Paranóia
- A palavra
Paranóia
é um termo utilizado por especialistas em saúde
metal para descrever desconfiança ou suspeita altamente
exagerada ou injustificada. A palavra é freqüentemente
utilizada na conversação cotidiana, em geral em
momentos de rancor e de forma incorreta. Simples
desconfiança não é paranóia - especialmente se fundamentada
em experiência passada ou em expectativas baseadas
na experiência alheia.
A paranóia pode ser discreta e a pessoa afetada
ser razoavelmente bem ajustada socialmente ou pode
ser tão grave que o indivíduo se tora incapacitado.
Às vezes o diagnóstico é difícil, já que muitos
distúrbios psiquiátricos são acompanhados de alguma
característica paranóide. As paranóias podem ser
classificadas em três categorias principais: distúrbio
paranóide de personalidade, distúrbio delirante
paranóide e esquizofrenia paranóide.
Distúrbio
Paranóide de Personalidade
Oswaldo trabalhava em um grande escritório como programador de computação.
Quando outro programador foi promovido, Oswaldo
achou que seu supervisor tinha raiva dele e que
jamais reconheceria seu valor. Estava certo de estar
sendo sutilmente menosprezado pelos colegas. Muitas
vezes nos intervalos para o cafezinho, observando-os
em pequenos grupos, imaginava que estivessem falando
dele. Se visse um grupo de pessoas rindo, pensava
que estivessem rindo dele. Passava tanto tempo remoendo
tais idéias, que seu rendimento no trabalho caiu
a ponto de seu supervisor alertá-lo de que precisaria
melhorar seu desempenho para não receber uma avaliação
insatisfatória. Esta atitude reforçou as suspeitas
de Oswaldo, que decidiu procurar emprego em outra
grande empresa. Após algumas semanas em seu novo
serviço, começou a achar que os colegas de escritório
não gostavam dele, excluindo-o de conversas, ridicularizando-o
pelas costas e denegrindo seu trabalho. Oswaldo
mudou de emprego seis vezes nos últimos sete anos.
Ele sofre de distúrbio paranóide de personalidade.
Algumas
pessoas tornam-se desconfiadas
sem motivo, em tal grau que seus pensamentos paranóides
destroem sua vida profissional e familiar.
Diz-se que tais pessoas têm distúrbio paranóide
de personalidade. Elas são:
Desconfiadas
A desconfiança permanente é um sinal inconfundível
de paranóia. Pessoas com distúrbio paranóide de
personalidade estão constantemente em guarda, por
enxergarem o mundo como um lugar ameaçador. Tendem
a confirmar suas expectativas, agarrando-se a mínimas
evidências que confirmem suas suspeitas, e ignoram
ou distorcem qualquer prova em contrário. Estão
sempre alertas, procurando sinais de alguma ameaça.
Qualquer
pessoa em uma situação nova — nos primeiros dias
em um emprego ou iniciando um relacionamento, por
exemplo — é cautelosa e de certa forma reservada,
até sentir que seus temores são infundados. Pessoas
com paranóia não conseguem abandonar seus temores.
Continuam a esperar por armadilhas e duvidam da
lealdade dos outros. No relacionamento pessoal ou
no casamento, essa desconfiança pode apresentar-se
sob a forma de ciúme patológico e infundado.
Hipersensíveis
Por
estarem excessivamente alertas, as pessoas com distúrbio
paranóide de personalidade percebem qualquer minúcia
e podem ofender-se sem motivo. Em conseqüência,
tendem a ser excessivamente defensivas e hostis.
Quando cometem algum erro, não reconhecem a culpa,
nem aceitam a mais leve crítica. Entretanto, são
extremamente criticas em relação aos outros. Pode-se
dizer que tais pessoas fazem “tempestade em copo
d’água”.
Frias e Distantes
Além de serem polemistas e irredutíveis, as pessoas com distúrbio paranóide
de personalidade têm dificuldade de manter vínculos afetivos. Parecem frias e evitam relacionamentos
interpessoais. Orgulham-se de serem racionais e
objetivas. Pessoas com uma perspectiva paranóide
em relação à vida raramente procuram auxílio médico
- não faz parte de sua natureza pedir ajuda.
Profissionalmente podem atuar com competência.
Pode procurar redutos sociais onde o estilo moralista
e punitivo seja aceitável ou, até certo ponto, tolerável.
Distúrbio
Delirante Paranóide
Os psiquiatras fazem distinção entre
o discreto distúrbio paranóide de personalidade,
descrito acima, e O distúrbio delirante paranóide,
mais incapacitante. A característica mais marcante
deste último é a presença de um tipo de delírio
persistente e não bizarro, sem sintomas de qualquer
outro distúrbio mental.
Delírios são crenças fortes, não verdadeiras, não compartilhadas por outras
pessoas da mesma cultura e não facilmente modificáveis.
Cinco tipos de delírios são observados. Em alguns
indivíduos, mais de um pode ocorrer.
Ruth é uma secretária eficiente e prestativa. Seus superiores e colegas de
trabalho valorizam muito sua contribuição no escritório.
No entanto. Ruth passa suas noites escrevendo cartas
a autoridades. Sente que Deus abriu sua mente e
lhe ensinou a cura do câncer. Quer que algum importante
centro de tratamento utilize essa cura em todos
os pacientes, para provar ao mundo que está certa.
Muitas de suas cartas não são respondidas, outras
recebem respostas evasivas, o que a faz sentir que
ninguém compreende que ela seria capaz de salvar
todos os pacientes de câncer, se lhe fosse dada
à chance. Quando alguma de suas cartas é respondida
por um assessor da autoridade a quem foi dirigida,
ela tem certeza de que o destinatário foi deliberadamente
mantido desinformado de seu conhecimento e capacidade.
Algumas vezes desespera-se com o fato de que o mundo
jamais saberá o quanto ela é maravilhosa, porém
não desiste e continua a escrever. Ruth sofre de
um dos tipos de distúrbio delirante, o delírio de
grandeza (ou megalomania).
O delírio mais comum nos distúrbios delirantes é persecutório. Enquanto que
têm personalidade paranóide podem suspeitar de que
seus colegas estão rindo à sua custa, pessoas com
delírio de perseguição desconfiam que os outros
estejam elaborando grandes tramas para perseguí-las.
Acreditam que estão sendo envenenadas, drogadas,
espanadas, ou que são alvo de conspirações com o
intuito de arruinar sua reputação ou até lhes causar
a morte. Às vezes, movem ações judiciais com a intenção
de serem ressarcidas por injustiças imaginárias.
Outro
tipo freqüentemente observado é o delírio de ciúme.
Qualquer indício — até uma mancha insignificante
na roupa ou um pequeno atraso para chegar em casa
— é interpretado como evidência de que o cônjuge
está sendo infiel.
Delírios eróticos envolvem uma fixação romântica por uma pessoa, geralmente
alguém de nível social mais elevado ou alguma celebridade.
Indivíduos com delírios eróticos muitas vezes assediam
pessoas através de inúmeras cartas, telefonemas,
visitas e vigilância furtiva.
Pessoas com delírios de grandeza geralmente acham que são dotadas de poderes
especiais e que, se autorizadas a praticar esses
poderes, poderiam curar doenças, erradicar a pobreza,
assegurar a paz mundial ou executar feitos extraordinários.
Indivíduos
com delírios hipocondríacos estão convencidos de
que há algo errado com seu corpo — acham que exalam
mau cheiro, sentem-se infestados por insetos ou
se julgam deformados e feios. Devido a esse tipo
de delírio, tendem a evitar o convívio social e
passam muito tempo consultando médicos sobre suas
doenças imaginárias.
Ainda não foi avaliada de forma sistemática
a hipótese de que pessoas com distúrbio delirante
possam constituir perigo para outras, mas a experiência
clínica sugere que tais pessoas raramente são homicidas.
Os indivíduos delirantes geralmente são irritáveis
e. por isso, são tidos como ameaçadores. Nos raros
casos em que indivíduos com distúrbio delirante
tornam-se violentos, suas vítimas geralmente são
pessoas que inadvertidamente se encaixam em seu
esquema delirante. A pessoa em maior perigo no relacionamento
com um indivíduo com distúrbio delirante é o cônjuge
ou amante.
Esquizofrenia
Paranóide
Alfredo, não gostava muito de escola e estava
feliz por ter concluído o colegial e conseguido
um emprego. Mas, quando se deu conta de que necessitava
de melhor formação para atingir seus objetivos,
matriculou-se em uma faculdade próxima. Alugou uma
casa com outros jovens e se aplicou nos estudos.
Próximo do final do segundo ano parou de fazer as
refeições com os colegas e passou a se alimentar
só de enlatados, para ter certeza de que não estava
sendo envenenado. Ao andar pelo campus, evitava
as moças, pois achava que elas lhe lançavam teias
envenenadas que envolveriam seu corpo como uma gigantesca
teia de aranha. Quando começou a temer que seus
colegas colocassem gás envenenado em seu quarto,
abandonou a escola e voltou para casa. Limpou seu
quarto e colocou uma tranca na porta, para que os
pais não pudessem entrar e contaminar o recinto.
Comprou um fogareiro elétrico e passou a preparar
a própria comida. Se sua mãe insistisse para que
fizesse uma refeição com a família, ele a acusava
de tentar envenená-lo. Seus pais finalmente conseguiram
convencê-lo a procurar um psiquiatra que diagnosticou
“esquizofrenia paranóide” Com medicamentos, terapia
individual e de grupo. Alfredo melhorou o suficiente
para trabalhar em um escritório sob a supervisão
de um chefe compreensivo e encorajador.
Idéias e comportamento paranóides
são características de uma forma de esquizofrenia
chamada esquizofrenia
paranóide. Indivíduos que sofrem de esquizofrenia
paranóide normalmente são acometidos de delírios
extremamente bizarros ou alucinações, quase sempre
sobre um tema especifico. Freqüentemente ouvem vozes
que outros não podem ouvir ou acreditam que seus
pensamentos estão sendo controlados ou divulgados
em voz alta. Além disso, seu desempenho em casa
e no emprego se deteriora, muitas vezes com um grau
menor de expressividade emocional.
Por
outro lado, as pessoas com distúrbio delirante paranóide
relativamente mais discreto podem ter sintomas como
delírios persecutórios ou de ciúmes, mas não as
alucinações acentuadas ou impossíveis e os delírios
bizarros da esquizofrenia paranóide. Tais pessoas
geralmente podem trabalhar e seu comportamento e
expressão emocional são coerentes com o tema de
seus delírios. Excetuando os delírios, seu pensamento
permanece sistematizado e lógico, ao contrário das
pessoas com esquizofrenia paranóide, que com freqüência,
têm o pensamento desorganizado e confuso.
Causas
da Paranóia
Fatores Genéticos
Pouco se tem estudado sobre o papel da hereditariedade
na paranóia. Pesquisadores observaram que famílias
de pacientes paranóides não apresentam incidência
de esquizofrenia ou depressão acima do normal. Entretanto,
há evidências de que sintomas paranóides na esquizofrenia
podem ter influência genética. Alguns estudos em
gêmeos idênticos com esquizofrenia mostraram que,
quando um dos gêmeos apresenta sintomas paranóides,
geralmente o outro também os manifesta. Além disso,
pesquisas recentes têm indicado que distúrbios paranóides
são significativamente mais comuns em parentes de
pessoas com esquizofrenia do que na população em
geral. Ainda não se sabe se os distúrbios paranóides
— ou a predisposição para apresentá-los — são hereditários
ou não.
Fatores Bioquímicos
A descoberta de que a psicose (estado no qual
o indivíduo perde o contato com a realidade) é tratável
com drogas antipsicóticas tem levado os pesquisadores
a procurar as origens de distúrbios mentais graves
em anomalias químicas no cérebro. A pesquisa tem
se tornado muito complexa à medida que se descobrem
mais e mais substâncias químicas que transmitem
mensagens de uma célula nervosa para outra - os
neurotransmissores. Até agora, não se encontraram
respostas definidas. Como nos estudos genéticos,
também não houve estudos bioquímicos específicos
em paranóia, a não ser como um subtipo de esquizofrenia.
Há, no entanto, algumas evidências de que a esquizofrenia
paranóide é bioquimicamente distinta das formas
não-paranóides deste distúrbio.
O abuso de drogas como anfetaminas, cocaína,
maryuana, PCP (“pó de anjo”), LSD ou outros estimulantes
ou compostos “psicodélicos” pode produzir pensamentos
ou comportamento paranóides, ou agravar os sintomas
já existentes em pacientes com doença mental grave,
como esquizofrenia. Pesquisadores estão estudando
a ação bioquímica de tais drogas, a fim de compreender
como elas produzem mudanças no comportamento, Isso
poderá nos ajudar a aprender mais sobre a neuroquímica
dos distúrbios paranóides.
“Stress”
Alguns especialistas acreditam que a paranóia
pode ser uma reação a altos níveis de “stress”.
Reforçando essa opinião, há evidência de que a paranóia
incide mais entre imigrantes, prisioneiros de guerra
e outras pessoas submetidas a altos níveis de “stress”.
Há pessoas que apresentam uma forma aguda de paranóia,
quando submetidas a uma situação nova e altamente
estressante, com delírios que se desenvolvem em
um curto espaço de tempo e duram apenas alguns meses.
Alguns estudos demonstram que a paranóia tem
ocorrido com maior freqüência no século XX. A relação
entre o “stress” e a paranóia não exclui, é claro,
outros fatores causais. Um defeito genético, uma
anomalia cerebral, um distúrbio no processamento
de informações — ou todos os três fatores — poderiam
predispor uma pessoa á paranóia; o “stress” poderia
simplesmente atuar como fator desencadeante.
Tratamento
da Paranóia
A desconfiança das pessoas
paranóides torna difícil o tratamento da doença.
Raramente, falarão com espontaneidade em uma consulta.
Desconfiam do tipo de sondagem aberta que muitos
terapeutas utilizam para conhecer a história do
paciente (por exemplo: “fale-me de seu relacionamento
com seus colegas de trabalho”). Podem não aceitar
medicamentos ou uma internação, temendo a perda
de controle ou outros perigos, reais ou imaginários.
Tratamento Medicamentoso
O tratamento com medicamentos antipsicóticos
apropriados pode ajudar o paciente paranóide a superar
alguns sintomas. Embora o comportamento do paciente
possa ser melhorado, os sintomas paranóides freqüentemente
permanecem inalterados. Alguns estudos indicam uma
melhora dos sintomas com o tratamento medicamentoso,
porém resultados semelhantes ocorrem, freqüentemente,
em pacientes que recebem placebo (“remédio” sem
ingrediente ativo). Esta observação sugere que,
em alguns casos, a paranóia diminui mais por razões
psicológicas do que pela ação do medicamento. Pacientes
paranóides em tratamento com medicamentos devem
ser mantidos sob rigorosa observação. A desconfiança
e o delírio de perseguição os levam, muitas vezes,
a recusar ou sabotar o tratamento - por exemplo,
conservar o comprimido dentro da boca, sem engolir,
até ficarem sozinhos e então cuspi-lo.
Psicoterapia
Relatos de casos individuais sugerem que a oportunidade de expressar seus
temores e desconfianças de forma regular, como é
propiciada pela psicoterapia, pode ajudar o paciente
paranóide a se ajustar à vida social. Embora as
idéias paranóides pareçam persistir, elas podem
tornar-se menos prejudiciais. Outros tipos de psicoterapia,
com os quais se observa uma melhora do comportamento
social, sem redução apreciável dos delírios paranóides,
são a terapia familiar, a terapia de grupo e a arteterapia.
Perspectivas
para os Pacientes Paranóides
Apesar das dificuldades de tratamento, pacientes
com um distúrbio paranóide podem ajustar-se razoavelmente
bem. Mesmo que suas idéias paranóides sejam aparentemente
inabaláveis, vários tratamentos parecem eficazes,
melhorando o ajustamento social, e evitando hospitalizações
prolongadas. Os sintomas são menos bizarros do que
os associados à esquizofrenia paranóide. Os distúrbios
paranóides parecem, também, causar menos desorganização
da personalidade e ruptura na vida social e familiar.
Ao contrário da esquizofrenia, que pode se tornar
progressivamente pior, o distúrbio paranóide parece
atingir um certo grau de gravidade e se estabilizar.
*
Dr. David Shoe, M.D. ,
Dr. David Picka, M.D. ,
Dr. Darryl G.Kirch, M.D. ,