, cada vez mais, aumentar as chances
de sobrevivência, como qualquer outro organismo
vivo. Só que as sociedades humanas não
testemunham isto. Mostram que, ao contrário,
as organizações adotadas pela humanidade
estão sempre estruturadas sobre um grande número
de convenções e valores caros aos participantes
de cada cultura e que constituem a dimensão simbólica
das sociedades; é precisamente isto o que torna
radicalmente diferente um formigueiro de um monte de
gente reunida. Estudos com primatas levam a crer que
não só os homens têm a capacidade
de simbolizar, mas o fazemos num grau muito complexo.
A habilidade para a simbolização é
responsável pelas diferenças culturais;
se as culturas fossem produtos da adaptação
ao ambiente, sociedades ocupando o mesmo território
não exibiriam diferenças. Os hábitos
e práticas sociais normalmente estão em
consonância com a sobrevivência das populações,
mas não conseguimos explicar diferenças
de costumes pela necessidade de subsistir, porque o
meio ambiente apenas influencia sem determinar.
Portanto,
nem dissociar a humanidade da natureza, esquecendo que
estamos sujeitos às leis biológicas que
organizam a vida animal e, por mais que a tecnologia
avance, submetidos aos caprichos naturais, nem concluir
que basta negar especificidades humanas, tais como consciência
e alto poder de simbolização, para que
a ciência consiga reintegrar metodologicamente
o homem ao seu planeta. A sociobiologia acaba mantendo
um "ou isto ou aquilo" sem conseguir fazer
uma síntese porque, ao criticar o antropocentrismo
das ciências sociais, nega todo o conhecimento
sobre sociedades humanas acumulado com esforço
pelos sociólogos, antropólogos, cientistas
políticos, historiadores e filósofos.
Ela tem a meta salutar de tentar cerzir o que a tradição
ocidental rasgou, mas de uma maneira equivocada pois
só usa uma metade do pano.
INDICAÇÕES
PARA LEITURA
 |
Há
poucos livros em português sobre sociobiologia,
mas, ao ler Sociobiologia: senso ou contra-senso,
de Michel Ruse, lançado pela ltatiaia/Edusp,
tem-se uma visão ampla - e simpática -
das idéias defendidas pelos sociobiólogos.
Eduard O. Wilson, o papa da sociobiologia, escreveu
The sociobiology: the new synthesis, que, mesmo
sem ter sido traduzido, é indispensável
para quem tenciona ir fundo no entendimento da disciplina.
Foi publicado pela primeira vez em 1975 pela Oxford
University Press e requer fôlego do leitor, devido
ao tamanho. Uma obra mais acessível desse mesmo
autor, com tom mais filosófico do que técnico,
é Da natureza humana (Edusp), também
bastante elucidativa quanto ao que pensam os sociobiólogos.
Outro livro fundamental e bem-humorado no estilo é
O gene egoísta, de Richard Dawkins,
publicado pela Itatiaia/Edusp. Como a visão de
Dawkins difere da de Wilson, o leitor ganha a possibilidade
de comparar duas perspectivas internas de sociobiologia.
Para
se fazer uma crítica aos sociobiólogos
é importante refletir sobre o que Marshall Sahlins
escreveu em seu The use and abuse of biology,
an anthropological critique of sociobiology, que constitui
uma resposta ao The sociobiology..., de Wilson.
Em antropologia, há dois livros introdutórios
e bem consistentes que abordam temas afins aos da sociobiologia,
mas de um ponto de vista contrário: Relativizando,
uma introdução à antropologia social,
de Roberto Da Matta, Ed. Guanabara, e Cultura: um
conceito antropológico, de Roque Laraia,
Jorge Zahar Editor. Ambos mostram, com farta e clara
argumentação, os motivos que impedem fenômenos
culturais de serem explicados por causas biológicas.
Você vai aprender coisas muito interessantes.
Entre
os livros desta coleção, O que é
etnocentrismo?, de Everardo Rocha, é especialmente
útil; durante a leitura, você vai perceber
que a compreensão sobre outros povos requer a
percepção de sua lógica de vida
e não o julgamento de suas práticas e
valores sociais a partir dos nossos. Apesar de os sociobiólogos
não parecerem se incomodar com o próprio
etnocentrismo, foi uma aquisição inestimável
para a antropologia admitir que uma postura etnocêntrica
inviabiliza qualquer tentativa de entender a humanidade.
Não dispense esta leitura!
SOBRE A AUTORA
Antropóloga,
nascida em 27 de julho de 1958, Rio. Fez a graduação
em Ciências Biológicas (UFRJ) e, em seguida,
cursou o mestrado em Antropologia Social no Museu Nacional,
onde redigiu a dissertação intitulada
"Tudo que tem na terra tem no mar", sobre
como os pescadores classificam os seres vivos e a natureza.
Com ela ganhou o Prêmio Sílvio Romero 88,
que propiciou sua publicação pela FUNARTE.
É professora da UFF e fez o doutoramento pela
USP.
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