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PSIQUIATRIAGERAL.COM.BR

OUTRAS TÉCNICAS PSICOTERÁPICAS

Manual de Psicoterapia
E. Miray López
Editora Mestre Jou
3º Edição - 1967

 

      Princípios, técnica, indicações e limitações da psicoterapia complexa de Jung. - Estrutura da psique. - Os arquétipos. - Fases da individuação etc.

      Se a psicologia individual adleriana pode ser criticada por não ser propriamente individual (ainda que de todas as escolas psicológicas modernas seja a que leva mais em conta a pressão que a comunidade social exerce sobre o indivíduo e construa a caracterologia deste de acordo com normas excessivamente simplistas e rígidas), o que nao impede seja manejável e atrativa quando enfrentamos casos de pouca complicação psicológica; a psicologia complexa de Jung - e ao sistema psicoterápico que dela deriva - não podemos fazer-lhe a censura de não corresponder em seu conteúdo ao que no título promete: é não só complexa, mas também confusa. Mais útil seria, como veremos, saber escolher e selecionar devidamente os casos a que devemos aplicá-la.

 

      Em linhas gerais vimos que as concepções de Adler serviam de um modo especial - ainda que esta não seja a opinião de seus fiéis adeptos - para o trato com personalidades infantis, imaturas que, com falta de auto-suficiência e de segurança, tentam produzir impressão a qualquer preço. Ao contrario, a zona de ação da psicoterapia junguiana, é a das pessoas maduras próximas da crise evolutiva ou submergidas nela, que, ao reverem a sua vida e seus fins, se dão conta de que se equivocaram em seu caminho e não acertam em encontrar a sua rota ou acreditam que seja demasiado tarde para segui-la. Tais pessoas requerem, muito mais que as jovens, perspectivas que as consolem de seu desgosto íntimo pelo "tempo perdido e que já não voltara" e, de outra parte, as preparem para enfrentar a idéia de sua morte próxima, idéia esta que se apresenta cada vez mais clara. Quando de um modo espontâneo não existe nelas um sentimento religioso suficientemente intenso para lograr a sua transcendência nêle, falham os princípios psicoterápicos correntes; o ceticismo e o pessimismo não propiciam em tais enfermos uma relação fácil, nem tampouco é possível oferecer-lhes grandes coisas nem satisfações a sua libido, em plena regressão hormonal. E então precisamente que essa espécie de credo religioso-científico, sem maiores pretensões, pode alcançar a sua máxima eficácia curativa: se a psicanálise freudiana gira em redor do descobrimento do complexo edipiano e da liquidação dos sentimentos de culpa, a psicoterapia junguiana leva ao descobrimento da anima materna e à realização, embora tardia, da própria vocação (voz interior) que nela acha suas raízes. Tudo isso pressupõe a posse de um sistema complicado de conceitos, alguns dos quais têm um conjunto de raízes empírico-experiências e outros, infelizmente, são meras abstrações mítico-especulativas.

     Vamos tentar uma síntese de tal sistema, ajudando-nos com alguns esquemas elaborados por uma das discípulas prediletas do mestre de Zurique, a Dra. Jacobi:


      ESSÊNGIA E ESTRUTURA DA PSIQUE

      

     Para Jung, a psique tem tanta realidade quanto o soma (corpo) e apresenta uma "estrutura" não menos complexa que a deste, ainda que suas dimensões sejam virtuais. A psique (termo com que Jung designa o aparelho psíquico freudiano) acha-se dividida em zonas ou estratos, dos quais,
a maior parte corresponde a processos que não tem a propriedade de refletir-se sobre si e, portanto, são inconscientes, ao passo que a outra parte possui tal característica.

      Quatro são as zonas que se devem distinguir na psique:

 

      a) a zona do ego (também chamada egótica, em que nasce e atua a consciência da existência;

      b) a zona do conhecimento geral;

      c) a zona do inconsciente pessoal;

     d) a zona do Inconsciente coletivo. Esta ultima subdivide-se em duas : a dos processos que se podem fazer emergir da consciência (e são portanto cognosciveis) e a dos que sempre permanecerão ignorados, por não terem a dita possibilidade.

 

      O inconsciente com esses três estratos (pessoal, coletivo, cognoscível e coletivo incognoscível) é mais antigo que a consciência, a qual procede dele e representa apenas uma parte superficial e inconstante do funcionamento psíquico. Esse inconsciente tende a compensar as atitudes da zona consciente para conservar tanto quanto possível a síntese individual, a qual, além disso, é determinada e mantida pelo ajustamento adequado das funções fundamentais da psique, que são quatro: pensar, intuir, sentir e sensacionar (Denken, Intuieren., Fuhlen, Empfinden). Com o nome de "função psíquica" designa Jung "uma atividade psíquica completamente independente de seus conteúdos circunstanciais e persistentes de sua natureza através do tempo". As duas mais conhecidas dessas funções (pensar e sentir) são denominadas racionais; o pensar serve para a distinção entre o verdadeiro e o falso, ao passo que o sentir permite a avaliada do agradável (prazer) e desagradável (desprazer). Ambas as funções excluem-se como atitude e compensam-se na individualidade, (pela oposição consciente-inconsciente, isto e, quanto mais aparece uma no piano consciente, mais se reprime e entra em tensão a outra no inconsciente).

 

      As outras duas (intuir e sensacionar) são consideradas irracionais : a sensação "objetiva" serve à chamada fonction du réel dos franceses. A intuição apreende ou capta essa realidade imediata - não reacional, mas vital - podem sem a ajuda do aparelho sensorial corrente, isto e, em virtude de uma peculiar percepção interna (ou cripltestésica). Enquanto o possuidor de um tipo sensorial (ou sensacionista) nota os detalhes de um conteúdo real, o possuidor do tipo intuitivo não dá atenção a eles, porém vivencia, de chôfre (d'emblée) o seu sentido íntimo ou essência e suas projeções na existência temporal e espacial. Também esse par funcional se exclui e ao mesmo tempo se compensa reciprocamente na dinâmica psico-individual. Para representar esquematicamente o imbricamento dessas quatro funções, as suas possíveis interferências e combinações, Jung as integra no chamado sinal "Taigitu" dos chineses, na forma seguinte:

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Geralmente predomina em cada individuo uma delas (função superior) e a oposta (inferior) permanece mais ou menos latente no inconsciente.

 

No esquema transcrito, a zona branca indica o território plenamente consciente e a raiada assinala o campo inconsciente; de acordo com a representação gráfica, a função superior é, neste caso, o pensar, achando-se reprimido o sentir.

 

Intuir e sensacionar - para esse suposto indivíduo - funções auxiliares (a primeira aparece aqui latente, ao passo que a segunda é manifesta).

 

São poucos os indivíduos que pertencem a um tipo puro (caracterizado pelo predomínio absoluto de uma dessas funções sobre o resto), sendo o comum achar tipos mistos (pensadores empíricos, pensadores especulativos, afetivo-intuitivos, afetivo-sensoriais etc.).

 

    Ao complexo funcional que se forma no seio da individualidade como resultado de um compromisso entre esta e a sociedade, chama Jung persona (dando a esta palavra o seu. primitivo significado de máscara). O eu parece assim intercalado entre ela e o inconsciente, oscilando entre os dois mundos (subjetivo e objetivo), entre os quais se consome o seu vivenciar. A esse respeito Jung coincide parcialmente com Stern, de cujas concepções difere, contudo, em aspectos básicos, como veremos adiante.

     Outra semelhança entre ambos os psicólogos no-la dá o fato de que admitem eles, em relativa oposição a Freud, uma causalidade psíquica fechada, de sorte que a energia psíquica individual aparece em suas concepções como uma quantidade constante, susceptível, porém, de transformar-se e de deslocar-se no espaço (introversão e extroversão) e no tempo (progressão e regressão), criando assim um sistema de coordenadas pessoais inteiramente superponível, mas distinto das coordenadas físicas.

     Jung volta a sua originalidade quando admite, além disso, que o processo de individuação a uma síntese de contrários, e que em sua dinâmica intervem (como ocorre na física) a lei de entropia, porém a diferencia do mundo inanimado, no da alma (que a uma realidade independente ou coisa em si para Jung), existindo a possibilidade de uma transformação reversível (consciência-inconsciente) graças ao eixo das chamadas funções auxiliares. No curso da vida individual - e nisto coincide agora a psicologia complexa com as idéias de Kretschmer - observa-se, geralmente entre os 40 e 50 anos, isto e, em tome da crise involutiva, a inversão da fórmula do equilíbrio psico-individual, em virtude da qual o introvertido se extroverte e vice-versa, ao mesmo tempo que a função reprimida passa a ser guia.

     Os "complexos" - cujo estudo designa ou qualifica esta psicologia - são partes desprendidas da personalidade psíquica, grupos de conteúdos mentais que se fizeram independentes da ação do eu e funcionam autônoma e intencionalmente, com um núcleo submerso no inconsciente e uma parte secundária que emerge na consciência. Quando desce o nível desta a possível que se mostre também a parte oculta, mas então o indivíduo experimenta sua aparição como algo alheio a ele, como um corpo estranho, perturbador de sua liberdade e de seus propósitos voluntários. Jung sustenta que nem todos os complexos são patológicos nem tampouco derivam de uma regressão inicial da libido (como pensa Freud) e que às vezes são formações primitivamente inconscientes (talvez pré-individuais, isto é, provenientes do inconsciente herdado ou coletivo-ancestral) que não chegaram a escalar totalmente o pináculo da zona claramente consciente.

     A via régia para a exploração do inconsciente é o sonho, mas também o é a análise das visões, devaneios e fantasias. Jung admite a existência de vivencias, denominadas "revelação", nas quais, subitamente, e quase com força alucinatória, aparece diante do indivíduo uma imagem ou uma idéia totalmente sem conexão habitual com sua corrente de pensamento e apresentada nele à maneira de um aerólito (que houvesse seguido uma rota invertida) ; tais conteúdos psíquicos são quase sempre expressões ou símbolos representativos dos arquétipos, os quais por sua vez, nos introduzem no domínio da chamada psique objetiva (em oposição à psique subjetiva ou egótica). Tais símbolos são multívocos (condensam muitas significações) e tem, freqüentemente, um caráter profético (H).


     OS ARQUÉTIPOS JUNGUIANOS

     Muito escreveu Jung acerca de tais arquétipos (talvez demasiado, pois com freqüência incorre em contradições sobre eles); o certo é que sua delimitação conceptual constitui um dos pontos mais obscuros dessa doutrina. Em sua conhecida obra "A integração da personalidade" dedica um extenso capitulo, de 43 paginas, a sua descrição sem que em nossa modesta opinião consiga esclarece-la. Afirma em tal trabalho que seus arquétipos constituem uma paráfrase do eidos (idéias) platônico e são les eternelles incrées, determinados formalmente e não em conteúdo material. O arquétipo é tão imanente como o sistema axial que potencialmente determina a formação de um cristal, sem ter uma existência concreta. Constitui uma "presença eterna que pode ou não ser percebida pelo conhecimento" e apresentar-se ante ele sob diversas formas concretas. Levy Bruhl designa algo parecido com suas "representations collectives", que concernem a sucessos e vivências típicas, primitivas, que mais tarde serão a base de fábulas e mitos tradicionais. Jung denominou os primeiros "imagens arcaicas" porem preferiu depois tomar o termo arquétipo (de Stº. Agostinho) por não prejulgar a natureza de sua representação concreta. A soma dos arquétipos constitui a soma de todas as possibilidades latentes da psique humana.

     Imperativa obrigação de cada um é a de enfrentar a si mesmo e de olhar para si, interrogando os seus próprios mistérios e surpreendendo a riqueza incomensurável de seu mundo interior, tão grande que o indivíduo pode perder-se nele. Para que isso não ocorra, isto e, para evitar que alguém "se extravie em sua própria mesmidade", a psicologia complexa trabalha sem descanso e nos oferece um segundo fio de Ariadne: a interpretação das formas representativas dos arquétipos individuais, através do estudo paciente da pré-história, da mitologia, do folclore, das religiões, da alquimia e das concepções das antigas filosofias e cosmogonias...

     Ocupada em tal tarefa, a psicologia complexa propende a conseguir que cada qual consiga construir e reconstruir a sua individualidade criando, mediante a aplicação de seu eu em certas zonas de seu inconsciente, um núcleo energético de poder superior que seja capaz de superar a autonomia existente entre a consciência e o inconsciente, integrando as diversas forças instintivas que se acham concentradas nos arquétipos, tantas vezes citados. A esse eu ampliado e superpotente, resultante do laborioso processo da procura e do encontro consigo mesmo, chama-lhe Jung "Selbst" e nós propomos traduzi-lo por mesmo ou mim; isto e, pois, o eu inicial e mais uma série de tendências e conteúdos gnósticos que, ao se englobarem nele, deslocam o centro da atividade psíquica, colocando-o em um ponto equidistante do âmbito individual. Se o eu se acha no centro da consciência, o mesmo encontra-se no centro do indivíduo; sua esfera fera território de ação se chama mesmidade (Selbstheit). Para obter-se este mesmo ou mim é necessário percorrer um longo caminho no qual achamos sucessivamente as instâncias dos arquétipos fundamentais da humanidade (*).

     O primeiro deles e a sombra. Jung define-a como o "irmão oculto", como a "invisível cauda de sáurio que todo homem tem atrás de si" ou como "a parte inferior e menos recomendável" do indivíduo. Com isto quer exprimir que a sombra correspondente ao conjunto de nossas reações primárias procede da época selvagem da humanidade; o seu significado a demoníaco e sinistro: e o Mefistófeles de Fausto.


(*) A tarefa de autoformação da individualidade é chamada por Jung "processo de individuação", enquanto que ao esforço para conseguir destacá-la de entre as demais que integram o corpo social, é por ele designado como "trabalho de individualização".


      O segundo arquétipo, já mais profundo e separado normalmente do eu, é denominado por Jung anima no sexo masculino e animus no feminino.

      Acerca dele e de suas formas expressivas é muito mais explícito que a respeito do anterior, que a verdadeiramente apenas esboçado em suas descrições. A anima corresponde à imagem da mãe primitiva ou ancestral e simboliza quanto de feminino tem o individuo. Não deve identificar-se com a alma, se bem que pareça formar parte dela. Constitui "uma fonte de vida por trás da consciência, que não pode ser integrada nesta e que contudo a condiciona" (Jung, ob. cit.) ; esse caráter vital ou energético - fons et origo da criação psíquica - que se atribui ao dito arquétipo, explica a multiformidade e complexidade das imagens que utiliza para mostrar-se ante o indivíduo - Vênus ou uma bruxa, frágil donzela, ou enérgica amazona, anjo ou demônio, mãe ou prostituta... Em qualquer dessas formas contraditórias é capaz de aparecer nas visões e sonhos. Na literatura e Kundry (Parsifal) ou Andrómeda (Perseu), Beatriz (Divina Comédia) ou "Ella" (R. Haggard), Antinea (Atlântida) ou Helena de Tróia (Erskine)... como mãe, inspira nosso primeiro sopro e recolhe o nosso último alento; como a vida, é, ao mesmo tempo, absurda (irracional) e significativa (lógica). Note-se, além disso, que Jung se compraz em destacar a cada passo esse caráter ambivalente e antinômico de todos os produtos e fatos psíquicos; nesse arquétipo encontra uma das melhores ocasiões para desenvolver tal gosto a critério. Na terceira fase desta viagem as profundidades do inconsciente coletivo aparece o arquétipo de saber primitivo, isto a do mago, que no sexo masculino pode apresentar-se sob a forma de profeta, caudilho etc., e no sexo feminino o faz com magna mater sob a aparência de deusa da fecundidade, pitonisa, sibila, sacerdotisa etc. Em Nietzsche esse setor da individualidade personifica-se em Zaratustra. Essas imagens são designadas por Jung com o comum qualificativo de personalidade maná e seu descobrimento coloca o indivíduo em frente a um núcleo de forças que lhe injeta confiança em seu saber e lhe permite tornar-se independente da influência que sobre ele exerciam as imagens de seus progenitores. Em suma, esse velho homem sábio, espécie de Jeová, Júpiter, Wotan, Grande Espírito ou Mago, a uma figura híbrida que possui todos os segredos e arcanos do mundo: à medida que o indivíduo se deixa levar por ela, sente-se seguro e onipotente. Em alguns delírios de grandeza e estados oniróides da esquizofrenia vemo-la em ação, dirigindo todo o pensamento do indivíduo que adquire categoria de homo divinans.

    Deixando de lado as representações pessoais dos três arquétipos até agora mencionados, existem muitas imagens impessoais dos mesmos, mas estas não os representam em seu estado de pureza e sim no processo de transformação que operará no seio da individualidade para a criação de seu novo centro diretor: o mesmo. Na medida em que este se precisa e condensa aparece então uma nova categoria de símbolos arquétipos que denotam sua existência e mostram, como característica comum, uma forma circular (correspondente em Jung ao circulo mágico empregado no lamaismo e no ioga tântrico como intra). Estes símbolos, reveladores do processo formador da mesmidade, isto é, símbolos mésmicos (!) são designados pela psicologia complexa com o qualificativo de mandalas.

     O próprio Jung escreve acerca deles as seguintes e desencorajantes linhas (Ob. cit. pág. 178) : "o que podemos dizer hoje sobre o simbolismo mandálico e o seguinte: que representa um fato psíquico autônomo, conhecido pelas manifestações que se repetem continuamente, e se encontram sempre idênticas. Parece uma espécie de núcleo atômico acerca de cuja íntima estrutura e significado último não sabemos nada. Podemos, pois, considerá-lo como a imagem espetral real, isto é, afetiva, de uma atitude de consciência que não pode formular nem o seu objeto nem o seu propósito e cuja atividade por tal renúncia se acha completamente projetada no centro virtual da mandala. Este só pode suceder par compulsão e a compulsão sempre chega a uma situação na qual o indivíduo não conhece o meio de auxiliar-se de outra maneira". Evidentemente esse parágrafo não esclarece o conceito que visamos alcançar.

 

      Porém, outras dificuldades maiores vem somar-se às já encontradas por quem deseje seguir até o fim a peregrinação que impõe Jung para chegar a ser um indivíduo redondo e completo, isto é, possuidor de um grande mesmo e capaz de integrar tudo quanto traga em si. Tais dificuldades nascem da emergência, cada vez maior, de outros arquétipos ainda mais obscuros que os já assinalados. Com efeito, junto aos símbolos mandálicos se apresentam também as tétradas que, segundo parece, também simbolizam a mesmidade, dando-lhe forma tetrassômica ou quadricorpórea, - correspondente às quatro funções fundamentais antes descritas.

 

 

Daí, diz Jung, o prestigio universal da Cruz, dos pontos cardiais, do carbono (quadrivalente) ...

 

      Sendo nosso propósito o de apresentar somente os pontos essenciais de cada doutrina, acreditamos que o já exposto bastará para fazer-se uma idéia do caráter distinto da atuai obra junguiana.

 

    Como síntese gráfica da mesma permitimo-nos transcrever em seguida o esquema XVII, com que Jacobi ilustra a posição que tem nos diversos pianos da individualidade os seus principais elementos, de acordo com essa doutrina:

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TÉCNICA, INDICAÇÕES E LIMITAÇÕES DA PSICOTERAPIA JUNGUIANA

 

      Pelo exposto acerca das idéias que presidem a concepção atual de Jung sobre a individualidade humana concebe-se sua afirmação de que seu sistema curativo não é tanto de ordem terapêutica (medica) quanto de natureza mística (religiosa) : não se trata tanto de curar o indivíduo de sua relativa miséria existencial, fazendo-o subir de seu miópico estado psíquico e descobrir o manancial inesgotável de reservas que encerra, em potência, o seu inconsciente ancestral ou coletivo. Ao incorporar ao seu núcleo egótico estas forças propulsoras e criar assim uma robusta mesmidade - que tenha em conta suficientemente a vocação (voz interior) individual - obtém-se uma síntese psíquica que permite ao indivíduo individuado, isto é, ao indivíduo que terminou o seu processo de individuação, superar todos os conflitos, tanto internos como externos e gozar de uma paz e de uma satisfação ate então desconhecidas dele.

     A exploração dessas misteriosas zonas em que reinam os arquétipos antes descritos faz-se principalmente utilizando o material onírico que o paciente deve liberar intacto ao psicoterapeuta. E, além disso, as chamadas vivências de revelação, constituídas por súbitas emergências de imagens na consciência, de sonhos, fantasias ou impulsos de expressão artística (plástica ou literária) que ao serem devidamente analisados demonstram possuir um caráter simbólico e revelar, portanto, as fontes de que emanam.

     Com isto já se deduz que pessoas que possam ser submetidas a essa terapêutica deverão ter não escassa cultura e uma rica vida interior; não podem ser imaginativamente secas e deverão estar propensas a submergir em qualquer momento nesse particular estado de divagação ou devaneio que e a chave de exploração psicanalítica.

     É incompreensível, porém certo, que Jung conceda cada vez menos importância a sua prova das associações condicionadas na exploração de seus enfermos; sem dúvida, a isso devido à nova orientação de suas concepções.

    Se agora nos perguntamos que tipo de doentes a mais tributário de seguir esse Heilweg (caminho da cura) que constitui a psicoterapia junguiana, dar-nos-emos conta de que são antes de tudo, os que, chegando a idade madura, sofrem ao ver o insucesso de suas vidas: tratam de reviver suas existências e se compenetram de que é demasiado tarde para isso; procuram consolar-se com a promessa de um venturoso alem e falta-lhes a fé religiosa, tentam resignar-se vivendo como até então e não tem a energia para conformar-se. Tudo isso os leva ao suicídio, à neurose ou à perversão, mas em todo caso os desvia progressivamente e os priva de paz e de satisfação. Em tais condições, ao psicoterapeuta resta proporcionar-lhes uma doutrina que tenha encanto de alguma bela criação artística, força sugestiva de uma tese religiosa e o poder de convicção persuasiva de uma obra científica. - Que importa que tudo isso não seja verdade, se o indivíduo chega a aceitá-lo como coisa real, que se lhe impõe como um ato de fé?

     O psicoterapeuta impele então o enfermo ao desprezo de seus sintomas; estes equivalem ao preço de sua expiação pela ignorância de si mesmo. Já não diz, como o faziam Freud ou Adler, que são o preço que paga pela realização (deformada) de seus desejos inconfessáveis ou o preço de sua covardia. Em todo o caso, são algo que é necessário desentender na medida em que o enfermo se interessa pelo verdadeiro problema que tem diante de si e que é, nada mais nada menos, que o de seu destino e o da sua própria formação e autodeterminação. Assim como Freud leva certos indivíduos a um pessimismo e cepticismo e Adler os aguilhoa e estimula censurando-lhes suas faltas de sinceridade e de coragem, Jung os reanima e alegra assegurando-lhes "que ainda não haviam chegado a ser o que eram" e convencendo-os de que abrigam "infinitas possibilidades criadoras".

     Facilmente se adivinham as limitações deste objetivo: deixando de lado a escassa cultura ou o excessivo realismo dos pacientes, ainda prescindindo de se são ou não jovens e céticos, a evidente que Jung não pode ajudar de um modo efetivo nem aos enfermos de psicoses propriamente ditas, nem tampouco aos de psiconeuroses complicadas como são, por exemplo, as de tipo impulsivo e obsessivo, pois nestas a mesma estrutura dos sintomas impossibilita o tipo de exploração necessária para chegar à interpretação prevista. Não tendo então um modo de vencer a resistência individual - pois isto equivale a pressupor no indivíduo uma atitude demoníaca que a negada por sua doutrina - o psicoterapeuta junguiano é incapaz em tais casos de "romper a fachada sintomática" : a religião privada do neurótico. A tais enfermos importa um descobrimento de seu anima ou conhecer as expressões de seu velho mago : desejam ser aliviados de sua angústia, ou quando menos, uma prova palpável e evidente de que estão na pista para consegui-lo. Nem uma nem outra estão à mão neste tipo de psicoterapia.

     E o mesmo poderíamos dizer dos inúmeros casos de "organo-neuroses" e de transtornos em que se imbricam as causas somáticas e psíquicas produzindo um complicado quadro mórbido que justifica um ataque pluridimensional em todas as frentes e com todas as armas. Dada a real independência que Jung concede ao território da psique (para o que admite uma causalidade fechada, do mesmo modo que Freud, em seus primeiros ensaios) vê-se adstrito, forçosamente, a renunciar ao use de meios e recursos que se podem integrar comodamente num plano terapêutico menos rígido que o imposto pelo seu credo.

    Isso explica a escassa difusão que logrou esta escola existem poucos psicoterapeutas junguianos nos países latinos, quase nenhum na América do Norte, e também o próprio autor do sistema parece interessar-se hoje muito mais em resolver problemas relacionados com a astrologia, alquimia, arte, religião e cosmologia, do que com a prática médica.

     Contudo, ainda que trazendo consigo a euforiante esperança de uma troca estrutural baseada na incorporação de novos elementos, até então mantidos em estado potencial, é indubitável que alguns dos conceitos dessa doutrina podem e devem integrar-se na psicoterapia clínica: são mais efetivos, e até, se quisermos, mais sugestivos para o indivíduo que a "consciência da culpa" ou "complexo de castração" ou 0 "instinto tânico" que se podem manejar a torto e a direito, e requerem uma longa atuação educativa no enfermo por parte do psicanalista.

    

BIBLIOGRAFIA

 

CARL G. JUNG. - The Integration of the Personality, Farrar, Nova Iorque.

C. JUNG. - Metamorphoses et symboles de la Libide, Ed. Montaigne, Paris, 1931.

C. JUNG. - La Realidad del Alma, Ed. Losada, Buenos Aires, 1940.

C. JUNG. - Modern Man in Search of a Soul, Ed. K. Paul, Londres, 1933 (ver os capítulos: Problems of Psychoterapy e Psychotherapists or the Clergy. A. Dilema).

 C. JUNG. - Psychology and Religion. Yale Univ. Press. 1938.

 

J. JACOBI. - Die Psychologie von C. G. Jung. Racher, Zilrique, 1940.